Democracia está mesmo sob ameaça, porque existe conivência da sociedade

Oposição acha insustentável Moraes permanecer no STF - Diário do Poder

Moraes se tornou uma ameaça ao regime democrático

Luiz Felipe D’Avila
Estadão

Uma democracia está em perigo quando o Estado deixa de ser o garantidor das liberdades individuais e passa a censurar e perseguir cidadãos. Uma democracia está em perigo quando a Justiça deixa de ser a guardiã da Constituição e da lei e passa a ser o vetor do arbítrio do Estado. Uma democracia está em perigo quando as medidas de exceção passam a ser defendidas pelas autoridades governamentais e toleradas por uma parcela significativa da sociedade. Infelizmente, esses sintomas estão presentes no Brasil. Já não podemos mais afirmar que temos uma democracia plena no País.

Quando o Poder Judiciário deixa de ser o defensor da liberdade de expressão e se torna o censor nacional, o Estado Democrático de Direito cessa de existir e passamos a viver sob um regime de exceção.

O vazamento de troca de mensagens entre o juiz e os assessores do ministro Alexandre de Moraes é apenas a ponta do iceberg que retrata o aparelhamento da Justiça para censurar e perseguir os “inimigos” da Nação.

AJUSTAR O RELATÓRIO – Segundo as gravações, havia pedidos para “ajustar” o relatório a fim de que o ministro Moraes pudesse bloquear as redes sociais e multar um jornalista alvo da investigação. Em outra ocasião, existia um pedido de “criatividade” dos assessores para encontrar “provas” que permitissem o juiz a desmonetizar as mídias sociais de uma revista.

Como é possível o aparelhamento escancarado da Justiça para censurar pessoas e veículos quando a Constituição garante a liberdade de expressão (artigo 5.º) e proíbe qualquer tipo de censura política ou ideológica (artigo 220)?

Os fatos mostram que os censores de toga têm método. Em 2019, o ministro Dias Toffoli sentiu-se ofendido por uma matéria jornalística que retratou o escândalo da Lava Jato e o envolvimento do seu nome numa lista de potenciais receptores de propina da empreiteira Odebrecht. A reportagem era um compilado de informações que já haviam sido exaustivamente publicadas nos principais jornais e revistas do País sobre o “amigo do amigo do meu pai”.

ATAQUE AO STF? – Mas Toffoli entendeu que a crítica a sua pessoa representava um ataque ao Supremo Tribunal Federal e escolheu o novato ministro Alexandre de Moraes para tratar do caso. Além de censurar a revista Crusoé e obrigá-la a retirar a matéria do ar, Moraes instaurou o famigerado inquérito das fake news. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro a criação de inquéritos sem objeto específico, conduzido sob sigilo e por prazo indeterminado.

O inquérito das fake news tornou-se o cavalo de Troia para transformar o Judiciário no poder arbitrário do Estado. O seu desdobramento gerou outros inquéritos e imensa concentração de poder nas mãos da Suprema Corte. O desfecho foi desastroso para a democracia.

O ministro Alexandre de Moraes se transformou no investigador de denúncias, acusador de pessoas e julgador dos casos, resultando em prisões arbitrárias, multas exorbitantes, censura de pessoas, veículos jornalísticos e redes sociais e perseguição política de “golpistas” – um termo genérico para enquadrar pessoas que criticam os donos do poder. Trata-se de uma aberração jurídica que viola os fundamentos da democracia, da ampla defesa e do devido processo legal.

HÁ CONIVÊNCIA – Mas não se destrói a democracia apenas com o abuso de poder de juízes; é preciso de um ingrediente essencial: a conivência da sociedade. A cumplicidade da sociedade com o desmantelamento da democracia é um fato abjeto dos nossos tempos. Ela é fruto da gradual tolerância com a intolerância que minou a diversidade de pensamento e de opiniões.

Essa conivência deriva da erosão dos valores, tradições e civilidade que mantinham a amálgama social e da ascensão da polarização, do populismo e do radicalismo político. A sociedade do espetáculo, como nos lembra Vargas Llosa, “em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o da lucidez e livre-arbítrio”.

Nesse ambiente tóxico, onde reina a intolerância, o populismo e o radicalismo, surgem narrativas distópicas. Para salvar a democracia, é preciso censurar, prender e perseguir os “golpistas”. Para preservar o Estado de Direito, é necessário cercear a liberdade de expressão e violar os direitos fundamentais do cidadão.

SEM LIBERDADE – Em suma, para preservar a ordem, é imperioso sufocar a liberdade. Trata-se de uma justificativa imoral de governantes que usurpam dos princípios democráticos para implementar um regime autoritário, como é o caso de Vladimir Putin na Rússia.

