
Chagas foi um dos maiores historiadoresdo pas
Nlio Jacob
Encontrei em meus arquivos este artigo escrito pelo jornalista Carlos Chagas em 2004, quando o golpe militar de 1964 completou 40 anos. Vale a pena ler de novo, para refrescar a memria dos mais velhos e informar aos mais jovens o que realmente aconteceu no Brasil.
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H QUARENTA ANOS…
De vez em quando bom mergulhar ao passado,quando nada para no repetir os erros, porque sempre nos dir o que evitar. H quarenta anos, vivia o Brasil uma situao de crise iminente. Depois de entusistica reao nacional ao golpe em 1961, liderada por Leonel Brizola, entramos em 1964 sob a gide da conflagrao. O ento presidente Joo Goulart tivera assegurada a sua posse, por resistncia do cunhado, ento governador do Rio Grande do Sul, e logo depois o deputado mais votado da histria do pas, eleito pela Guanabara.
O problema estava na permanncia ativa das foras que tentaram rasgar a Constituio e permaneciam no mesmo objetivo. Uns pela humilhao da derrota,outros por interesses, estes ingnuos, aqueles infensos a quaisquer reformas sociais – todos se fortaleciam sob a perigosa tolerncia de Goulart.Conspiraes germinavam sob a batuta do IPES, singelo Instituto de Pesquisas Econmicas e Sociais, na verdade um milionrio centro de desestabilizao do governo trabalhista, erigido em cima de milhes de dlares. Sua chefia era exercida pelo general Golbery do Coutto e Silva, na reserva, arregimentando polticos, governadores, prefeitos, militares, fazendeiros, empresrios aos montes, classe mdia e at operrios e estudantes. O polvo tinha vrios tentculos, como o CCC ( Comando de Caa ao Comunistas), o MAC ( Movimento Anticomunista, a Camde (Companha da Mulher pela Democracia), o Ibad (Instituto Brasileiro de ao democrtica ) e outros bem subsidiados, que agiam nas ruas.
DINHEIRO VONTADE – Claro que a maioria da imprensa dava ampla cobertura a essa atividade, sempre escondidas sob a fantasia da defesa da democracia supostamente ameaada pelas reformas de base pretendidas pelo governo comunista de Joo Goulart. Publicidade e dinheiro vivo no faltavam, alm, e claro, de inclinaes pessoais dos bares da mdia.
Do outro lado, organizavam as foras que imaginavam estar o Brasil marchando para o socialismo, como o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), a Frente Nacionalista, o Grupo dos Onze, as Ligas Camponesas e outros.
Depois da ridcula experincia parlamentarista, o presidente retomara, atravs de um plebiscito, a plenitude de seus poderes. Diante da resistncia do Congresso em aceitar as reformas, Jango decidiu promove-las “na marra”.
TUDO AO MESMO TEMPO – Abria perigosamente o leque, em vez de realiz-las de per si, uma a uma. Ao mesmo tempo, pregava a reforma agrria, pela desapropriao de terras por ttulos da dvida pblica; a reforma bancria, com a estatizao do sistema financeiro; a reforma educacional, com o fim do ensino privado; a reforma urbana, atravs da proibio de os proprietrios manterem casas e apartamentos fechados, sem alugar; a reforma da sade, pela criao de um laboratrio estatal capaz de produzir remdio a preos baratos; a reforma da remessa de lucros, limitando o fluxo de dlares, que as multinacionais enviavam s suas matrizes; a reforma das empresas, impondo a participao dos empregados no lucro dos patres e a co-gesto; a reforma eleitoral, concedendo o direito de voto aos analfabetos, aos soldados e cabos. Entre outras.
WALTERS E ANSELMO – Contava-se, como piada, haver um tnel secreto ligando as instalaes do IPES embaixada dos EUA, no Rio. Verdade ou mentira, os americanos estavam enfiados at o pescoo na conspirao, por meio do embaixador Lincoln Gordon e do adido militar, coronel Wernon Walters, antigo oficial de ligao do exrcito americano com as Fora Expedicionria Brasileira, na Itlia. Linguista exmio sabendo falar at mesmo o portugus do Brasil e o de Portugal, tornara-se amigo dos majores e coronis que lutaram na Itlia, agora generais importantes. E em grande parte, conspiradores.
A estratgia inicial era impedir as reformas de base e deixar o governo Goulart exaurir-se, desmoralizado at o final do mandato. Tudo mudou quando o presidente se deixou envolver por outra reforma, a militar. Partindo de um inexplicvel artigo da Constituio que limitava a possibilidade dos sargentos se candidatarem a postos eletivos, bem como as dificuldade antepostas pela Marinha para organizao sindical dos subalternos, tudo transbordou. Pregava-se a quebra da hierarquia entre militares,
REBELIO – Acusada de estar criando um soviete, a Associao dos Marinheiro e Fuzileiros rebelou-se, instalando-se na sede do Sindicato dos metalrgicos do RJ. Mais de mil marinheiros e fuzileiros recusaram-se a voltar aoS seus navios e quartis, tendo o governo preferido a conciliao em vez da punio. A ironia estava em que o chefe da revolta, o cabo Anselmo,o mais inflamado dos insurrectos, era um agente provocador a servio do golpe. Quanto mais gasolina no fogo melhor.
Junta-se a isso a deciso de Goulart de realizar monumentais comcios populares, onde assinaria, por decreto, as reformas negadas pelos deputados e senadores. S fez um, a 13 de maro, sexta-feira,no Rio, quando desapropriou terras ao longo das rodovias e ferrovias federais, encampando tambm refinarias particulares de petrleo. Naquela noite, na Central do Brasil e ironicamente diante do prdio do Ministrio da Guerra, discursaram revolucionariamente os principais lderes de esquerda: Jos Serra, presidente da Unio Nacional dos Estudantes, Dante Pelacani, dirigente do CGT, Miguel Arraes, governador de Pernambuco, Leonel Brizola, deputado federal, e outros.
EXAGEROS – Cada orador sentia a necessidade de ir alm do que pregara o antecessor. Quando chegou a vez do presidente Goulart, no lhe restou alternativa, seno superar os companheiros. Fez um discurso que os historiadores precisam resgatar. Uma espcie de grito de revolta diante das elites, a pregao da independncia para os humildes e os explorados. O desfecho estava prximo, demonstrando que, do lado de c do planeta, enquanto a esquerda faz barulho, a direita age.