Conheça a ‘inexistente lei europeia’ contra fake news que Moraes sugere ao Brasil

Sobraram três 'cornos' na decisão de Alexandre de Moraes sobre plano golpista

Moraes não conhece a lei europeia, mas a defende ardorosamente

Carlos Newton

Poucos sabem que a expressão “não li e não gostei” foi criada pelo escritor e ativista Oswald de Andrade, um dos líderes da Semana de Arte Moderna de 1922, que foi casado com duas das mais disputadas mulheres daquela época – a pintora, escultora, cronista e tradutora Tarsila do Amaral, de 1926 a 1929; e a escritora, poetisa, diretora, tradutora,  cartunista, jornalista e militante comunista Patrícia Rehder Galvão, a famosa Pagu, de 1930 a 1935.

Oswald de Andrade estava rompido com José Lins do Rego, e um jornalista lhe perguntou se havia lido o mais recente livro do genial escritor paraibano. A resposta foi direta e virou referência: “Não li e não gostei”, disse Oswald.

NOVA VERSÃO – Quase 100 anos depois dessa tirada do autor do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil”, agora surge uma nova versão, que vem sendo usada para enaltecer uma obra inexistente, que é a misteriosa Lei contra Fake News que a União Europeia teria aprovado.

Um dos defensores dessa suposta legislação é o ministro Alexandre de Moraes, que nesta segunda-feira, dia 22, sugeriu que o Brasil seguisse o exemplo europeu. “Não li, mas gostei”, poderia ter dito o implacável ministro, que foi trêfego ao fazer a  declaração, pois seria sua obrigação funcional ler e estudar a decisão a respeito que foi tomada pela União Europeia. Sem pensar, Moraes transmitiu uma fake news sem a menor base na realidade.

O mais interessante é que não se trata de uma lei contra fake news, como vem sendo apregoado aqui no Brasil, mas de uma “Estratégia Nacional de Cibersegurança”, que os países-membros devem seguir, mas cada um com suas próprias leis, como é o sistema da União Europeia.

###
CONHEÇA AS RECOMENDAÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA

“Cada estado-membro deve adotar uma estratégia nacional com vista a alcançar e a manter um elevado nível de cibersegurança nos setores críticos, incluindo:

– um quadro de governança que clarifique as funções e responsabilidades das partes interessadas, pertinentes a nível nacional;

– políticas que abordem a segurança das cadeias de comunicação;

– políticas que assegurem a gestão das vulnerabilidades;

– políticas que promovam e desenvolvam a educação e a formação em cibersegurança; e

– medidas destinadas a reforçar o nível de sensibilização dos cidadãos para a cibersegurança”.

###
RESPOSTA A INCIDENTES DE SEGURANÇA INFORMÁTICA

“Os comitês de resposta a incidentes de segurança informática prestarão assistência técnica a entidades, nomeadamente através das seguintes ações:

– monitorizar e analisar ciberameaças, vulnerabilidades e incidentes a nível nacional;

– ativar os mecanismos de alerta rápido, enviar mensagens de advertência, fazer comunicações e divulgar informações às autoridades competentes e a outras partes interessadas, sobre ciberameaças, vulnerabilidades e incidentes, se possível em tempo quase real;

– intervir em caso de incidentes e prestar assistência, se aplicável;

– recolher e analisar dados forenses, proceder à análise dinâmica dos riscos e dos incidentes e desenvolver o conhecimento situacional em matéria de cibersegurança; e

– realizar, a pedido, uma análise proativa dos sistemas de rede e informação, a fim de detectar vulnerabilidades com um potencial impacto significativo”.

###
A FORMAÇÃO DE REDES DE COMITÊS DE SEGURANÇA

“A diretiva estabelece uma rede de Comitês nacionais para promover uma cooperação operacional rápida e eficaz, com divulgação coordenada de vulnerabilidades.

Os Estados-Membros devem designar um de seus Comitês como coordenador da divulgação de vulnerabilidades identificadas em produtos ou serviços de Tecnologia de Comunicação por Informática (TCI).

E devem assegurar que as pessoas nos Estados-Membros possam comunicar as vulnerabilidades de forma anônima, se assim o solicitarem”, diz o portal da União Europeia.

###
P.S. 1 –
Como se vê, a questão das fakes news e a segurança cibernética são um tremendo desafio, que até hoje nenhum país conseguiu vencer por meio de lei. Assim, é necessário que as autoridades e os legisladores brasileiros não se deixem levar por fake news, como a que apregoa as excelências de uma lei que a União Europeia jamais aprovou.

P.S. 2 – Chega de complexo de vira-latas. O Brasil tem as mais avançadas leis ambientais do mundo. Nada impede que tenhamos também a melhor lei contra fake news e crimes cibernéticos. E vida que segue, como dizia João Saldanha, um brasileiro que realmente amava e respeitava esse país. (C.N.)  

