País não sabe agir diante dos incêndios ou de outros problemas também graves

Governo cruzou os braços e não combate os incêndios

Governo cruzou os braços e não combate as queimadas

Roberto DaMatta
O Globo

O Brasil está em chamas, sofrendo uma amarga mudança em sua relação com a natureza. Uma transformação jamais pensada porque o país era imaginado como “coração do mundo, pátria do Evangelho”, estava protegido dos desastres naturais. Abrigados por Deus e pela Virgem, estávamos livres para fazer tudo com nossas matas, montanhas e rios. Até que surgiu a tal “mudança climática” — obra de comunistas e malvados capitalistas. Sua última encarnação é o bandoleiro golpista Elon Musk, que abriu o perturbador baú da informação com liberdade — mercadorias funestas porque obrigam a discutir limites, sobretudo para o enraizado elitismo que os rejeita.

Estávamos a salvo e “deitados eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo”. Dormitávamos numa terra açucarada, movida a escravidão africana e baronatos amulatados. Não precisávamos de segregação porque todos os inferiores conheciam seus lugares. Desse modo, a massa de imigrantes-escravos finalizou a modelagem de uma cruel hierarquia social que nosso elitismo de direita e esquerda jamais percebeu.

GOVERNO INERTE – Hoje, entretanto, nos damos conta de que o governo não tem instrumentos ou capacidade para lidar com os problemas fora de uma esclerosada politicagem personalista, que reduz questões sociais a pessoas. Nessa velha politicagem, basta um discurso veemente, um churrasco ou um encontro discreto, regado a troca de privilégios em alguma “Bras”, para selar “soluções” que significam adiamentos, porque “mexer nisso dá muito problema”.

O sistema político, a despeito de suas iniquidades, contradições e ineficácia, ganha em estabilidade, tornando-se um fosso de contradições. São ambiguidades que, no plano legal e ético, despertam e lamentavelmente justificam todas as desconfianças, engendrando os aventureiros que podem terminar no seu cume.

O que fazer — perguntam os “povos originais” ao lado de quem tem um mínimo de senso — com um sistema cujo projeto consiste precisamente em confundir progresso civilizatório com derrubada, poluição, contrabando, contravenção e desmatamento?

POLÍTICA VELHACA – Tudo se passa como se fôssemos vítimas de nossos costumes. Como se fôssemos dominados por um viés antitransformação que nos obriga a viver a História sem viver as transformações que o devir histórico obriga a realizar. Negamos ou pouco valorizamos nossas conquistas e avanços se eles forem obras de adversários — o que mostra como, na política, o outro conta mais que o Brasil.

Quando um partido político que se pensa como inovador classifica como “herança maldita” um plano que restituiu a universalidade da moeda, como o Plano Real, temos a prova de quanto somos conservadores, senão reacionários. Aliás, seria a Rússia reacionária por ainda ser comunista?

E você, meu amigo, não acha que o comunismo de Lênin ficou tão idoso quanto o capitalismo de Rockefeller e Henry Ford, hoje confrontado com o capitalismo digitalizado de Musk e Trump?

REACIONARISMO – Como disse noutra crônica, é preciso não misturar o conceito de polaridade, que faz parte da cognição humana, com polarização, que leva ao assassinato do novo antes mesmo de conhecê-lo. E produz um reacionarismo incapaz de distinguir progresso, desde que esse progresso venha do outro: do bandido suspeito.

O tal solucionar não solucionando que tipifica o sistema em que somos “educados” para concordar com tudo e esperar — porque um dia “tudo será resolvido”— tem marcado nosso viés político. A tal ponto que hoje, além dos confrontos rotineiros entre posicionamentos ideológicos, temos de agir concreta e resolutamente para fazer face às devastações climáticas. Um tipo de problema que nossa cosmologia católico-jesuítica jamais poderia prever. Pois, nela, o mundo não seria feito por nossa ações, mas por artes divinas, e seria imutável.

Foi essa relação entre nosso “Brasil brasileiro” e a natureza — esta terra que tudo produz — que mudou e hoje se agrava numa dinâmica que nosso sistema governamental, voltado para si próprio, é incapaz de enfrentar. O Brasil está, pois, em meio a fogos ideológicos e incêndios históricos. Haja Apocalipse…

20 thoughts on “País não sabe agir diante dos incêndios ou de outros problemas também graves

  1. Lamentável.

    O fogo no Brasil é combatido heroicamente apenas por brigadistas, na sua maioria índios e quilombolas; e suas ferramentas de combate à vastidão de incêndios são a antiga vassoura de bruxa, sopradores e bombas d’água costais, isso quando dispõem desse material.

    O governo inoperante, nos três níveis, não tem estrutura e nem equipamentos à altura para combater o fogo que se alastra de norte a sul do país.

    É a republiqueta que, nesses momentos, expõem as suas mazelas.

  2. Por onde anda a Fadinha da Floresta e seus pseudos artistas mamadores da Lei Roubanet.?

    Será que vai sair nova música para Salvar a Amazônia no Fantástico.??

