Instituições parecem funcionar, mas o resultado desse fingimento é negativo

Nani Humor: MILITARES

Charge do Nani (nanihumor.com)

Merval Pereira
O Globo

As instituições brasileiras estão realmente funcionando, como gostamos de dizer, diante das inúmeras crises institucionais que enfrentamos nos últimos anos? Aparentemente, sim, mas com distorções que a qualquer momento cobrarão seu preço. Vivemos uma espécie de democracia do tipo jabuticaba brasilienses, que só com muita boa vontade parte de nós, brasileiros, compreende.

Ponto delicadíssimo desse simulacro de democracia é a participação dos militares na tentativa de golpe. Louvam-se as Forças Armadas porque não aderiram, exige-se a condenação dos que aderiram, mas esquecemos de que as omissões de oficiais graduados, não denunciando os que conspiravam, e permitindo o acampamento de golpistas em frente aos quartéis pelo país, tudo faz parte do mesmo corporativismo nocivo às instituições brasileiras.

SINAIS TROCADOS – Todos os ministros que estavam naquela reunião revelada em vídeo oficial e não pediram demissão, militares ou não, são igualmente culpados. Os sinais trocados vêm de muito tempo, não é de agora, e poderão ser trocados novamente, de acordo com os ventos políticos. Só essa possibilidade já demonstra que não vivemos em uma democracia genuína, mas em um simulacro de democracia, que serve aos que estão momentaneamente no poder.

A democracia representativa depende do equilíbrio entre os Poderes, cada um autônomo e independentes entre si. No Brasil atual, nada disso acontece. Cada um dos Poderes trata de suas prioridades, colocando-as acima das questões nacionais. É verdade que o orçamento não é do Executivo, como disse o presidente da Câmara Arthur Lira.

Mas, no presidencialismo, é o Executivo que dá as diretrizes gerais do governo, não cabendo ao Legislativo decidir para onde vão as verbas. Precisam adaptar as necessidades de seus redutos eleitorais ao planejamento central, ou convencer o Executivo a incluir suas prioridades nos planos do governo.

CLARA DISTORÇÃO – O Poder Executivo, para se proteger do assédio econômico do Legislativo faminto por verbas, se aproxima do Supremo Tribunal Federal (STF) em busca de apoio institucional, o que evidencia uma distorção do papel do Judiciário.

Assim como em outras ocasiões, o Supremo atua politicamente, dependendo de onde os ventos sopram. Lula acabou na prisão acusando a Justiça de estar atuando politicamente para impedi-lo de disputar a eleição presidencial de 2018 que teoricamente venceria, segundo pesquisas de opinião.

Como se sabe, pesquisa que vale é voto na urna, mesmo que Bolsonaro não goste disso. Por sinal, ele acabará no mesmo destino de seu malvado preferido, a cadeia, acusando o governo de perseguição.

IGUAL A LULA – Mas, como esse país não é para amadores, Bolsonaro  tem a chance de conseguir sair da prisão mais adiante, e se eleger novamente presidente da República. Isso porque a volubilidade de nosso Supremo pode ter as consequências mais imprevisíveis, agora já nem tanto.

Até o final do governo, Lula não nomeará nenhum outro ministro, a não ser que um deles queira sair antes do prazo. O próximo presidente nomeará três ou dois ministros. Se for do grupo representativo da direita, poderá fazer a maioria do plenário.

O que o ministro Dias Toffoli está fazendo para se reaproximar de Lula, seu protetor que se sentiu traído pelo protegido quando este tentou exercer a soberania polêmica que a toga lhe conferiu, é exemplar de um poder que deveria ser o equilíbrio republicano e acabou se perdendo em disputas políticas internas e externas.

PAPEL DO SUPREMO – Durante o julgamento do mensalão, houve uma discussão no plenário do STF sobre o papel da instituição, que deveria ser o de defender a Constituição e acabou sendo tragada pelos julgamentos criminais envolvendo autoridades com foro privilegiado.

