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Toffoli recua e segue Gilmar para anular condenações
Rayssa Motta
Estadão
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), mudou o voto e concordou com a anulação de todas as provas e processos contra o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, na Operação Lava Jato, e com a revogação imediata de sua prisão.
Duque cumpre pena desde agosto de 2024 por corrupção, associação criminosa e lavagem de dinheiro. As condenações em diferentes processos somam mais de 39 anos e agora correm o risco de ser derrubadas pelo STF. A virada de posicionamento de Toffoli ocorreu no julgamento de um recurso do ex-diretor contra uma decisão do próprio ministro. A votação ocorre no plenário virtual da Segunda Turma.
RECURSO – Em setembro de 2024, Toffoli negou estender a Duque decisões que beneficiaram outros condenados da Lava Jato, o que motivou o recurso. A defesa pediu que o ministro reconsiderasse a própria decisão ou enviasse o processo para análise colegiada.
O julgamento no plenário virtual da Segunda Turma começou em outubro de 2024. Naquele momento, Toffoli manteve o posicionamento. O ministro justificou que a defesa de Renato Duque não apresentou argumentos suficientes para mudar a decisão.
“A irresignação não merece prosperar, porquanto o agravante não apresentou fundamentos aptos a modificar o entendimento anteriormente adotado. Com efeito, a decisão ora atacada não merece reforma, uma vez que seus fundamentos se harmonizam estritamente com o entendimento consolidado por esta Suprema Corte”, diz um trecho do voto.
EFEITOS DAS DECISÕES – A defesa busca para Renato Duque os efeitos de decisões de Toffoli a favor de réus – inclusive delatores – da Lava Jato. As liminares do ministro beneficiaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro Antônio Palocci, o doleiro Alberto Youssef, os empresários Marcelo Odebrecht, Raul Schmidt Felippe Júnior e Léo Pinheiro, réus confessos, o ex-governador paranaense Beto Richa (PSDB), entre outros, e vêm sendo referendadas na Segunda Turma do STF.
O julgamento do recurso do ex-diretor da Petrobras foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Gilmar Mendes, decano do STF, e só foi retomado na última sexta-feira, 31, após um ano suspenso. A votação fica aberta até o dia 10 de novembro.
Ao devolver o processo para julgamento, Gilmar Mendes divergiu. O decano defendeu a anulação de todos os atos processuais e decisões contra Renato Duque, tanto na fase pré-processual quanto no curso das ações penais que tramitaram na 13.ª Vara Federal de Curitiba, base da Lava Jato, sob a condução do ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná.
ABUSOS E FRAUDES – Gilmar afirma em seu voto que ficou comprovado um “contexto de abusos e fraudes processuais” contra Duque. “Trata-se de mais um réu que foi submetido, nas mesmas ações e processos, aos idênticos procedimentos ilegais, abusivos e corrosivos das garantias do devido processo legal, do juiz natural e da imparcialidade exigida em todo e qualquer julgamento”, defendeu.
O decano afirmou ainda que o ex-diretor foi descrito em denúncias da Lava Jato como “pessoa da estrita confiança de políticos” e, por causa desse vínculo, “passou a ser objeto das medidas abusivas descritas” que, na avaliação de Gilmar, “possuíam objetivos políticos claros e bem definidos por parte dos membros do Ministério Público e do Juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba”.
MUDANÇA – Diante da divergência, Toffoli decidiu mudar de posição. O ministro afirmou que reanalisou o caso após o voto-vista do colega e reajustou o próprio voto para acompanhá-lo “em seus fundamentos”.
“Superado o não provimento do agravo regimental em razão da dinâmica do julgamento no plenário virtual e analisando o caso após o voto-vista do ministro Gilmar Mendes, reajusto o voto por mim proferido a fim de reconhecer a extensão dos efeitos das decisões proferidas a partir da Rcl nº 43.007/DF, de modo a declarar nulidade de todos os atos praticados pelo ex-juiz Sérgio Moro e pelos integrantes do MPF/PR em desfavor de R.S.D no âmbito da operação Lava Jato”, escreveu Toffoli no voto reajustado.
Estão pendentes os votos de Luiz Fux, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. A Segunda Turma confirmou anulações da Lava Jato em outros pedidos recentes de extensão apresentados por réus da operação. A maioria tem sido formada com os votos de Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Nunes Marques. Recém-chegado à Segunda Turma, o ministro Luiz Fux não participou dos julgamentos anteriores.
RECUO – Os advogados de Duque embasaram o pedido de anulação em mensagens hackeadas da força-tarefa da Lava Jato, obtidas na Operação Spoofing, que prendeu os responsáveis pela invasão ao Telegram dos procuradores. A defesa afirma no recurso que foram adotados “expedientes extra oficiais” de investigação contra o ex-diretor e que a operação foi “instrumentalizada”.
Ao analisar o caso pela primeira vez, no ano passado, Toffoli considerou que os diálogos juntados pela defesa não revelaram “conluio direto” em relação a Duque. O ministro afirmou que a situação dele era diferente dos réus beneficiados anteriormente e que as conversas abordaram apenas a possibilidade de um acordo de colaboração premiada.
“Os diálogos transcritos na inicial entre o ex-magistrado e membros do Ministério Público não revelam conluio direto em relação ao ora requerente, residindo a causa da querela nos diálogos mantidos entre integrantes do Parquet com o objetivo de se obter o acordo de colaboração, matéria estranha aos precedentes invocados”, escreveu Toffoli na decisão monocrática, em setembro de 2024.
“QUE PAÍS É ESSE?” – Renato Duque foi preso pela primeira vez em novembro de 2014, quando a Operação Lava Jato começou a fechar cerco sobre o esquema de corrupção e loteamento de diretorias estratégicas da Petrobras. Na ocasião, ao ser surpreendido pela Polícia Federal, o então diretor ligou para seu advogado e protestou: “Que país é esse?” . Ele foi solto por ordem do STF em dezembro do mesmo ano.
Mais tarde, Duque juntou-se ao time daqueles que admitiram ter embolsado altas cifras repassadas por empresários contratados de sua diretoria por meio de contas abertas em nome de offshores em paraísos fiscais. Em março de 2015, o ex-diretor voltou a ser preso. Cinco anos depois, deixou o cárcere em decorrência da mudança de jurisprudência do STF sobre a prisão em segunda instância.
Ao todo, a força-tarefa ofereceu oito denúncias contra Renato Duque na esteira das investigações sobre o escândalo de corrupção da Petrobras. Ele está preso desde agosto de 2024 para cumprir condenações definitivas em que não há mais possibilidade de recursos. Se o STF anular as sentenças, o ex-diretor será solto.