Ingrid Soares
Correio Braziliense
Ao longo de 2023, o presidente Lula da Silva realizou uma série de viagens internacionais. No total, o chefe do Executivo visitou 24 países. Ao mesmo tempo em que conseguiu retomar a diplomacia brasileira, colecionou declarações polêmicas e discursos ambíguos que geraram desgastes nas relações internacionais e locais.
No último dia 5, ao ser criticado pela quantidade de dias fora do país, Lula disse que era preciso recuperar a imagem do Brasil no exterior e destacou que o país voltou a ser respeitado. “Eu tenho combinado viagens aqui dentro com viagens para o exterior porque é importante recuperar a capacidade do mercado interno brasileiro, e o Brasil estava alijado da política internacional”, explicou.
CONTROVÉRSIAS – Em várias oportunidades, porém, Lula deu declarações que contrastaram com a posição histórica de neutralidade defendida pelo Brasil em questões diplomáticas. Em abril, esteve na China, onde afirmou que a ajuda ocidental à Ucrânia estaria prolongando e incentivando a guerra.
A posição foi interpretada como um apoio a Vladimir Putin e uma oposição a Washington, gerando reações negativas por parte dos Estados Unidos e da União Europeia. Um porta-voz do governo americano chegou a dizer que Lula estava “papagueando propaganda russa e chinesa”.
Na mesma viagem, Lula sugeriu que a Ucrânia cedesse parte de seu território para uma eventual negociação de paz e afirmou que tanto o líder ucraniano, Volodymyr Zelenski, como o presidente russo, Vladimir Putin, tinham responsabilidade pelo conflito.
TEVE DE RECUAR – Também em abril, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, voltou a dizer que a guerra foi uma decisão tomada pelos dois países. Mas colocar a culpa na nação invadida foi um erro que ele mesmo teve que recuar depois. Não trouxe nenhuma vantagem e mostrou amadorismo.
“Defender o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro também constrange o presidente Lula tanto internamente quanto nos foros internacionais. Todas essas polêmicas foram totalmente dispensáveis, já que, no geral, a saída de Bolsonaro foi bem recebida pela comunidade internacional”, diz Wagner Parente, consultor em relações internacionais da BMJ Consultores Associados.
Em maio passado, na Cúpula de Chefes de Estado da América do Sul, em Brasília, Lula considerou a presença do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como um momento “histórico” e chamou de “narrativa” a visão de o país vizinho ser uma ditadura. Por isso, foi criticado pela oposição e por outros chefes de estado, como os presidentes de Uruguai e Chile, Luis Alberto Lacalle Pou e Gabriel Boric, respectivamente.
ATITUDE AMBÍGUA – Para o diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, “a recepção dessas ideias no G7 de Hiroshima foi a pior possível, e um esperado encontro com o presidente Zelensky foi sorrateiramente evitado”.
Ele avalia que a atitude ambígua do chefe de Estado brasileiro prevaleceu no novo foco de tensão criado pela Venezuela, que ameaçou invadir a vizinha Guiana. Lula recomendou “bom-senso” aos dois lados, como se fossem equivalentes.
“Trata-se de um padrão costumeiro do lulopetismo: os aliados ideológicos podem atentar contra os direitos humanos, o que não é permitido aos ocidentais”, disse Almeida.
EMBATE COM MACRON – Em meio à principal agenda, da COP28, tentou concluir o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, sem sucesso. No evento, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse ser contra o acordo de livre comércio — chamado por ele de antiquado e “mal remendado”.
“Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade”, retrucou Lula, que depois, já no Brasil, disse ser “um sonho” ver, em sua presidência, o acordo chegar a bom termo.
Neste ano, o presidente promete viajar mais pelo Brasil, mas já programou visitas à Etiópia, para participar da reunião de cúpula da União Africana, e à Guiana, para a conferência do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (Caricom).
DOIS DESAFIOS – Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior e ex-embaixador em Londres e em Washington, Rubens Barbosa ressalta que Lula perseguiu prioridades como a volta do Brasil ao cenário internacional, meio ambiente e integração da América do Sul.
“Conseguiu trazer a COP para Belém, o G20 e o Brics, porém, deu declarações equivocadas, como quando disse que Zelensky era tão responsável quanto Putin pela guerra. A segunda prioridade foi a mais bem-sucedida, com mudanças internas em relação à Amazônia, os compromissos do Brasil no tocante ao desmatamento, às emissões de gás de efeito estufa, à convocação da reunião do Tratado de Cooperação Amazônica e participação positiva nas COPs. Com relação à América do Sul, convocou, depois de mais de 20 anos, reunião de cúpula com os presidentes, mas escorregou no tratamento a Maduro”, observou.
“Lula enfrenta agora dois grandes desafios: a relação com o presidente da Argentina, Javier Milei, e a disputa entre Venezuela e Guiana pelo território de Essequibo, na fronteira norte do Brasil”, concluiu Rubens Barbosa.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O problema é que Lula se considera o maior estadista mundial e fala demais, em ocasiões impróprias. Como diz o antigo ditado, quem fala demais dá bom dia para cavalo. É mais ou menos por aí a inserção de Lula na política internacional. (C.N.)