O hoje presidente do STF ministro Luís Roberto Barroso propôs, lá pelas tantas, que fosse criado um tribunal especial para tratar dos crimes de autoridades, ficando o Supremo apenas com o controle constitucional.

Foi rebatido candidamente, por diversos ministros, que alegavam que assim o tal Tribunal Especial teria mais poderes que o próprio Supremo. Por que isso? Porque o poder do Supremo hoje está não na sua autoridade moral e legal, na sua respeitabilidade, mas no seu poder de soltar ou prender autoridades.

A PRESSÃO CONTINUA – Com essa prerrogativa, o Supremo sem dúvida teve um papel fundamental na defesa da democracia brasileira, que teria sido engolida pelo autoritarismo se encontrasse pela frente uma Corte invertebrada, disposta a entregar-se ao poder do momento.

Um exemplo de como no Brasil nossa democracia está distorcida é a atuação do ministro Alexandre de Moraes à frente de inquéritos sobre ataques ao Estado de Direito e fake news.

Nascido de maneira irregular, quando Alexandre de Moraes foi designado relator sem sorteio pelo então presidente Dias Toffoli, o inquérito foi se estendendo, e hoje qualquer ação que pareça vagamente similar ao original tem o ministro Moraes como prevento. Isso lhe dá um poder excessivo, até mesmo de tomar medidas monocráticas que praticamente nunca vão à chancela do plenário.

EXCESSOS E EXOTISMOS – Ao lado de claros excessos, condenados no que tange à Operação Lava-Jato, mas aceitos no momento atual, há evidentes vitórias no desvelamento do roteiro do golpe de Estado que o então presidente da República, de maneira nojenta, orquestrou.

Assim como na época da Lava-Jato, consideravam-se aceitáveis desvios depois revelados por quebra ilegal de sigilo de procuradores e do juiz Sergio Moro, hoje as evidentes provas de golpe de Estado também são justificativas para uma aceitação de métodos inortodoxos de ação jurídica.

Uma demonstração de como os ventos mudam, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, destacou-se na defesa da Operação Lava-Jato, classificou de “cleptocracia” o então governo Lula, rompeu com ele quando tentou adiar o julgamento do mensalão. Hoje, é o maior adversário da Lava-Jato, e voltou às boas com o presidente Lula.

MAIS CONTRADIÇÕES – Os mesmos ministros que negaram habeas corpus para soltar o então ex-presidente mudaram seus votos, muitos baseados na espionagem ilegal do hacker de Guaratinguetá.

O poder político dá a ministros do Supremo o direito de destruir de diversas maneiras a Operação Lava-Jato, a tal ponto que todos os condenados, ladrões confessos, estejam, de uma maneira ou outra, livres de suas penas, e as empresas corruptoras estejam recebendo de volta o dinheiro que roubaram dos cofres públicos.

A maior prova de que o poder excessivo provoca ações sem controles, especialmente quando partem da mais alta Corte de Justiça do país, é a vingança contra a Transparência Internacional, que criticou as decisões de Toffoli de suspender ou anular multas milionárias de empresas corruptoras. Não há outra maneira de definir essa decisão, sobre uma acusação já anulada pelo Ministério Público.

JUSTIFICA TUDO – A política corrosiva de Bolsonaro, sabidamente conhecida de todos os que têm verdadeiros sonhos republicanos, justifica aparentemente a união do Supremo com o Executivo, que anda pressionado de maneira ilegítima pelo Congresso conservador, em boa parte bolsonarista, que impede o governo de governar na direção que lhe parece a melhor, embora a oposição tenha direito de discordar.

Não é possível, porém, impor às diretrizes governamentais seus próprios desejos, assim como não pode o Executivo tentar alterar decisões já tomadas pelo Legislativo. Não é papel do Supremo desempatar essa disputa política, a não ser que ela fira a Constituição.

Como se vê, os três Poderes estão em conflito entre si. O presidente Lula está tentando superar esses obstáculos impostos pelo Congresso com uma aproximação dos governadores, mesmo os de oposição. Esse é o caminho político correto. Os outros levam a uma corrosão da democracia. As instituições parecem funcionar, mas o resultado desse simulacro pode ser desastroso.

