Hamás foi o primeiro a aplaudir a fala de Lula, o que deveria envergonhá-lo

Frases da Semana: “O que há em Gaza existiu quando Hitler matou judeu”

A capacidade de Lula dizer idiotices é impressionante

Demétrio Magnoli
Folha

Lula inscreveu-se – e inscreveu o Brasil – no discurso do antissemitismo. Mauro Vieira e Celso Amorim tentam convencer-nos de que falou por falar, quase de brincadeira. Tornamo-nos ridículos e, ao mesmo tempo, indecentes.

O antissemitismo contemporâneo divide-se em duas etapas, separadas pela fundação de Israel. Antes dela, sua senha era a dos Protocolos dos Sábios do Sião: os judeus organizam uma conspiração multigeracional para dominar o mundo, a partir do controle sobre o sistema financeiro. Essa conversa não acabou, mas reduziu-se a um ruído de fundo. Depois da fundação do Estado judeu, a senha clássica do antissemitismo é a repetida por Lula.

IMITANDO HITLER – A senha clássica é que o Estado judeu imita Hitler. Finalidade política da mensagem: lançar sobre Israel a maldição da ilegitimidade. Assim como o Reich nazista precisava ser eliminado, Israel deve desaparecer.

Os Estados, quase sem exceção, deixam no seu caminho um rastro de violências. O que a Austrália fez com os aborígenes? Os EUA ou o Brasil com os indígenas? A França com os cátaros? O Zimbábue com os ndebele? Singularizar Israel, pela via da identificação com o nazismo, o mal absoluto, nada tem a ver com indignação moral.

O nome do procedimento é antissemitismo, que emerge em retóricas explícitas (é dever dos árabes exterminar todos os judeus, segundo a Carta do Hamas) ou disfarçadas (“sou antissionista, não antissemita”). O Hamas foi o primeiro a aplaudir a declaração de Lula, o que deveria envergonhá-lo.

PARALELO IGNÓBIL – Lula forneceu um cilindro de oxigênio a Netanyahu, propiciando-lhe expressar a repulsa de todos os judeus, em Israel e fora dele, ao paralelo ignóbil. Ofereceu um discurso ao bolsonarismo, no exato momento em que a Justiça o encurrala.

Esvaziou nossa diplomacia de credibilidade. Tornou letra morta nossas necessárias condenações dos abusos e crimes contra civis palestinos cometidos por Israel na sua guerra contra o Hamas: afinal, quem liga para o discurso de santarrões antissemitas?

Nesse caso, porém, isso tudo é irrelevante, porque concerne ao cálculo pragmático de perdas e ganhos. O verdadeiramente trágico é o que a declaração de Lula fala sobre nós, como nação. Nós – como nação – somos capazes de brincar de antissemitismo. Somos obscenos, portanto.

NÃO LEVA A SÉRIO – Por que uso a palavra “brincar”? Porque Lula não parece levar a sério o que diz.

Se, como afirmou, Israel age com os palestinos da mesma forma que Hitler agiu com os judeus, o mínimo que se precisa fazer é romper relações diplomáticas com o Estado devotado a reeditar o Holocausto. E isso como intróito a um chamado às nações civilizadas para uma guerra total contra o novo Hitler. Mas Lula não pensava em nada desse tipo. Pretendia, exclusivamente, fazer barulho –e surpreendeu-se com a reação de Israel.

“Oh, horror!, Israel humilhou nosso embaixador”, segundo o pobre Vieira. “Não passam de amadores diplomáticos, esses israelenses que escalam a crise”, segundo Amorim, um profissional da diplomacia ideológica.

SEM PROTESTAR – Por que eles fazem tempestade no copo d’água de uma equivalência inocente entre o Estado judeu e o Estado que aniquilou os judeus? Por que não retrucaram com uma notinha anódina de protesto?

De fato, um e outro imploram, quase de joelhos, que não se leve a sério as palavras de Lula. Vida que segue, entre países amigos, o Brasil democrático e o Reich israelense – eis a mensagem dos dois foliões que comandam nossa diplomacia. O Itamaraty, mal recuperado do vandalismo bolsonarista, afunda novamente sob o peso do vandalismo lulista.

