Carlos Chagas
Dos 81 senadores, 41 assinaram manifesto pregando o afastamento de José Sarney da presidência do Senado. Mais da metade. Por conta dessas assinaturas, infere-se a iminência da saída do ex-presidente da República da cadeira que ocupa? Nem pensar.
Ainda que mais senadores decidam incorporar-se ao grupo, só por milagre o documento produzirá efeito. Para o plenário afastar seu presidente é necessário um processo oriundo do Conselho de Ética, que por sua vez tenha votado, antes, a existência de quebra do decoro parlamentar por parte dele. Coisa que jamais acontecerá sob a atual constituição do Conselho, onde os partidários de Sarney são maioria.
Para que, então, elaborou-se o referido manifesto? Apenas para jogo de cena. Para que seus subscritores, ano que vem, nas campanhas eleitorais, possam mostrar em praça pública esse posicionamento de mentirinha, eximindo-se da rejeição popular.
Sendo o Brasil o país das possibilidades impossíveis, não seria surpresa se o próprio Sarney assinasse o manifesto. Como não disputará eleições em 2010, torna-se inócua essa iniciativa fantástica. Mas os fatos continuam os mesmos: senadores pedem aquilo que não podem e não querem alcançar. Jogam para a platéia numa pantomima digna do picadeiro de algum circo.
Prestidigitação
Exagerou o presidente José Sarney diante de políticos do Amapá ao atribuir a campanha contra ele à estratégia dos que querem atacar o presidente Lula. A blitz ainda recaindo sobre seus ombros seria gerada pelas oposições e por parte da imprensa com a finalidade de enfraquecer o presidente Lula na sucessão do ano que vem.
Não se emitem juízos de valor a respeito das denúncias contra o ex-presidente da República, ao menos enquanto. Ele tem sido denunciado, mas não julgado. Provavelmente não será. Mesmo assim, de vez em quando escorrega, como em seu encontro com correligionários. Afinal, trata-se de cabo eleitoral de Dilma Rousseff? Onde a candidatura da chefe da Casa Civil sairá prejudicada por acusações ao comportamento do presidente do Senado?
Enfraquecidos estarão o presidente Lula e a candidata na hipótese de Marina Silva e Ciro Gomes se lançarem. Ou se as pesquisas eleitorais não revelarem crescimento nos percentuais de preferência para Dilma. Como o próprio primeiro-companheiro já declarou, as questões do Senado resolvem-se no Senado.
Faz-de-conta
Pelo menos uma reforma de vulto poderia ser adotada de imediato pelo Senado, na tentativa de refluir a péssima imagem da instituição junto à opinião pública. Bastaria colocar em votação no plenário projeto de lei já aprovado nas comissões, acabando com o voto secreto em todas as decisões da casa. Trata-se de mudança fundamental, capaz de levar transparência aos trabalhos parlamentares. E de evitar malandragens tão comuns, de senadores declararem uma coisa nos microfones e digitarem teclas opostas, na hora da votação. Seria um bom começo nesse anunciado objetivo de recuperação do Congresso.
Se a moda pega…
Uma vez mais o MST ministra aulas de como não se fazer política. Concentrações monumentais, passeatas, comícios e sucedâneos são fundamentais para a luta pela reforma agrária. Nada contra. Essas manifestações demonstram a potência do movimento, uma das poucas novidades surgidas no país depois da redemocratização.
O que não dá para aceitar são as invasões de prédios públicos, como esta semana, em Brasília, no ministério da Fazenda. Ocuparam andares, acamparam nos saguões e até subiram nas marquises, abanando bandeiras e gritando slogans, impedindo funcionários de chegar às salas de trabalho. Foi violência mesmo, ainda que o cauteloso comportamento da polícia tivesse evitado conseqüências desastrosas.
Se for adotada a força como instrumento de realização de objetivos políticos, logo estaremos retroagindo aos tempos da ditadura. Já imaginaram pilotos da FAB invadindo o ministério da Defesa para exigir mais objetividade na compra dos novos aviões de caça? Ou universitários acampando no gabinete do ministro da Educação, impondo soluções no problema das quotas para minorias?