Jorge Béja
O “caso Neymar”, gerado pelas acusações por parte de uma modelo, também brasileira, da prática de crime(s) que o jogador teria cometido contra ela, lá em Paris, cidade para onde a mulher viajou para ter encontros amorosos com o jogador, sugere a abordagem de duas questões que certamente são indagações que passam pela cabeça de muita gente. Seriam a polícia e a justiça brasileiras competentes para investigar e julgar crimes que teriam acontecido em Paris, segundo relata a mulher? Caso positivo, poderá haver condenação?
À primeira vista, não. As autoridades judiciárias e judiciais brasileiras não seriam competentes para agirem no caso. Isso por causa da chamada territorialidade. O Código Penal Brasileiro fixa a regra geral de que a justiça do lugar em que ocorreu o crime é que é a competente para julgar o criminoso que o cometeu.
NO LOCAL – Exemplo: para crimes cometidos na cidade (comarca) pernambucana de Exu, só ao juiz de Exu compete julgar, ainda que as partes envolvidas – vitima(s) e criminoso(s) – lá não residam. Se assim é instituído no âmbito do território nacional, com muito mais razão o mesmo raciocínio se aplica para crimes ocorridos fora do Brasil.
No entanto, o jogador e a modelo são brasileiros e ambos voltaram ao Brasil e hoje se encontram no território nacional. Aí a competência é das autoridades judiciária (polícia) e judicial (justiça) de nosso país. Isto porque o artigo 7º do Código Penal, ao tratar especificamente da “Extraterritorialidade”, determina que ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, entre outras hipóteses, os crimes praticados por brasileiros se o agente (acusado) entrar no território nacional. No “caso Neymar”, ambos, acusadora e acusado são brasileiros e voltaram ao Brasil. Logo, é juridicamente legal e possível que as autoridades brasileiras investiguem e julguem o caso.
DILIGÊNCIAS – Já no tocante às diligências investigativas e à possibilidade ou não de condenação, seja no campo cível da reparação do dano e no criminal, que são campos independentes, tudo será muito difícil. E demorado.
Apenas a título de mero exercício de raciocínio, a modelo não viajou a Paris para passear com o jogador. Mesmo tendo sido com a finalidade de ocasionais encontros amorosos em hotel – como está sendo contado, publicado e não desmentido –, a consensualidade dos parceiros não dá, principalmente ao homem, o “direito de propriedade” sobre a mulher.
Nem no casamento, o homem passaria a ser detentor de uma carta branca para o marido forçar a esposa ao ato sexual. Raciocinar contrariamente seria um regresso à escravidão.
DELEITE SEXUAL – Ainda que este “programa” internacional tenha sido para o deleite sexual de ambos, do jogador e da modelo, esta não perde a sua dignidade, os seus atributos da personalidade, o seu valor como pessoa humana, dotada de corpo e espírito.
Não será porque ela viajou a Paris só para “transar” que seu parceiro, mesmo que tenha ocorrido a hipótese de ter ele arcado com todos os custos e preço da empreitada, possa ele fazer da mulher o que bem entender.
Não, não pode. Nesta quarta-feira, o presidente Bolsonaro, referindo-se ao caso, disse mais ou menos assim: “Ela atravessou todo o oceano e agora… hoje à noite, depois do jogo, vou ao vestiário dar um abraço no Neymar…”. A fala presidencial foi bastante descuidada. E machista.
E AS PROVAS? –
Mas tudo dependerá de provas. Prova de que houve o tal “estupro”. Prova de que o jogador agrediu a modelo. E compete à modelo o dever de produzir a(s) prova(s), que podem ser de todas as espécies, testemunhal, documental, pericial, circunstancial…. Mas tudo muito difícil, em razão da distância e do tempo decorrido.
O ônus da prova cabe a quem acusa. E o processo penal não foi instituído para o acusado provar sua inocência, e sim para o acusador provar a autoria e culpa do acusado. Para terminar: é lamentável que neste nosso Brasil, em que tudo, rigorosamente tudo está em crise, tudo está destruído e o país precisando ser refundado, o “caso Neymar” venha sendo a pauta que ocupa o noticiário.