Carlos Chagas
Continua o PT no seu calvário, atravessando estações capazes de ultrapassar em número aquelas percorridas por Jesus. A última aconteceu no prédio do Senado, onde a anterior lá também se desenrolara. Depois de sua bancada decidir levar a José Sarney sugestão para licenciar-se por trinta dias da presidência da casa, os companheiros senadores tiveram de engolir a proposta, por força de um pito neles passado pelo presidente Lula. Meses antes, tendo lançado Tião Viana como candidato, fiados nas juras de Sarney de que não disputaria o cargo, os petistas assistiram o mesmo presidente Lula fazendo corpo mole, deixando de apoiar o indicado de seu partido com o ímpeto necessário.
Nem é preciso lembrar anteriores decepções do PT. Em vez de discutirem livremente quem o partido indicaria para a sucessão do ano que vem, seus líderes e suas bases precisaram deglutir Dilma Rousseff, imposta pelo presidente Lula. Antes, pleitearam eleger o presidente da Câmara, logo obrigados a aceitar Michel Temer em nome da aliança com o PMDB. Gostariam de apontar o sucessor de Antônio Palocci na Fazenda mas surpreenderam-se com a escolha de Guido Mantega. Frustraram-se com a permanência de Henrique Meirelles no Banco Central. Reclamaram do pouco empenho do presidente Lula em defesa do mandato de José Dirceu, afinal cassado no plenário da Câmara. Também resistiram à entrega de seis ministérios para o PMDB, como fizeram cara feia diante do veto do presidente Lula à proposta de todos os aposentados receberem reajuste salarial igual aos de salário mínimo. E vai por aí.
A próxima estação pela qual o PT passará carregando sua cruz abrangerá as sucessões estaduais. O grande companheiro exige que abram mão de disputar o governo dos nove estados onde o PMDB já ocupa o poder.
Em suma, senão imaginando o presidente Lula como Poncio Pilatos, muitos dirigentes do PT já se referem ao palácio do Planalto como a morada de Anás e Caifaz…
Benefício para todos
Pode ter sido coincidência, pode ter sido conseqüência, mas a crise que assola o Senado e o Congresso faz ressuscitar a abominável proposta da prorrogação dos mandatos por dois anos. Todos seriam beneficiados, até os governadores José Serra e Aécio Neves, para não falar no presidente Lula e em Dilma Rousseff.
O pretexto é a coincidência de eleições federais, estaduais e municipais, que se realizariam em 2012. Argumenta-se que o Supremo Tribunal Federal poderia considerar inconstitucional qualquer emenda à Constituição nesse sentido, mas há dúvidas. Primeiro porque o Congresso detém o poder constituinte derivado, utilizável em todos os postulados da carta de 1988 que não representem cláusulas pétreas. Depois, porque o presidente Lula já indicou sete dos onze ministros da mais alta corte nacional de justiça, parecendo próximo de indicar o oitavo.
Trabalho em surdina
Em plena efervescência da crise que redundou na decisão da Câmara de recomendar a cassação do mandato de Fernando Collor, houve um momento em que o jovem presidente acordou e resolveu resistir politicamente. Obteve o apoio de Thales Ramalho, velha raposa, e mobilizou sua assessoria parlamentar para obter apoio de deputados. Um auxiliar procurou um deputado por Minas Gerais, perguntando o que ele precisava para votar em favor de Collor, ouvindo em resposta que a liberação de vultosa verba para um hospital em sua região resolveria a questão. E indagou: “você garante a verba?” Escaldado, o auxiliar respondeu que garantia, mesmo, só o presidente poderia dar, convidando o deputado para ir ao palácio do Planalto conversar com Collor. Ele acabou não indo, encontrando-se depois com o assessor parlamentar, que cobrou a visita. A resposta foi surpreendente: “não precisa mais, a verba está garantida, o Hargreaves já prometeu…”
Hargreaves era um dos principais mentores do vice-presidente Itamar Franco, tornando-se chefe da Casa Civil depois do afastamento de Collor.
Uma geladeira nova
O senador José Sarney é conhecido por não cultivar inimigos, exceção às questões regionais no Maranhão e no Amapá. Ao longo de sua carreira, absorveu agravos e diatribes de toda espécie, jamais recusando transformar um adversário em aliado.
Há quem suponha estar sendo encerrado esse ciclo de boa vontade. Sarney teria ficado profundamente magoado com a atitude de certos senadores que julgava amigos fiéis e posicionaram-se pelo seu afastamento. Alguns, ex-companheiros dos tempos do finado PFL. Outros, colegas do PMDB e afins. Não se imagine o presidente do Senado acertando contas imediatas com eles ou, muito menos, negando-lhes pleitos administrativos. Mas parece que uma nova geladeira, maior e mais fria, foi encomendada para o seu gabinete. No congelador serão guardados os últimos acontecimentos.