Joel Pinheiro da Fonseca
Folha
Durante toda a Antiguidade e toda a Idade Média, a filosofia política ocidental sempre trabalhou com um conceito básico: virtude. Seja numa monarquia, numa aristocracia ou numa democracia, é necessário que aqueles que detêm o poder —um, alguns ou muitos— o utilizem bem, visando ao bem comum e não a seus próprios interesses egoístas de glória, fama ou poder. A política, com efeito, era vista como uma derivação da ética.
Saber desenhar boas leis era condição necessária para o bom governo, mas, além e acima disso, o bom uso do poder exigia o regramento do próprio espírito para limitar a cobiça individual e treinar o intelecto a buscar antes o conhecimento objetivo do que a crença reconfortante.
VÍCIO E VIRTUDE – Mesmo Maquiavel, na Modernidade, manteve a distinção essencial entre vício e virtude. Apenas um povo virtuoso é capaz de se manter livre. E mesmo o governante, que por vezes deve agir de maneiras contrárias à moral vigente, só o deve fazê-lo na medida em que isso o permita atingir “grandes coisas” para a sociedade, como promover sua independência e prosperidade. Um príncipe que minta e mate por pura ambição pessoal, é um tirano que será relegado à infâmia.
Quem cindiu de maneira mais drástica a filosofia política da moral foi Hobbes. Vivendo num mundo em que as pessoas se matavam em nome de sua visão sobre o bem absoluto, ele buscou bases para uma sociedade que não dependessem de uma visão partilhada do bem ou da virtude.
Homens puramente egoístas podem chegar a um acordo sobre como viver em sociedade? Podem, porque embora não haja consenso sobre o bem a ser buscado, há um grande mal que todos querem evitar: a morte violenta. O contrato social que dá origem à sociedade tem como objetivo livrar os homens desse medo.
DESENHAR ARRANJOS – A solução específica de Hobbes, o poder absoluto de um soberano, não envelheceu muito bem. Mas sua abordagem filosófica impera desde então: ao pensar a sociedade, não fazemos o juízo moral dos indivíduos que a compõem.
O importante é desenhar arranjos que funcionem independentemente da concepção moral dos indivíduos e de seu caráter. Arranjos que, por exemplo, impeçam a concentração exagerada de poder e favoreçam a liberdade individual para cada um viver como quiser.
É a essa tradição liberal que devemos algumas das mais importantes conquistas em matéria de engenharia do poder: a igualdade perante a lei, separação dos Poderes, democracia representativa, direitos individuais invioláveis.
DEMOCRATIZAÇÃO – A virtude nunca saiu totalmente de cena. Ocorre que, até pouco tempo atrás, ela era menos importante, já que o povão tinha uma relação muito distante com o poder. Hoje vemos a real democratização do debate público, graças às redes. E, por isso, neste momento, a democracia liberal encontra-se em xeque.
Vemos autoridades —dos três Poderes— legalizando atos que anteriormente seriam tidos por corruptos; reinterpretando leis para atingir objetivos políticos; testando ao máximo os limites da liberdade de expressão para minar a credibilidade das eleições; e impondo limites arbitrários a essa liberdade para silenciar adversários.
Da parte do povo, vemos extremismo, ódio ao outro lado, consumo de informação enviesada, justificação da violência e anseio por um herói nacional que quebre todas as regras.
CIDADÃOS LIVRES – Não há regra ou instituição que garanta a continuidade dos regimes democráticos liberais se a própria população não quiser ou não for capaz de se portar de acordo com suas exigências.
É preciso haver uma massa crítica de cidadãos livres e bem informados que se neguem a aderir a um projeto de poder que se pretenda hegemônico.
A democracia depende da disputa regrada pelo poder. Ou aprendemos a formar melhores cidadãos, ou caminharemos para o fim da democracia.
Assim caminha a humanidade, nome de um filme e uma música. Do modo que estamos indo não só a democracia ou qualquer regime sobreviverá. Os bons valores estão sendo jogados no lixo
Esse Joel… Como dizia vovó: “Quem não te conhece que te compre”.
Democracia virou uma palavra como se fosse o Santo Graal e a Pedra Filosofal dos alquimistas. É uma arma para atacar os desafetos e adversários ideológicos, é como se fosse uma palavra mágica, um Abre-te Sésamo ou um Shazam.
Chamar Bolsonaro de golpista anti democrático é como se desse um coice de besta parida na cabeça dele.