8 thoughts on “Instituições parecem funcionar, mas o resultado desse fingimento é negativo

  1. Da série surrealismo Brasileiro:

    O último ministro da Defesa de Bolsonaro, o general Paulo Sérgio Nogueira, confessou na fatídica reunião no Planalto, dia 05 de julho de 2022, que a comissão de oficiais do Exército, enviada para inspecionar a integridade das Urnas Eletrônicas, eram para inglês ver. Sabiam da eficiência do sistema, criado pelos próprios militares, na década de 90.
    E mais, o Ministro se reunia no ministério, confessado por ele mesmo para trazer oficiais superiores para o lado do chefe.
    Jamais saberíamos desses detalhes escabrosos, se o próprio Bolsonaro não tivesse dado a ordem para gravar tudo. Acho, que ele nunca imaginou, que a cópia do vídeo ficou escondida no computador do coronel Mauro Cid, que fez delação premiada e expôs a trama golpista, que qualquer cidadão pode assistir nos vídeos disponíveis no YouTube e nos jornais virtuais por todo o país.

    A imagem de um ser, que joga nas quatro linhas, subiu no telhado. O juiz, jogou tudo para o alto, expulsando o VAR e decidindo monocraticamente.

  2. “A imagem de um ser, que joga nas quatro linhas, subiu no telhado. O juiz, jogou tudo para o alto, expulsando o VAR e decidindo monocraticamente.”

    Palmas!
    Aplaudo de pé!

    Abs.

    José Luis

    • Espectro, estou muito preocupado. Acho que estou escrevendo demais. Você crê, que tenho que tomar cuidado?
      Sabe como é o nosso país. As altas autoridades não gostam de críticas.
      Agradeço aos céus, a todos os santos e ao criador, que o Golpe fracassou.

      Perderia esse prazer, de escrever e ler os comentários dos tribunários e os antigos postados pelo editor Carlos Newton.

      O Signo da Liberdade segue na Comissão
      de Frente, da Democracia.

  3. Paulo Sérgio, o general, foi duas vezes na Câmara e no Senado, entre a reunião do dia 05 de julho e o dia 14 de julho de 2022, pressionar os deputados e senadores, de que tinha que ter uma apuração paralela comandada por ele, por desconfiarem das Urnas Eletrônicas.
    Não foi sozinho. Se fez acompanhar dos três comandantes das Forças Armadas: Brigadeiro Carlos Batista, general Gomes Freire e almirante Almir Garnier, todos fardados e exibindo suas medalhas.
    O Parlamento não entrou nessa farsa. Uma deputada, questionou o ministro, se esse era o papel das Forças Armadas? Disse que se recusava a discutir com militares, temas destinados a Câmara e o Senado.
    Bem feito. Nada conseguiu.

    Insatisfeito, por não ter cumprido a missão do chefe, passou a enviar cartas toda manhã, para o presidente do TSE, ministro Edson Fackin, com perguntas absurdas, que eram respondidas a tarde por Fackin, um magistrado profundamente educado.

  4. Não, Sr. Roberto,
    Não corre risco nenhum.
    Ainda podemos escrever, falar e respirar.

    Todos os que tem bom senso sabem que, se o lado obscuro, fosse vitorioso, nem a fantástica TI existiria mais.

    Portanto, respire fundo, e continue com o seu prazer e alegria de escrever, seus comentários e artigos, são um colírio para os meus olhos e a maioria dos tribunários.

    E vamos em frente, como sempre fala o nosso comandante, Sr. Carlos Newton.

    O cheiro de enxofre, já foi dissipado.
    Não corremos mais o risco de sermos fuzilados.

    Um abraço,
    José Luis

    • Obrigado José Luis. Esse estupendo incentivo para continuar na luta, era tudo que eu esperava.

      Vamos em frente, analisando os fatos importantes para o país. Criticar não significa julgar nem condenar ninguém, isso cabe ao Poder Judiciário.

      Tudo vale a pena, quanto a alma não é pequena.

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