Muitos analistas políticos passaram a se comportar como meros pregadores

Charge do Zé Dassilva: Debate presidencial - NSC TotalDemétrio Magnoli
Folha

“Não rir, nem lamentar, nem odiar, mas compreender”. A prescrição de Spinoza, que serviu como guia para os intelectuais públicos, saiu da moda. Na era das redes sociais, os intelectuais públicos desistiram de decifrar os fenômenos políticos, dedicando-se à tarefa banal de exprimir indignação moral perante suas bolhas ideológicas.

De analistas, tornaram-se pregadores. Daí, o pequeno escândalo provocado por meus comentários, aqui e na GloboNews, sobre a ascensão da Reunião Nacional (RN) francesa.

RÓTULOS POLÍTICOS – Num passado menos envenenado, rótulos políticos serviam para descrever fenômenos dinâmicos. A atual RN, de Le Pen, emanou de um longo processo de revisões históricas e dramáticas cisões internas que ainda não se concluiu.

Nessa trajetória, renunciou às suas raízes, fincadas na França de Vichy, para aderir à narrativa gaullista da França da Resistência. A estratégia permitiu-lhe capturar a maior parte do eleitorado da centro-direita tradicional, relegando o velho partido gaullista a um gueto. A extrema direita tornou-se direita nacionalista.

A direita nacionalista é reacionária, xenófoba e islamofóbica, como a extrema direita, mas subordina-se às instituições democráticas. A RN só desistiu do chamado à deportação em massa de imigrantes para concentrar-se no objetivo principal: cancelar o princípio do “direito do solo”, instituído pela Revolução Francesa, substituindo-o pelo “direito do sangue”.

MUTAÇÃO DE LE PEN – Não é pouco: o “direito do solo” funciona como limitação constitucional das erupções de xenofobia e racismo. Os pregadores, que preferem rir, lamentar e odiar, nem tentam explicar a mutação da RN. No lugar disso, apelam ao pensamento mágico, alegando que tudo não passa de uma operação de camuflagem.

Seria, igualmente, mera camuflagem a mutação histórica do PT, de partido anticapitalista que rejeitou assinar a Constituição de 1988 para o atual partido de esquerda engajado na busca da governabilidade?

O PT chegou ao Planalto porque mudou. A RN atingiu o umbral do poder pelo mesmo motivo, o que a torna mais – não menos! – perigosa para os direitos humanos e a coesão social da França.

FRANÇA ETERNA – A ascensão do partido de Marine Le Pen ameaça consumir a “França de 1789” na fogueira da “França eterna”. Já o partido original, extremista, de Jean-Marie Le Pen, produzia apenas ruídos, por vezes sonoros, nas franjas da sociedade francesa.

Não é prudente traçar paralelos superficiais entre a Europa e os EUA – ou o Brasil. O Maga, movimento de Trump que tomou de assalto o Partido Republicano, é um fenômeno extremista, como atesta a contestação violenta à eleição de 2020. O bolsonarismo pertence à extrema direita, como prova a trama golpista que se desenrolou entre dezembro de 2022 e o 8/1 de Brasília.

Na Europa, porém, os partidos da direita extremista, como a Afd alemã ou o Vox espanhol, permanecem circunscritos à periferia política. O perigo iminente mora nos partidos que se moveram para a direita nacionalista, como o Fidesz, de Orbán, o Irmãos da Itália, de Meloni, e a RN francesa.

ANALISTA E PREGADOR – O analista concentra-se nas mutações e nas nuances; o pregador, na caricatura bruta que serve à sua causa. Os arautos do bolsonarismo só sabem utilizar os rótulos comunista e socialista (ou o que, na sua febre infantil, imaginam serem variações, como “liberais globalistas”).

Já os intelectuais de esquerda, também prisioneiros do teatro das redes antissociais, reconhecem apenas neonazismo e fascismo (ou extrema direita, que tratam como sinônimo dos anteriores). Uns e outros comportam-se como influencers, investindo no mercado da propaganda.

O jovem pastor Pedro, conta-nos Esopo, acostumou-se a fazer troça com os habitantes da aldeia, gritando “lobo!” para atrair a ajuda deles. No dia em que o lobo emergiu da floresta, ninguém deu-lhe atenção – e lá se foi seu rebanho. Pedrinho, pare de representar.

2 thoughts on “Muitos analistas políticos passaram a se comportar como meros pregadores

  1. Principal X acessórios. Uma sociedade onde, para os analistas, o acessório é mais importante que o principal é uma sociedade nó mínimo equivocada, para não dizer ludibriada. BARBAS DE MOLHO, quem será a Kamala Harris brasuca ? Por lá batatas já estão assando. No QG mundial da plutocracia putrefata (governo do dinheiro), com jeitão de cleptocracia e ares fétidos de bandidocracia, fantasiada de democracia (governo do povo para o povo) apenas para ludibriar a tola freguesia que, seduzida pelo poder do dinheiro e da publicidade enganosa patrocinada pelo dito-cujo, usada como bucha de canhão e massa de manobras, sempre entra de gaiata na guerra dos me$mo$, por dinheiro, poder, vantagens e privilégios, sem limite$, operada à moda todos os bônus para ele$ (conservadores do sistema vencido), e o resto que se dane com os ônus, sendo certo que por lá batatas já estão assando, conforme o crescimento do “monstro da ora” a ser batido, inventado pelo próprio sistema para manter tudo como dantes no velho quartel de Abrante$, via polarização dos me$mo$, com todos os partidos cooptados pelo dinheiro e a proibição das candidaturas avulsas, fato que reduz a zero o possível surgimento de algo realmente novo e alvissareiro (via partidos arvorados em donos do monopólio eleitoral que deveria ser do povo, estado, e não dele$), capaz de promover as mudanças de verdade que se fazem necessárias há muito tempo, no Brasil e no mundo, sérias, estruturais e profundas, como propõe a Revolução Pacífica do Leão, com Democracia Direta e Meritocracia, no bojo do megaprojeto novo e alternativo de política e de nação. https://www.brasil247.com/poder/lula-e-itamaraty-adotam-cautela-e-evitam-comentar-desistencia-de-biden?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR2fFtfWw-NUtdw4x3nUBrog1SYjj7cNun1rlKwi6iQPIintrzqnkyEUPkg_aem_xxnsOadTdm9pJ05i6Eceuw

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