No banco dos réus: o confronto entre Bolsonaro, Moraes e a verdade sobre a tentativa de golpe

Charge do Baggi (instagram.com/falabobaggi/)

Pedro do Coutto

O cenário político nacional vive hoje um dos seus momentos mais emblemáticos desde o término das eleições de 2022. O encontro entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal simboliza muito mais do que um mero interrogatório judicial.

É o ponto alto de um processo que investiga uma possível tentativa de golpe de Estado articulada por setores ligados ao bolsonarismo, com a participação de militares de alta patente e assessores próximos ao ex-presidente. Essa audiência marca o início formal da fase de depoimentos dos oito réus acusados de participar da trama golpista, e reacende o debate sobre os limites da democracia brasileira e a resistência institucional diante de ameaças autoritárias.

TESTEMUNHA-CHAVE –   O destaque maior do dia recai sobre o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação premiada serviu de base para a denúncia e os indiciamentos. Cid, que durante o governo era conhecido por saber demais, agora assume o papel de testemunha-chave, munido de provas documentais e relatos de bastidores que indicam a existência de um plano concreto para subverter o resultado das urnas. Seu depoimento ocorrerá antes mesmo do de Bolsonaro, em uma estratégia calculada pelo STF para evitar que os dois tenham contato ou influenciem mutuamente seus relatos.

Houve, inclusive, uma mudança de última hora na logística da audiência: Moraes determinou que Bolsonaro e Cid fiquem separados fisicamente durante os interrogatórios. A medida foi tomada para garantir a isenção dos depoimentos, já que a expectativa é de que Cid reafirme, diante do ex-presidente, que houve de fato uma minuta de decreto que previa instaurar um estado de defesa com o objetivo de impedir a posse de Lula. Essa minuta, segundo o militar, foi levada por Bolsonaro a diversos comandantes militares em busca de apoio para o que se configuraria como uma ruptura democrática.

Entre os generais procurados por Bolsonaro está Freire Gomes, então comandante do Exército, que, de acordo com relatos já tornados públicos, teria se recusado a aderir à proposta. O gesto de Freire Gomes é simbólico, pois demonstra que, mesmo entre os militares, havia resistência à tentativa de golpe. Sua postura foi crucial para o desmonte inicial da operação golpista e agora serve como um dos principais pilares da acusação contra Bolsonaro e seus aliados.

TROCA DE MENSAGENS –  O acesso liberado aos celulares de Mauro Cid e de sua esposa também é um fator relevante. Os dados extraídos desses aparelhos, já em posse do STF, contêm trocas de mensagens, arquivos de áudio e registros de conversas que reforçam a tese de que havia um plano em curso para manter Bolsonaro no poder. Esses elementos serão confrontados durante os interrogatórios e podem gerar novos desdobramentos, inclusive com o surgimento de novos nomes envolvidos no caso.

Bolsonaro, por sua vez, adota uma postura pública de enfrentamento. Disse em suas redes sociais que “a verdade está do nosso lado” e que não pretende “lacrar” no depoimento. Trata-se de uma retórica política que busca reforçar sua narrativa de perseguição, galvanizar sua base mais fiel e, ao mesmo tempo, evitar o desgaste diante de um processo que pode resultar em consequências penais sérias. Mas o ambiente no STF é de absoluta seriedade, e não há espaço para bravatas. O que se espera do ex-presidente é clareza e coerência diante das evidências já apresentadas.

Esse confronto direto com Moraes representa um capítulo histórico da crise institucional vivida pelo país nos últimos anos. O ministro, que já vinha sendo alvo de ataques sistemáticos por parte do bolsonarismo, agora assume, em pleno tribunal, a posição de relator e julgador de um dos episódios mais graves da história republicana recente. Sua atuação tem sido marcada por firmeza, e ele conta com o apoio da maioria dos ministros do Supremo, além de respaldo em parte considerável da opinião pública que acompanha com atenção o desenrolar dos fatos.

TEIA DE PERSONAGENS – É importante ressaltar que o processo em questão não trata apenas de Bolsonaro. Envolve uma teia de personagens — civis e militares — que, segundo as investigações, participaram ativamente da construção de uma narrativa falsa de fraude eleitoral, alimentaram o caos institucional e, em última instância, prepararam o terreno para um golpe. O julgamento destes réus será um teste decisivo para o funcionamento das instituições democráticas brasileiras e para a responsabilização de agentes públicos que ultrapassaram os limites constitucionais.

O STF, ao conduzir os interrogatórios com publicidade e transparência, cumpre um papel essencial: reafirmar o compromisso do Judiciário com o Estado de Direito. As audiências servirão não apenas para ouvir os réus, mas também para expor os fatos à sociedade, garantir o contraditório e fortalecer os princípios democráticos. Em um país marcado por ciclos de instabilidade política, o que está em jogo não é apenas o destino de um ex-presidente, mas a credibilidade das instituições e a confiança dos cidadãos na justiça.

Este processo será, portanto, lembrado por muitos anos. Não apenas pelo ineditismo do momento — um ex-presidente sendo julgado por tentar sabotar o próprio sistema democrático —, mas pelo impacto que ele poderá ter sobre o futuro político do país. A depender do que for revelado nos depoimentos e da condução dos trabalhos pelo STF, a história do Brasil poderá registrar este episódio como um ponto de inflexão: o instante em que a democracia foi, mais uma vez, testada — e, esperamos, confirmada.

3 thoughts on “No banco dos réus: o confronto entre Bolsonaro, Moraes e a verdade sobre a tentativa de golpe

  1. O que o jornalista Secom não diz é que o Bolsonaro já foi condenado sem o devido processo legal e que o Brasil vive sob a pior ditadura que já teve, a do judiciário. Mesmo durante aquela de 1964 existia uma justiça que embora tolhida abraçava as causas justas. Agora, nem justiça existe.

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