11 thoughts on “Conheça a ‘inexistente lei europeia’ contra fake news que Moraes sugere ao Brasil

  1. Regulamentos aprovados pela UE devem ser seguidos por toso os Estados membros.

    Recentemente foram aprovados dois Regulamentos e que Moraes acertadamente se referiu como exemplos a serem seguidos :

    sobre a utilização de IA:

    https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20240308IPR19015/regulamento-inteligencia-artificial-parlamento-aprova-legislacao-historica

    Sobre a regulamentação das redes socias:

    https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20240308IPR19015/regulamento-inteligencia-artificial-parlamento-aprova-legislacao-historica

    Quanto à cibersegurança, por enquanto, a UE emitiu somente uma Diretiva.

    Link sobre as diferenças entre regulamentos (semelhante Às leis federais do Brasil) e outras recomendações emitidas pela UE: https://european-union.europa.eu/institutions-law-budget/law/types-legislation_pt

    • Caramba! O ministro Moraes inventa uma tremenda fake news e logo aparece o seguidor Jose Vidal para defendê-lo.

      Vidal também “não leu” a suposta lei européia, mas gostou muito e até sugere adoção pelo Brasil, sem perceber que está confirmando uma tremenda fake news sem a menor justificativa, a não ser agradar ao ministro, que também não leu a lei europeia, mas adorou.

      O pior é que, para confirmar que a fake news existiria, Vidal nos envia um outro regulamento da UE, mas é sobre Inteligência Artificial, devido aos frequentes erros judiciais cometidos pelo uso de identificação eletrônica, condenando e prendendo pessoas inocentes pelo chamado reconhecimento facial.

      Vidal também não leu o regulamento, mas jura que é sobre fake news e redes sociais…

      Ontem, no Jornal Nacional, William Simpson Bonner leu a notícia corretamente, sem falar em nenhum momento que o regulamento europeu se referia a fake news e redes sociais.

      Ah, Vidal, essa sua fidelidade ao ministro Moraes chega a ser comovente.

      CN

      • Caro CN,

        a tua ojeriza ao STF, especialmente ao Ministro Moraes, nubla teu raciocínio.

        Moraes falou no seminário sobre duas leis aprovadas (Regulamentos) recentemente na UE. E coloquei os links do que foi aprovado e aos quais o ministro se referiu.. Ele falou sobre IA.

        Aí colocas algo sobre cibersegurança que é uma Diretiva emanada pela UE, a fim de contrapor ao ministro, coisa que ele não citou.

        Assim, quem está colocando algo falso?

        Sei que não vais reconsiderar como é do seu costume, mas fico com a consciência tranquila, porque odeio fake news e não fico calado. .

        Abraço.

  2. Senhor Carlos Newton

    Tenho muito respeito por tudo o que o senhor posta nesse blog que há tempos tenho como leitura diária e novamente o senhor foi cirúrgico em suas colocações.
    Sou do interior do Estado de São Paulo divisa com estado do Paraná, talvez isso não importa agora, mas só para demonstrar a longitude do blog.
    No P.S. 2 o senhor foi perfeito como sempre precisamos sair desse complexo de vira latas e criarmos nossas próprias leis, decretos ou qualquer instrumento que inibem tudo isso em nosso pais.
    Mas o que vejo nesse blog ha algum tempo são muitas pessoas atirando pedras, realizando questionamentos infundados, pontos de vista que são só deles ainda bem.
    Mas deviam então trazerem propostas, buscarem na literatura ou exemplos de outros países para que possamos também desenvolvermos no nosso.
    Não interessa se o governo é de direita, de esquerda de centro, enfim de todas as denominações, mas precisamos de pessoas que compartilhem suas ideias no sentido de tentarmos ajudar, mesmo que seja no ponto de vista assim como o senhor nos referenciou com esse texto.
    Nenhum governo será bom, se aqueles que estão nele também não fazerem a sua parte.
    É muito fácil atirar pedras, mas quando você se torna a vidraça verá que a dor é maior ainda.
    Ahhhhhh e só pra deixar claro, porque sei que como uma vitrola que só toca uma musica vão dizer que sou PTTTTTTTT não sou ptttttttt , de direita ou centro minha luta é outra.

  3. E li o Regulamento aprovado pelo uso de IA. Olha aí o trecho que cita o uso que pode influenciar eleições:

    “Obrigações aplicáveis aos sistemas de alto risco

    Estão igualmente previstas obrigações claras para outros sistemas de IA de alto risco, devido aos seus potenciais danos significativos para a saúde, a segurança, os direitos fundamentais, o ambiente, a democracia e o Estado de direito. Exemplos de utilizações de IA de alto risco incluem infraestruturas críticas, educação e formação profissional, emprego, serviços públicos e privados essenciais (nomeadamente os cuidados de saúde e a banca), determinados sistemas de aplicação da lei, migração e gestão das fronteiras, justiça e processos democráticos (por exemplo, influenciando eleições). Esses sistemas devem avaliar e reduzir os riscos, manter registos de utilização, ser transparentes e exatos e garantir a supervisão humana. Os cidadãos terão o direito de apresentar queixas sobre os sistemas de IA e de receber explicações sobre as decisões baseadas em sistemas de IA de alto risco que afetem os seus direitos.”

  4. Seria tão objetivo e justo simplesmente instrumentalizar algumas leis naturais da convivência pacífica e civilizada, como não matarás, não roubarás, não mentirás, não ofenderás, não agredirás…há! sim! e restaurar a função institucional da justiça e, principalmente, do fiscal da lei (MP)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *