Rafael Moraes Moura
O Globo
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), desprezou um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao determinar que fossem enviados à Corte documentos do bilionário acordo de leniência da J&F para investigar a atuação da ONG Transparência Internacional.
Em parecer de 18 de outubro de 2023, a então procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, foi contra o envio ao ministro do Supremo do pedido apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para apurar a suposta “obscuridade” nas relações entre o MPF e a Transparência Internacional.
ESTÁ NO PROCESSO – O parecer de Elizeta Ramos consta da íntegra do processo em que Toffoli autorizou a investigação da ONG. O inteiro teor do processo teve o sigilo levantado hoje por decisão do ministro.
Falcão acusa a ONG de ter “poderes de gestão e execução sobre recursos bilionários” oriundos do acordo, “sem que se submetesse aos órgãos de fiscalização e controle do Estado”. Já a Transparência Internacional afirma que não recebeu ou gerenciou valores do acordo que prevê o pagamento de R$ 10,3 bilhões em multas e indenizações.
No parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), Elizeta Ramos destacou que o pedido de Rui Falcão trata sobre o acordo de leniência da J&F firmado no âmbito da Operação Greenfield, e não na reclamação da Vaza-Jato, que está sob a relatoria de Toffoli e trata do caso Odebrecht.
TOFFOLI FOI AVISADO – “O objeto da Reclamação 43007, apontado como paradigma apto a invocar a possível competência do Supremo Tribunal Federal, trata especificamente do acordo de leniência da Odebrecht com o MPF”, frisou a então a PGR interina ao justificar seu parecer.
“Para além disso, os envolvidos nos acordos, bem como as operações policiais e até mesmo as entidades envolvidas nos acordos de leniência são distintos e, a princípio, não possuem prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal”, concluiu Elizeta Ramos.
A posição de Elizeta Ramos colidiu frontalmente com o entendimento da gestão anterior, de Augusto Aras, expressada em um parecer assinado pela ex-vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo em 22 de setembro de 2023.
OUTRA VERSÃO – Naquele documento, Lindôra dizia que os fatos noticiados por Falcão possuem “conexão fática e probatória” com o processo que estava com Toffoli, “notadamente no que se refere a atuação da Força-Tarefa da Lava-Jato no âmbito de cooperação jurídica com os organismos internacionais e a informalidade no envio e recebimento das informações que ensejaram diversas condenações no âmbito da Operação Lava-Jato”.
Ou seja, no intervalo de menos de um mês a PGR de Augusto Aras e a gestão interina de Elizeta Ramos divergiram radicalmente sobre o destino da apuração – e se cabia a Toffoli ou não cuidar do pedido para investigar a Transparência Internacional.
Por isso, ao decidir enviar o processo ao Supremo, em 30 de novembro de 2023, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Humberto Martins, que estava com o caso, chamou a atenção para as duas posições radicalmente opostas da PGR: “Mostra-se adequada e prudente a remessa dos autos ao ministro Dias Toffoli, relator da Reclamação n. 43.007/DF, que poderá analisar todos os argumentos deduzidos nas duas manifestações do Ministério Público Federal.”
PEDIDOS DE EXTENSÃO – A reclamação 43.007 foi originalmente movida por Lula para garantir acesso a dados do acordo de leniência da Odebrecht – fechado com a força-tarefa da Lava-Jato – e aos arquivos da Operação Spoofing, que investiga a invasão de celulares de autoridades como o ex-juiz federal Sergio Moro e o ex-coordenador da Lava-Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol.
Essa reclamação já teve mais de 60 pedidos de extensão – quando outros réus pegam carona no mesmo processo. Foi assim que a J&F, cujo caso nada tem a ver com a Lava Jato, conseguiu em dezembro do ano passado a suspensão das multas do acordo de leniência firmado com o MPF no âmbito da Greenfield, até a análise de todo o material colhido na investigação sobre a obtenção ilegal de mensagens envolvendo o hacker Walter Delgatti Netto.
Foi no âmbito da reclamação 43.007 que Toffoli anulou, em setembro do ano passado, todas as provas obtidas dos sistemas Drousys e My Web Day B – criados por executivos da Odebrecht para operacionalizar o pagamento de propinas – em “qualquer âmbito ou grau de jurisdição”, abrindo brecha para beneficiar vários políticos.
###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Alguém pode perguntar. Como é que Toffoli comete tanto erro, se tem uma assessoria enorme, composta por experientes juízes, procuradores e advogados, como todos os outros ministros têm? Bem, o problema é que Toffoli não quer ouvir quem não concorde com ele. Apenas isso. (C.N.)