Não podemos trilhar esse caminho. Os democratas precisam se unir para defender a liberdade e a democracia. A imprensa não pode ser a trincheira de jornalista militante e ignorar sua missão de buscar a verdade dos fatos. A sala de aula não pode ser local onde se censura o debate de ideias, o pensamento crítico e se prega o conformismo de dogmas ideológicos. As empresas não podem se curvar à tirania do identitarismo.

Se nos conformarmos com a redução da liberdade de expressão nos espaços público e privado, vamos criar uma geração que acha “normal” censura, cancelamento e repressão do Estado. Esse é o começo do fim da democracia e da liberdade.

###
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Belíssimo artigo do cientista político Luiz Felipe D’Avila, que foi candidato a presidente da República pelo partido Novo. Suas afirmações são inquestionáveis. Deveria ter sido candidato a deputado. Sua presença na política é muito importante.  (C.N.)

11 thoughts on “Democracia está mesmo sob ameaça, porque existe conivência da sociedade

  1. Com direitos políticos cassados e medo de ser preso, Bolsonaro fomenta publicamente o impeachment de Moraes pelo Congresso, mas o que busca mesmo é ser anistiado para as eleições presidenciais de 2026. É isso. O resto é conversa fiada.

    Acorda, Brasil!

    • E o que tem a ver o fiofó com as pantalonas?
      Trocando o panorama, bozo estaria armando outro golpe, desta feita nos moldes do que elegeu loole de silve, só que ainda falta o período de estágio carcerário na terra das Araucárias.
      Acorde para a vida. O Brasil, embora esteja numa fase de liquidação de bordel, não é feito só de bozominions ou apedeutas petralhas. Se for assim, podemos começar a emigração.

  2. O que é liberdade de expressão, em primeiro lugar? Libertinagem total? É isso que o autor do texto defende? Direitos ilimitados de escrever ou falar qualquer coisa? E os direitos dos outros?

    Parece que a opinião dele é mais política do que racional. A tal “liberdade de expressão” total não existe em qualquer parte do mundo.

    É preciso discutir sem paixões esse tema. Também é necessário refletir do porquê do TSE e STF tomarem à frente, quando se trata dos limites à tal liberdade de expressão.

    Com o surgimento das redes sociais, parece que o equilíbrio entre o direito de liberdade de expressão e a responsabilidade rompeu-se e isso em vez de fortalecer, enfraquece a democracia.

    Portanto, o legislativo tem o dever de debruçar-se sobre esse tema e propor soluções para que essas redes sirvam para liberdade de expressão baseada em fatos, não em fake news.

    Um bom artigo sobre o que é liberdade de expressão:

    https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/liberdade-de-expressao.htm

  3. Acorda, Brasil!

    Bolsonaro lá está preocupado com impeachment de Moraes? Com anistia de aloprados do 8 de Janeiro?

    Está preocupado é com ele próprio.

    E faz todo esse barulho para pressionar e tentar conseguir o que de fato almeja: que é não ser preso e ser anistiado para concorrer nas eleições de 2026. Ponto final.

    O resto é conversa fiada.

  4. Senhor José Vidal , acredito que já existam leis disciplinando e responsabilizando as pessoas pelo que dizem , nos mais diferentes meios de comunicação social , tal como existem para os meios de comunicação ” televisivas & radiofônicas , portanto basta aplica-las , ou seja , caluniar , injuriar , difamar as pessoas já existem leis para tais atos .

    • Prezado José Carlos, as leis para a velocidade das redes sociais são obsoletas.

      Enquanto mensagens nessas redes destroem reputações, disseminam fake news e mensagens de ódio prejudicais às pessoas e sociedade em geral, quase instantaneamente, as decisões judiciais demoram bastante, com idas e vindas. Até uma decisão final, o estrago já foi feito.

      Até por isso, vários países estão regulamentando esse assunto. O desejável é que as próprias redes sociais façam isso, mas algumas, como a rede X, não querem.

      Parece que as leis não avançaram na velocidade da tecnologia. E não só na área da comunicação elas se tornaram ineficientes.

  5. Luiz Felipe D’Avila não faz genuflexão para doutrinas de esquerda, portanto já entra em desvantagem quando encontra fundamentalistas ideológicos como censores de seus escritos.
    Discutir com pessoas que renunciaram à lógica é como dar remédio a um homem morto.
    Apontem os erros e mentiras do missivista, do contrario vai servir de vaca de presépio que só sabe balançar a cabeça.

  6. “Parece que a opinião dele é mais política do que racional. A tal “liberdade de expressão” total não existe em qualquer parte do mundo.”

    Sr. Vidal, o senhor, por acaso, sugere extirpar o art. 5º, com seus incisos da Constituição Federal?

  7. De fato , os juízes levam décadas , para tomarem decisões judiciais em prol da comunidade , mas decidem num toque de mágica lhes são conveniente e rentável .

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *