Carlos Chagas
De vez em quando a gente tem a impresso de vivermos, todos, na Ilha dos Prazeres, aquela terra para onde a raposa esperta levava os meninos gazeteiros que fugiam da escola. S que dentro de poucos dias todos eles viravam burrinhos, com rabos e orelhas compridas, sendo em seguida vendidos no mercado. Nem o Pinquio livrou-se da maldio.
Com todo o respeito, mas o mesmo parece estar acontecendo com as testemunhas de defesa dos rus do mensalo, ouvidos por juzes singulares em cumprimento a determinao do Supremo Tribunal Federal. De Dilma Rousseff a Antnio Palocci e tantos outros, eles negam ter havido a maracutaia que assombrou o pas em meio ao primeiro mandato do Lula. No houve mensalo, tratou-se de regularizar gastos da campanha anterior, ningum no Congresso recebia quantias variadas, por ms, para votar com o governo…
Contando, ningum acredita, mas verdade. Os quarenta ladres chefiados por Delbio Soares e Marcos Valrio correm o risco de ser absolvidos na mais alta corte nacional de justia por conta desses depoimentos.
O ltimo a ser ouvido ser o presidente Lula, arrolado como testemunha por boa parte dos envolvidos no processo. O mensalo no existiu, foi coisa de oposicionistas mal-intencionados, o dinheiro sado dos cofres do Banco Rural e de outros bancos era uma fico…
Vamos aguardar para ver se o Grilo Falante, a conscincia do Pinquio, consegue dar um jeito no fim dessa fbula de horror, mas por onde andar o bichinho, agora que o palcio do Planalto anda em obras?
Fiscalizar, informar ou questionar?
Declarou o presidente Lula em entrevista Folha de S. Paulo que o dever da imprensa informar, jamais fiscalizar o governo, o Congresso ou as demais instituies nacionais. Para ele, j existem instrumentos fiscalizadores em profuso,como a Controladoria Geral da Repblica e o Tribunal de Contas. Novamente repetindo com todo o respeito, no nada disso. Porque ao informar corretamente, a imprensa fiscaliza e, mais do que isso, questiona. Essa evidncia foi explicitada por Alxis de Tocqueville ao escrever sobre a Amrica do Norte, depois endossada por Thomaz Jefferson. Para contrabalanar o poder absoluto que o recm-criado Congresso dos Estados Unidos dispunha, no podendo seus integrantes ser punidos ou sequer processados por tudo o que dissessem da tribuna, criou-se na legislao da ento jovem nao o princpio da ampla liberdade de expresso do pensamento por parte dos jornais da poca. Hoje, evidente, estendidos a toda a parafernlia miditica.
Exigir a punio e punir os excessos praticados atravs da imprensa dever do poder pblico e direito de todo particular que se sentir ofendido, mas, por conta disso, censurar ou limitar os veculos de comunicao equivale a distorcer princpios democrticos essenciais. Para ficar com Thomaz Jefferson, vale repetir suas consideraes finais: se fosse dado a mim dispor de um governo sem jornais ou de jornais sem governo, ficaria com a segunda hiptese.
Pelo jeito, o presidente Lula discorda at mesmo da Constituio de 88, que preceitua a total liberdade de expresso do pensamento. Apenas informar representa abrir mo de opinar, fiscalizar e questionar.
Aumenta a bola de neve
Cresce, no PMDB, a tendncia de suas bases e de muitas lideranas, a respeito de dever o maior partido nacional lanar candidato prprio sucesso presidencial do prximo ano. Depois do compromisso da sua direo de apoiar a candidatura Dilma Rousseff, do PT, levantam-se inmeras vozes em contrrio. Quem melhor definiu a situao foi o governador do Paran, Roberto Requio, para quem um partido fala por sua conveno nacional, devendo definir-se no em torno de nomes, mas de propostas e idias. Sem essas preliminares, tudo no passar de acertos em troca de favores futuros.
possvel que os caciques do PMDB venham a surpreender-se quando a marolinha tornar-se um tsunami capaz de varrer as alianas pouco claras celebradas nas madrugadas de Braslia, revelia dos diretrios estaduais, das bases e de boa parte das bancadas no Congresso. Pior ficar quando as alas rebeladas do partido divulgarem um plano de governo para o pas, texto j em elaborao.
Seria deposto?
Conta o senador Jos Sarney que ao assumir a presidncia da Repblica, em 1985, no tinha iluses a respeito da precariedade de seu governo. Afinal, exerceria o poder sem o respaldo de um partido forte, j que mesmo tendo ingressado no PMDB, vinha de uma dissidncia do PDS. Carecia de apoio das entidades sindicais, no dispunha de esquemas militares, faltavam-lhe o empresariado e a mdia. Tudo o que o dr. Ulysses Guimares dispunha ele no tinha. Poderia ter sido deposto em pouco tempo, como acontecido diversas vezes com outros, em nossa histria.
Imbudo da necessidade de consolidar a transio da ditadura para a democracia, voltou-se para a necessidade de reforar a rea social. Estendeu a todos os brasileiros os benefcios do sistema de sade, abrigou os trabalhadores rurais com aposentadorias da Previdncia Social, criou o sistema de distribuio de leite para as famlias carentes, multiplicou a merenda escolar e, em paralelo, levantou as restries formao dos partidos polticos, inclusive o Partido Comunista, determinou o fim de restries aos movimentos sociais, suspendeu os entraves liberdade de informao e, no campo econmico, lanou o Plano Cruzado, com o congelamento de preos. Chegou a decretar a moratria na dvida externa. Preservou os direitos trabalhistas e sociais, no privatizou empresas pblicas ligadas soberania nacional.
Perguntado sobre o seu maior erro, no tem dvidas em negar validade ao mote popular de que palavra de rei no volta atrs. Falhou, como diz, ao aceitar o Plano Cruzado Dois, que veio com a liberao dos preos. Por tudo isso, reivindica uma recordao na memria nacional, que lhe tem sido cruel nos tempos atuais.