    Cadê o caetano, gil, fernanda montenegro, claudia raia, fabio porchato, maria betania, daniela mercury, ivete sangalo, criolo, diogo nogueira, nando reis, …….

    Silêncio total…..

  3. Roberto DaMatta vai sempre “direto ao ponto”. Excelente artigo. Estou relendo seu livro “O que faz o brasil, Brasil?” e recomendo a todos que por aqui vivem. O Brasil a meu ver não é um país e JAMAIS será uma nação; o Brasil é um karma!!!!!

  4. Aproveitando o clima do excelente e oportuno artigo, republico minha última cartinha:

    CARTINHAS PARA O LULA VII
    Lula, sinto muito, como diz um companheiro de TT, acabou o amor, de verdade, tive esperanças que você conservasse aquele tirocínio de malandro que te levou a ser sindicalista, amigo e cúmplice dos patrões ao mesmo tempo, a gritar por Diretas Já e frequentar o gabinete do Golbery, a te eleger presidente dos pobres e encher as burras dos banqueiros durante oito anos, a enganar os socialistas europeus fazendo-te passar por um Lech Walesa tupiniquim, e ainda sair com 80% de aprovação.

    Que aconteceu? Os 580dias foram demais ou foi a Janja que está te desequilibrando? Você está bem? Tem certeza que está no controle da fala? Está rejeitando assessoria política, diplomática (Amorim não serve) ou de Comunicação? Está avaliando o feedback de suas falas e decisões?

    A gente sabe que você é matreiro, velhaco, falso sem caráter, mas burro você não era, sabia passar uma imagem de falsa seriedade e compostura com essa lábia que Deus te deu, mas agora desandou, com toda sua amoralidade e torpeza, você está dando shows de grosseria, ignorância e incompetência.

    Briga de comadres com o Banco Central do país? Expansão indesejável da máquina pública e correspondente custeio? Nepotismo e compadrio como parâmetro para cargos? Arrogante aumento do Orçamento Secreto que você usou como trampolim eleitoral? Negação da prática da lista tríplice na escolha do PGR? O ícone dos advogados defensores de corruptos para ministro do STF? Ofensas grosseiras a um funcionário que cumpriu seu dever pondo na cadeia um ladrão do povo brasileiro? VOCÊ ENLOQUECEU!

    Um Velho na Janela
    Enviado por Um Velho na Janela em 23/03/2023
    Reeditado em 23/03/2023
    Código do texto: T7747230

      • Combater as queimadas, nunca teve importância para os governantes, só que agora com ajuda de translocados lascando fogo nas matas, tornou-se mais difícil combater o pouco caso dos governantes.

  5. As queimas controladas deveriam ser proibidas. E as penalidades para tais ações muito mais severas.

    Se continuar assim, com perdão de dívidas e legislação branda, as queimadas continuarão. E com o clima cada mais quente e seco, a situação piorará.

    Os legisladores deveriam colocar esse tema em discussão, mas tal assunto fere muitos interésses (como dizia Brizola)..

    • O governo podia aproveitar esse momento de comoção nacional (veja, até os bolsominios estão reclamando de incêndio e destruição do meio ambiente, Lula faz milagre) para condicionar os subsídios ao agro a contrapartidas. Deixa esses caipiras arcarem com as consequências financeiras das próprias escolhas.

  6. Quando lembro que essas regiões mais afetadas por esses incêndios criminosos são aquelas que elegeram o maior numero de deputados vermes da bancada do agro (aquela do deixar a boiada passar), perco qualquer sentimento de compaixão com eles.
    Se dependesse desse atual congresso, o país viraria um grande estacionamento.

  7. São nossos recursos naturais, na forma de nutrientes orgânicos do solo saindo pelo ralo e que depois terão que ser suplementados por adubos químicos importados, dando lucro a bolsos estrangeiros. Mais uma explosão neural de nossa elite rural.

    • É o agro que enche abarriga de todo mundo produzindo alimentos.
      Retórica esquerdista não enche o bucho de ninguém.
      Stalin sabia disso e tomou na marra todo alimento produzido na Ucrânia, esse genocídio ficou conhecido como Holodomor, a morte pela fome.

      • Não provoca, Sr. James, não provoca com esse batido refrão da elite rural exportadora e sonegadora, não me obrigue a esmiuçar como funciona seu Agro neste país e a questionar onde estava no governo do Jair que não enchia a barriga da fila do caminhão dos ossos. Comente, critique, mas não provoque.

  8. Talvez agora passem a creditar que não existe fogo ideológico.
    Os baluartes do meio ambiente estão mais silenciosos que as catacumbas romanas. Não existe narrativa plausível.
    Estão mais sem discursos que o José do Drummond.
    E agora $talinacio, vão jogar esse patuá de mandingas nas costas do Bolsonaro?

  9. É que no Brasil abriu-se mãos da prevenção , e optou-se por deixar acontecer , para fugir do controle das licitações , em favor das tais medidas emergências sem controle , facilitando o roubo do dinheiro público , portanto não é falta de saber prevenir .

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