O terror não precisa vencer o inimigo, basta humilhá-lo pela impotência e pelo desespero

Palestino carrega corpo de criança morta em ataque aéreo israelense contra Khan Yunis no sul da Faixa de Gaza

Palestino carrega criança morta durante um ataque israelense

Dorrit Harazim
O Globo

Em tempos de precipício, alguma clareza ajuda: não pode haver espaço para relativizar a barbárie do terrorismo islâmico. Ela é absoluta e implacável. Nosso compasso humano não precisa saber se os bebês judeus foram degolados, carbonizados ou fuzilados pelos atacantes para nos situar como humanos.

De início, a matança espetaculosa desencadeada pelo Hamas contra Israel na manhã do último dia 7 não conseguiu desencadear uma guerra com mais atores. Foi, essencialmente, um atentado terrorista de crueldade máxima contra o maior número possível de judeus.

OBJETIVO ALCANÇADO – Planejado e executado com ferocidade calculada pelo Hamas (acrônimo, em árabe, de Movimento de Resistência Islâmica, a entidade controladora dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza), o ataque conseguiu o que pretendia: aterrorizar os civis, humilhar os militares e atrair as Forças Armadas do governo de Benjamin Netanyahu para o ardil de uma invasão ao enclave palestino.

Os 36 artigos da fundação do Hamas, criado em 1987, a que foram acrescidos outros 42 elaborados em 2017, deixam tudo às claras, por escrito — a necessidade de obliteração total de Israel, o estabelecimento de um Estado palestino teocrático do Mar Mediterrâneo até o Rio Jordão, a proibição de qualquer negociação, iniciativa internacional ou proposta de acordo, a purificação de crianças pela sharia, a conformidade obrigatória à lei islâmica da idealizada nação. O futuro e solução para o povo palestino seria um só, a qualquer preço: a jihad, guerra santa.

O poder do terror reside em fazer crer que é capaz do impossível. É a propaganda por meio do ato, a pedagogia por meio do assassinato — a propaganda e o produto.

SEM CONQUISTAS – Não precisa sequer vencer o inimigo, basta humilhá-lo por meio do horror, impotência e desespero que gera. É comum grupos terroristas não terem pátria nem precisarem de conquistas territoriais para se sentir vitoriosos.

Em 2001, os 19 jihadistas da Al-Qaeda que sequestraram quatro aviões comerciais, derrubaram as Torres Gêmeas, deixaram Nova York e Washington de joelhos e causaram a morte de mais de 3 mil civis aleatórios em pouco mais de uma hora não conquistaram 1 centímetro de terra. Não era seu propósito.

Tampouco imaginaram conseguir afundar o governo de George W. Bush e a sociedade americana em duas décadas de guerras de retaliação — ambas equivocadas, invencíveis e ruinosas, ambas com gritantes violações do Direito internacional. E ambas com crimes de guerra comparáveis aos atos do terror.

MANUAL DA GUERRA – Sim, também guerras têm um manual de regras. Ele vem sendo aperfeiçoado e frequentemente violado depois de cada conflito mundial. O recurso a armas químicas, o sequestro de civis, o genocídio, a execução de prisioneiros civis ou militares, ataques a populações não combatentes constituem alguns dos crimes de guerra ou contra a humanidade acordados pelas nações. Que não se aplicam a grupos terroristas, justamente por estarem fora de qualquer lei.

Mas o Hamas parece ter calculado com assustadora precisão como arrastar as Forças de Defesa de Israel, as temidas e invencíveis FDI, para o pântano de uma guerra suja em vielas espremidas de Gaza. Fez mais de uma centena de reféns entre jovens, crianças, famílias inteiras, idosos civis e militares, e os entocou no enclave para usá-los como escudo humano e abominável trunfo. Ainda é difícil saber o objetivo final do Hamas para além da matança-surpresa.

É fácil, em contrapartida, imaginar a prioridade para Israel: a erradicação, a qualquer custo, da capacidade tentacular do grupo extremista. Primeiro foi cortado o suprimento de água, luz, comida e possibilidade de vida à população de Gaza, sublinhada por dias e noites de bombardeios ferozes.

O ULTIMATO – Na sexta-feira, o ultimato para que 1,1 milhão de palestinos do Norte abandonassem tudo e fugissem para o Sul prenunciava o pior. O resgate dos reféns, a possibilidade de um corredor humanitário, o destino de estrangeiros sem porta de escape daquela terra condenada — era tudo incerteza. Cinquenta anos atrás, uma colossal ofensiva militar da Síria e do Egito também pegou Israel de surpresa. Foram 19 dias de combates ferozes que transformaram a cena política do país e da região. Golda Meir, chefe do governo trabalhista que erguera Israel das cinzas do Holocausto, renunciou ao cargo por não ter prevenido o duplo assalto. Deixou aos inimigos uma das frases mais profundas e amargas da História:

— Eu não os odeio por terem matado nossas crianças. Eu os odeio por terem me levado a matar as vossas crianças.

A causa palestina de um Estado independente, laico e de convívio com Israel precisa ser possível, precisa ser viável. Não é mais possível desviar o olhar do que está à nossa frente: um povo em busca de existência.

4 thoughts on “O terror não precisa vencer o inimigo, basta humilhá-lo pela impotência e pelo desespero

  1. Está passando da hora do Loola e do Xandão mandar nossos terroristas do oito de janeiro para invadir Gaza e aterrorizar o Hamas
    A esquerda brasileira entraria num frenesi e poderia ter o tal orgasmo trifásico como o relatado pelo Millor Fernandes

  2. Não como não concordar com a exposição feita pela brilhante e sempre incisiva articulista, mas é necessário que se tenha em mente o que chamo de terrorismo urbano diário. Pessoas inescrupulosas, que por algum motivo tiveram ou têm acesso a “certos equipamentos” de inteligência, fazem uso dos mesmos para sua satisfação pessoal, englobando aí sexo, vantagens financeiras, com a prática contínua de extorsão/chantagem. Sei do que estou falando por ser um alvo e tem bom tempo….

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