Carlos Chagas
A nota da Associação Nacional dos Procuradores da República demonstrou não ter arrefecido a crise entre a categoria e o PT. Caberá ao presidente do partido, José Eduardo Dutra, absorver o golpe e não revidá-lo, de forma a conseguir poupar as outras duas partes envolvidas, Dilma Rousseff e o presidente Lula.
A candidata contribuiu, ontem, para o fogo não se alastrar, permanecendo calada a respeito do entrevero criado em torno das multas recebidas pelo alegado uso da máquina pública na campanha eleitoral.
O perigo repousa num inusitado improviso que o presidente Lula possa disparar em alguma de suas aparições públicas. Porque se insistir no óbvio, de que dispõe do direito constitucional de exprimir opiniões e preferências, como qualquer cidadão, estará fornecendo munição para os adversários cada vez mais eriçados.
Vale repetir mais uma vez ter a tertúlia, ou melhor, a crise, raízes numa legislação burra e desnecessária que limita o direito de governantes participarem das campanhas eleitorais. Na verdade, a única postura lógica deveria ser a proibição do uso da máquina pública na busca de votos.
Como a lei existe para ser cumprida, mobilizam-se os procuradores, examinando em cada episódio eleitoral a participação do presidente da República, da candidata e de seu partido. As multas sucedem-se numa ciranda meio ridícula, pois até agora ninguém pagou nada. O risco é de o Ministério Público, exposto ao sol e ao sereno pela inocuidade de suas iniciativas, vir a aumentar o grau das punições pretendidas, como sugeriu seu aliado, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Ofir Cavalcanti quer que o Poder Judiciário dê cartão vermelho para o PT, seja lá o que isso represente para o partido. E Dilma Rousseff e o Lula, como ficariam?
Em suma, a hora é de cautela, mas como praticá-la em meio a uma acirrada campanha eleitoral, onde os dois principais postulantes estão empatados, disputando milímetro a milímetro os percentuais nas pesquisas? Caso José Eduardo Dutra consiga circunscrever o embate com os procuradores apenas ao PT, mesmo engolindo sapos, terá contribuído para tirar da fogueira o presidente e a candidata, dependendo, é claro, do comportamento deles.
A rebelião dos nanicos
São dez os partidos que integram a coligação em favor de Dilma Rousseff, ou seja, PT, PMDB e mais oito bem menos importantes. Dias atrás formou-se um comitê de mentirinha, com a participação de representantes de todas as legendas, para conduzirem a campanha e definirem as linhas-base do programa de governo da candidata. Com todo o respeito, PSB, PC do B, PDT, PTB e outros estão levando a sério a incumbência e alguns já começam a atrapalhar, pretendendo dar palpites e criar obstáculos.
O PMDB reivindica o direito de participar como maior partido nacional, tanto que impôs Michel Temer de vice. Os peemedebistas já criaram problemas, em especial quando se uniram a grupos conservadores do PT e obrigaram a candidata a retirar do Tribunal Superior Eleitoral a cópia do programa de governo elaborado pelos setores mais progressistas dos companheiros.
Antes da eleição, todos os cuidados são poucos, mas é preciso Dilma Rousseff encontrar um jeito de mostrar que quem manda no galinheiro é ela. Caso contrário, se ganhar a eleição, será o diabo na hora da composição do ministério e, depois, para governar. Se cada um dos nanicos reivindicar um lugar de ministro, e o PMDB insistir em manter os seis de que dispõe com o Lula, sobrará o quê, para o PT?
Chega de Haiti
Crescer no cenário mundial é importante e, justiça se faça, o presidente Lula vem obtendo sucesso na política externa, não obstante algumas trapalhadas. Os jornais desta semana divulgaram fotografias de um novo contingente de nossos soldados embarcando para o Haiti. Convenhamos, já chega. Há dez anos que bancamos uma força de paz naquela infeliz nação, arcando não com prejuízos materiais, que são o de menos, mas com dois tipos principais de sacrifício: nossos recrutas têm morrido por lá, como ainda no recente terremoto, enquanto patrulham as ruas de sua capital portando espingardas, metralhadoras, canhões e tudo o mais.
Podem ser força de paz, e são, mas para os haitianos trata-se de invasores. Caso os “marines” americanos ocupassem o Rio, a pretexto de combater um incontrolável tráfico de drogas, como seriam vistos pelos cariocas? Mantenedores da paz? Ou ocupantes, pela força, de um território que não é deles?
O Brasil atendeu apelo dos Estados Unidos para desempenhar no Haiti um papel que deveria caber a Washington. Colaboramos, pagamos um preço alto, mas já está na hora de sermos substituídos.
Por que não mudam?
Mesmo com o Congresso em recesso praticamente até o final de outubro, se houvesse vontade política bem que poderia ser corrigido um formidável erro constitucional cometido em 1988. Num mês de trabalho corrido, agora em novembro, deputados e senadores teriam condições de transferir do primeiro para o décimo dia de janeiro a data da posse do novo e dos seguintes presidentes da República. Porque é um absurdo o governo transferir-se num dia em que metade do país estará na cama, de ressaca, e a outra metade ainda não chegou em casa. Ilustres convidados estrangeiros tem fornecido todo tipo de desculpas para não vir, transformando-se a solenidade numa espécie de penosa obrigação para quantos comemoram ou não comemoram o 31 de dezembro. Essa sugestão vem atravessando inutilmente os anos, sem que nenhum líder se anime a realizá-la. Por que não?