
A retórica inflamada de Eduardo tem erros técnicos grosseiros
Marcelo Copelli
Revista Fórum
O deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), numa estratégica tentativa de ocupar as manchetes dos noticiários e mobilizar as bases bolsonaristas, prometeu, em solo norte-americano e em tom de espetacularização, que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, seria alvo de sanções dos Estados Unidos, a serem aplicadas pelo governo Trump, entre o fim de maio e o início de junho. O prazo, como era previsível, não foi cumprido.
Eduardo justificou o afastamento de seu mandato por meio de um discurso ornamentado por questionáveis vestes diplomáticas, engajando-se em uma campanha junto a parlamentares republicanos e membros da extrema-direita americana para convencer o governo dos EUA a enquadrar Moraes na Lei Global Magnitsky — legislação que permite sanções unilaterais contra indivíduos acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos.
DESINFORMAÇÃO – Em tom de bravata, Eduardo Bolsonaro — que, quando mais jovem, fez intercâmbio “fritando hambúrguer no frio do Maine” — afirmou que Moraes “não poderia nem usar um cartão de crédito”, dramatizando o suposto alcance das sanções. O problema, contudo, é que essas declarações, além de juridicamente frágeis, beiram o terreno da desinformação deliberada — conhecido cenário em que trilha a única e desgastada linha de ação política que norteia e municia o seu clã familiar.
A Lei Magnitsky, sancionada nos Estados Unidos em 2016, foi criada para punir indivíduos responsáveis por violações sistemáticas de direitos humanos e atos de corrupção significativa. Sua aplicação, até hoje, esteve associada a regimes autoritários — como os da Rússia, Venezuela, China e Mianmar —, contextos em que perseguições, torturas, execuções extrajudiciais e censura institucionalizada são comprovadamente praticados.
A tentativa de aplicar essa legislação contra um ministro da Suprema Corte brasileira, com base em decisões judiciais amparadas pelo próprio sistema legal do país, representa um desvio gritante da finalidade da lei. No discurso de setores extremistas, porém, essa distorção é intencional, servindo para alimentar uma narrativa de perseguição e produzir falsas expectativas.
DETURPAÇÃO – Ao tratar Alexandre de Moraes como um “violador de direitos humanos” digno de sanção internacional, Eduardo Bolsonaro deturpa conceitos jurídicos e omite que o ministro tem atuado no combate a milícias digitais, à disseminação de desinformação e à tentativa de subversão institucional promovida por aliados do bolsonarismo.
As decisões de Moraes podem — e devem — ser analisadas no campo jurídico, dentro dos limites democráticos. O debate sobre a atuação do STF é legítimo. Porém, reduzi-las a violações de direitos humanos num cenário autoritário é uma falácia sem qualquer respaldo técnico.
Em entrevista ao Financial Times, Eduardo chegou a afirmar que havia “85% de chance” de as sanções se concretizarem — uma estimativa tão arbitrária quanto infundada, usada para animar seus correligionários com a sensação pueril de uma vitória no campo internacional.
USO POLÍTICO – A retórica inflamada vem acompanhada de erros técnicos grosseiros, e o uso político da Lei Magnitsky por Eduardo Bolsonaro revela, mais uma vez, uma tentativa de instrumentalizar a diplomacia americana para atacar instituições brasileiras. A ironia é que o mesmo grupo que costuma defender a soberania nacional e a não interferência estrangeira agora clama por intervenção externa para resolver disputas internas de poder.
O gesto não é apenas contraditório, mas perigosamente corrosivo. Ao internacionalizar um conflito institucional brasileiro, Eduardo Bolsonaro tenta legitimar a retórica antidemocrática que vem sendo usada desde a derrota eleitoral de 2022. A aposta é clara: gerar constrangimento ao STF, enfraquecer a imagem institucional do Brasil e manter acesa a chama do bolsonarismo internacionalizado, sobretudo junto à ala trumpista nos Estados Unidos.
No fundo, trata-se de mais um capítulo da já conhecida política do espetáculo: manchetes ruidosas, promessas fantasiosas e nenhum resultado concreto. Enquanto isso, a desinformação continua sendo alimentada, viciando o debate público e criando tensões artificiais entre poderes, entre nações e entre brasileiros. A democracia, por sua vez, segue sendo testada — e, por enquanto, resistindo.