Carlos Eduardo Lins da Silva
Folha
Morreu nesta quarta-feira (29), aos 100 anos, Henry Kissinger, um dos mais influentes nomes da diplomacia na segunda metade do século 20. Dois fatos banais ajudam a dimensionar como a inteligência e habilidade de Kissinger foram grandes: nascido em outro país e com forte sotaque estrangeiro que nunca superou, ele conseguiu ser o principal representante dos EUA, uma sociedade com forte tendência ao chauvinismo; e judeu, tornou-se o mais poderoso integrante do governo de Richard Nixon, um antissemita.
Heinz Alfred Kissinger, seu nome original, nasceu em Furth, Alemanha, em 27 de maio de 1923. Sua família imigrou para os EUA em 1938, quando os rumos do Terceiro Reich de Adolf Hitler já estavam suficientemente claros.
NA GRANDE GUERRA – Em 1943, naturalizou-se americano e integrou-se ao Exército da nova nação contra a antiga na Segunda Guerra Mundial, sempre no setor de inteligência, onde sua fluência em alemão era apreciada.
Depois dos combates, deu início à extraordinária carreira acadêmica que lhe abriu as portas para os políticos: bacharelou-se em ciência política pela Universidade Harvard em 1950, onde também completou o mestrado (1952) e o doutorado (1954, com tese sobre ‘paz, legitimidade e equilíbrio”).
Sua proximidade com os principais círculos intelectuais de Nova York nos anos 1950, quando sua principal atividade era como professor em Harvard, o levou a prestar consultoria a diversas entidades de governo na administração Eisenhower e a colaborar com Nelson Rockefeller, principal líder da ala mais liberal do Partido Republicano.
COM NIXON – Rockefeller foi pré-candidato à Presidência do país pelos republicanos em 1960, 1964 e 1968. Na primeira e na terceira tentativas, perdeu para Richard Nixon, seu arqui-inimigo, que não hesitou em chamar Kissinger como assessor logo que chegou à Casa Branca, em janeiro de 1969.
A comunidade política tinha tal fascínio por Kissinger que o candidato derrotado por Nixon em 1968, o democrata ultraliberal Hubert Humphrey, disse que também o teria chamado para trabalhar consigo se tivesse vencido.
De integrante do Conselho Nacional de Segurança, ele logo passou para a chefia desse órgão, de onde de fato liderava a política externa americana, por causa da fragilidade política e pessoal de William Rogers, secretário de Estado no primeiro mandato de Nixon.
SECRETÁRIO DE ESTADO – Assumiu formalmente a condição de condutor dos EUA em relações internacionais quando Nixon o nomeou secretário de Estado em 1973 (o primeiro a ter nascido fora do país), cargo em que foi mantido pelo sucessor, Gerald Ford, depois de o caso Watergate levar o presidente à renúncia.
Nos oito anos em que ditou o modo como os EUA lidavam com o mundo, Kissinger estabeleceu o império da “realpolitik”, conceito genérico que contrasta com o do idealismo, e realizou operações diplomáticas inimagináveis para um governo conservador, como o de Nixon, num ambiente de plena Guerra Fria entre capitalismo e comunismo.
Entre os grandes feitos de seu “mandato”, a aproximação com a China e seu posterior reconhecimento por Washington sem dúvida é o mais sensacional.
ARMAS NUCLEARES – Mas a assinatura de acordos de limitação de armas nucleares (o SALT) com a União Soviética, o processo de paz no Vietnã (que lhe rendeu um Prêmio Nobel dividido com o principal diplomata norte-vietnamita), a presença constante em negociações no Oriente Médio (apelidada de “diplomacia de ponte aérea”) e o apoio ao Paquistão contra a Índia na guerra que resultou na formação de Bangladesh foram outros pontos altos desse período.
A debacle do governo Nixon em consequência dos escândalos políticos fez de Kissinger um personagem cada vez mais importante para o país e para o mundo. Em 1975, pesquisa do Instituto Gallup o apontou como a pessoa mais admirada nos EUA.
Ele passou do status de poderoso assessor para o de celebridade global. Seu casamento com Nancy Maginess, em 1974, recebeu cobertura de imprensa similar à do de um astro de cinema ou um monarca britânico. Frases que lhe foram atribuídas nessa época (como “o poder é o melhor afrodisíaco”) ajudavam a ampliar sua fama.
RELAÇÃO COM O BRASIL – Kissinger manteve relação especial com o Brasil, em parte por razões explicáveis pela “realpolitik” (ele sempre reconheceu a importância estratégica do Brasil para os EUA no hemisfério ocidental), em parte talvez pela conhecida paixão que teve pelo futebol.
No poder, deve ter influenciado Nixon a proferir a famosa frase em 1972 (“Para onde o Brasil se inclinar, toda a América Latina se inclinará”, ao saudar o então presidente Garrastazu Médici, em Washington) e forjou vínculos de amizade com o chanceler do governo Geisel, Antônio Francisco Azeredo da Silveira, “o mais substantivo interlocutor que tive na América Latina”.
O diálogo do todo-poderoso da política externa americana de 1969 a 1977 com o Brasil está muito bem documentado no livro “Kissinger e o Brasil”, de Matias Spektor (Zahar, 2009).
SEMPRE INFLUENTE – Kissinger chegou aos 100 anos com fama dividida entre gênio e criminoso de guerra, mas sempre influente
Em 2001, apoiou a guerra ao terror declarada por George W. Bush após os atentados terroristas de 11 de setembro. Em 2005, insistiu em público e privado com Bush para não sair do Iraque, apesar de todos os sinais de que a situação se deteriorava como a do Vietnã no início dos anos 1970, um claro distanciamento das posições de “realpolitik” que ele executara no governo.
Houve várias tentativas de fazer com que Kissinger respondesse na Justiça por ações cometidas por agentes oficiais americanos durante seu período como secretário de Estado, principalmente no Chile na época do golpe contra Salvador Allende e no início da ditadura de Augusto Pinochet, mas eles nunca prosperaram.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Detalhe curioso: Kissinger viveu até 100 anos, porque não sabia bater à máquina e jamais usou computador. Nos anos 90, teve uma dor no ombro, o diagnóstico foi bursite e ia ser operado. Com medo de perder a movimentação da mão direita e ter dificuldades para escrever, buscou um outro médico, que diagnosticou problema cardíaco e lhe implantou safenas. Na mesma época, Paulo Francis enfrentou idêntico erro médico. Diagnosticado com bursite, não procurou um cardiologista e morreu de infarte, em fevereiro de 1997, e parece que foi ontem. (C.N.)
deve ser muito bom morrer, para ser lembrado…(?)
“Nêsgas” sobre, conforme:
https://www.sitelevel.com/query?query=Kissinger&slice_title=Neste+Site&B1=Localizar+Agora&crid=4f1f8bec312c8053
Resta Delfin, o “Kissinger Tupiniquim”!
Já foi tarde.
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2023/11/30/kissinger-criminoso-de-guerra.htm
O mundo atual é, em grande parte, resultado da mente desses destacados homens.
Não foi Henry Kissinger que disse: “não permitiremos um novo Japão abaixo da linha do Equador” ? Claro que era em referência ao Brasil. Daí o golpe de 64.
Contam que quando nos anos setenta o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, visitou Brasília, seu homólogo, Antonio Azeredo da Silveira, mostrou-lhe com toda riqueza de detalhes o Ministério das Relações Exteriores desenhado por Oscar Niemeyer. E que quando, pouco depois, Azeredo lhe perguntou por suas impressões, Kissinger respondeu: “É um edifício magnífico, Antonio; agora você só precisa é de uma política externa”.