Eliane Cantanhêde
Estadão
O principal impacto da vitória de Donald Trump no Brasil não é o que ele poderá fazer contra o governo Lula, mas o que tentará fazer a favor da volta do ex-presidente Jair Bolsonaro, que, aliás, acaba de dizer que quase tudo o que acontece nos Estados Unidos costuma se repetir aqui. Fica implícito: se Trump perdeu a reeleição e acaba de se eleger para novo mandato, por que o mesmo não pode ocorrer com ele em 2026?
Esse risco derruba, ou enfraquece, a tese de que o Supremo e o ministro Alexandre de Moraes, decisivos para evitar um golpe no primeiro mandato e após a derrota de Bolsonaro, erram ao não recolher as armas, porque a ameaça passou, mas eles continuam agindo com excepcionalidade após a volta à normalidade.
FANTASMA DO GOLPE – Será que a ameaça passou mesmo? As vitórias da direita nas eleições municipais no Brasil e de Trump nos EUA estimulam o bolsonarismo e trazem o fantasma do golpe de volta.
Trump não dá bola para a indignação de estrelas e intelectuais que defendem inclusão social, causas identitárias, direitos humanos, e capta com perfeição a insatisfação do “americano comum” que não quer saber do mundo e de princípios, só do que lhe diz direito diretamente: emprego, renda, preços baixos, escola de graça, comida na mesa.
Incluem-se aí mulheres, negros, o grupo LGBTQIA+ e até os imigrantes – que Trump capturou dos democratas.
NÃO SE ILUDAM – Como na primeira eleição, Trump foi tosco e agressivo durante a campanha, mas suavizou o discurso e o personagem após a vitória.
Não se iludam: ele vai dobrar a aposta contra imigrantes pobres e o multilateralismo, mas a favor da violência na segurança pública, dos combustíveis fósseis, da aproximação com a Rússia e da aliança carnal com Israel. Dane-se a Ucrânia! Adeus, Gaza!
Seu lema é “America first”, mas seu objetivo maior é levar a sua pauta para o mundo e alimentar parcerias em países relevantes em cada continente. Na América do Sul, não lhe basta Javier Milei na Argentina, ele vai investir na volta de Bolsonaro e engordar o bolsonarismo.
MUSK É PRODUTOR – Elon Musk não é um simples espectador ou coadjuvante, é o produtor desse filme.
É por isso que o Supremo e Alexandre de Moraes são alvos centrais de Musk, bolsonaristas e uma enorme fatia da classe média vulnerável ao poder da internet. Afinal, Bolsonaro está inelegível e é alvo de diferentes processos.
Assim como o primeiro chanceler de Bolsonaro, Ernesto Araújo, pregava que “só Trump pode salvar o Ocidente da China”, só STF e Xandão podem manter Bolsonaro inelegível e impedir uma nova investida contra a democracia no Brasil – dessa vez, menos amadora.
Só STF e Xandão?
Insanas projeções.
Por quais meios encontra as citadas conexões?
Paranóia tem limites.
Só o que há de concreto é o X e seus algorítmos e a força das fake news.
A classe média tem conhecimento, boa formação e inteligência crítica suficiente e não é nada vulnerável
O Brasil deveria já estar cantando Luka, com o velho timbre de Shakira de 2003, em 2024/2026…
“Me reinventei e virei a página
Agora eu tô em outra”
Constato uma dúvida geral que beira a paranoia: Será que a vitória eleitoral de Trump vá pavimentar o retorno fácil do Cupim da República? Pode até ser, claro que não seria fácil, mas… Trump só se elegeu, ainda não passou dois anos governando… Nesta polarização burra um fator está definido, fracasso de um polo, vitória do outro, erros e percalços na Casa Branca seriam chave de cadeia para o Mito.