“Mantenha sua posição”, aconselhou Amorim a Lula, afastando a hipótese de retratação. Note-se, aí, que o conselheiro não qualificou a declaração do presidente como verdadeira. A “posição” deve ser mantida por uma curiosa razão de honra pessoal – e às custas de enlamear o país inteiro. É que, para eles, a verdade não importa.

3 thoughts on “Hamás foi o primeiro a aplaudir a fala de Lula, o que deveria envergonhá-lo

  1. Personal,

    Leia está avaliaçao e pensé de forma séria, sem preconceito ou viralatismo:

    “As imagens falam por si. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebendo, em dois dias seguidos, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, e o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, dois dos países de maior peso geopolítico do planeta.

    Não foram visitas de cortesia, como as que se fazem habitualmente entre representantes de nações amigas, mas reuniões de trabalho, negociações intensas, com interlocutores dotados de autoridade e autonomia. Discutiram-se em detalhes os processos dos dois graves conflitos do momento: o genocídio realizado por Israel na Faixa de Gaza e o conflito na Ucrânia, que completa dois anos.

    Lula acabava de voltar de viagem ao Egito e à cúpula da 37ª Cúpula da União Africana, onde foi o único participante de fora do continente convidado a discursar.

    Foi no âmbito dessa reunião, em Adis Abeba, que Lula fez a já histórica declaração que colocou o país em posição de vanguarda mundial na crítica ao morticínio genocida realizado por Israel na Faixa de Gaza.

    Lula teve a coragem e o descortínio de denunciar o massacre de inocentes da Faixa de Gaza. Mencionou, criticando sofrimentos sofridos pelos judeus sob a máquina de morte nazista durante a Segunda Guerra. Verbalizou a indagação que tantos se fazem silenciosamente: como um povo que sofreu tanto é capaz de infligir tanto sofrimento a outro?

    O fato de a reação de Israel ter sido tão imediata, destemperada e baixa atesta a precisão cirúrgica da manifestação do mandatário brasileiro. Lula colheu apoios internacionais abertos junto a silêncios de solidariedade eloquente. A diplomacia brasileira reagiu e repeliu o extremismo israelense. Mesmo Blinken, apesar de se opor, teve que reconhecer a legitimidade e a soberania da posição brasileira. A reunião amistosa, a cautela presente em sua manifestação de discordância em relação a Lula decorrem do reconhecimento irrecusável do peso do Brasil no cenário geopolítico.

    Respeito, aliás, obtido apesar da oposição vexaminosa das elites brasileiras e de seus veículos jornalísticos, contrários a qualquer posicionamento brasileiro que se desvie do evangelho emanado da potência hegemônica, os Estados Unidos, e de seu satélite extremista, Israel.

    A cobertura dessa mídia propiciou um constrangedor espetáculo de sabujice ao império. Terminou desconcertada e humilhada quando seu sol supremo, o Departamento de Estado, em torno do qual ela gravita, viu legitimidade na posição de Lula.

    O Brasil assumiu assim a liderança mais explícita, fora do mundo árabe, da repulsa ao “suplício televisionado” imposto aos palestinos pelo regime israelense.

    Falando com sinceridade e sem medo, Lula despiu o tabu da invulnerabilidade israelense.

    Não se pode ignorar que o jogo cada vez mais sério que o Brasil desempenha na arena mundial se dá num contexto de câmbios agudos na correlação de forças, o que atravessa os conflitos na Europa e na Palestina.

    O grupo do Brics, a que o país está tão identificado sob Lula, já tem hoje a mesma fatia de cerca de 30% da riqueza mundial que o antes inalcançável clube do G7. Há duas décadas, o G7 detinha 42% contra 19% dos Brics.

    A diplomacia brasileira, sob a condução estratégica do chanceler Mauro Vieira, galga portanto um degrau superior de complexidade, em meio à ocupação dos espaços abertos nesse momento de mudanças geopolíticas. ”

    Saudaçõoes não-viralatista.

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