Bruno Boghossian
Folha
Javier Milei representa uma espécie peculiar, mas sua eleição é uma prova de que o populismo de extrema direita se consolidou como um dos atores centrais do ciclo político atual. A ultradireita usa a mesma cartilha há uma década.
Milei mostrou que políticos tradicionais ainda são incapazes de reagir às condições econômicas e sociais que favorecem essa plataforma, baseada em promessas de ruptura, planos milagrosos, uma comunicação agressiva e a demolição de identidades partidárias.
NOVO POPULISMO – Além da ira contra o governismo e a crise inflacionária, Milei prosperou especialmente nos redutos econômicos do novo populismo de direita. Estima-se que ele tenha obtido mais de 60% dos votos entre trabalhadores autônomos e uma vantagem larga entre empregados do comércio e do setor de serviços.
Em certos grupos, Milei se aproveitou de um sentimento vago de autossuficiência e de rejeição à proteção do Estado — o que se refletiu também na influência reduzida dos sindicatos peronistas na votação. Com variações de tom, seguiu a retórica da extrema direita de que um governo grande só existe para distribuir e preservar privilégios.
A fúria contra essa máquina justificou um voto econômico em Milei, mas também alimentou bandeiras antidemocráticas e repressivas. Para o populismo de extrema direita, o fim da captura do Estado depende de uma reação violenta.
NOVA IDENTIDADE – A ideia de disrupção ainda seduziu eleitores anteriormente afiliados a agentes de um campo político próximo. Milei criou uma nova identidade que desbancou com facilidade a direita tradicional. No segundo turno, ele herdou mais de 80% dos votos de Patricia Bullrich.
Os capitães da velha direita, aliás, impulsionaram um processo acelerado de normalização de Milei. Políticos, investidores e outros observadores passaram a tratar o presidente eleito como um sujeito diferente do candidato que vociferava na campanha.
Como tantos outros populistas de direita, “El Loco” recebeu um voto de confiança em tempo recorde.