Livro do advogado André Marsiglia mostra que há censura por toda parte

Censura por toda parte - Os bastidores jurídicos do inquérito das Fake News  e a nova onda repressora que assola o BrasilMario Sabino
Metrópoles

Faz mais de cinco anos que estou no inquérito das fake news. É tanto tempo que até virei personagem de um livro recém-lançado: Censura por Toda Parte, de André Marsiglia. O subtítulo do livro é “os bastidores jurídicos do inquérito das fake news e a nova onda repressora que assola o Brasil”.

Como fui o primeiro cidadão a constar dessa peça exemplar da nossa democracia pitoresca, André Marsiglia, que me defende desde os tempos da Veja, foi o primeiro advogado a se deparar com o processo que se assemelha ao do romance de Kafka.

CENSURA DIRETA – No livro, ele descreve a situação na qual me vi enredado como publisher da revista que criei e como diretor do site de notícias que fundei, ambos censurados por publicar notícia verdadeira.

Já escrevi fartamente sobre o assunto em outras paragens. A revista e o site já não existem mais na forma que eu e o meu sócio idealizamos, mas o inquérito permanece aberto, sem data para terminar, e eu ainda figuro nele.

Falo de mim, mas estou longe de ser o grande assunto do livro. O destemido André Marsiglia é a referência jurídica na defesa da liberdade de expressão. Além do caso do qual sou personagem, ele aborda outras situações de censura judicial a reportagens e também as de censura não explícita.

ONDA REPRESSORA – Elas são cada vez mais comuns, daí “a nova onda repressora que assola o Brasil” do subtítulo. O inquérito das fake news abriu a porta do inferno para a liberdade de expressão, e vocês que entram em tal inferno podem deixar a esperança do lado de fora.

Um dos pilares do Estado de Direito, a liberdade de expressão agora é descaradamente relativizada ao sabor de conveniências pessoais, políticas e econômicas.

A coisa chegou a tal ponto que, hoje, pratica-se a pior forma de censura, que é a autocensura. A servidão nunca foi tão voluntária.

DIZ MARSIGLIA – No início de Censura por Toda Parte, André Marsiglia, dono de um raciocínio lógico invejável, faz a seguinte consideração:

“Posso afirmar categoricamente que a censura no Brasil nunca acabou, jamais deixou de existir. Ela permanece e é tão ou mais cruel que as demais a que assistimos pela janela da história. A censura não acaba, apenas se modifica, alterna de mãos. Um dos maiores erros conceituais a respeito da censura é acreditar que a sua existência não se compatibiliza com as democracias modernas e que, se ela existe, não há democracia; ou então, se há democracia, ela não pode existir. Esse erro impõe uma visão limitadora e paradoxal: ou escolhemos ignorar a censura, se nos julgamos em uma democracia, ou escolhemos ignorar a democracia, se nos julgamos sob censura.”

É o que se está fazendo no Brasil neste momento.

COMPREENSÃO – E o advogado André Marsiglia continua: “Compatibilizar censura e democracia, e enxergar censura fora do eixo do Poder Executivo, torna possível uma compreensão melhor do tema. Políticos de direita afirma que, no Brasil atual, estamos em uma ditadura, por aqui haver censura. Políticos de esquerda negam a existência da censura para não reconhecer a possibilidade de fracasso da democracia. Ambos estão errados”, diz, acrescentando:

“Existem a democracia e a censura, elas são compatíveis. Trata-se de um erro que até mesmo a imprensa comete, e por isso muitas vezes se nega a utilizar a terminologia ‘censura’, por acreditar que, ao fazê-lo, assumirá um discurso antidemocrático.”

Censura por toda parte: a luta continua, companheiros, mas não há garantia de que, um dia, riremos de tudo isto. No momento, apenas as hienas riem.

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