No Congresso, o legado de Lira e Pacheco é apenas a escuridão

dois homens conversam contra luz; em segundo plano, vê se guardas com vestimenta ornamentada segurando bandeiras

Falsos líderes empobrecem o Congresso cada vez mais

Maria Vitória Ramos e Bruno Morassutti
Folha

Enquanto a farra das emendas dominou —merecidamente— as manchetes neste mandato, um conjunto de outros retrocessos na transparência mancham a gestão de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco à frente do Congresso Nacional. Faltando menos de dois meses para o fim de seus mandatos, o que fica é um legado de escuridão institucional.

Embora a sociedade cobre com frequência o Executivo —que, mesmo longe da perfeição, está anos-luz à frente dos outros poderes em termos de prestação de contas—, o Legislativo e o Judiciário permanecem como caixas-pretas. Os exemplos que seguem mostram o tamanho do abismo.

LOBBY ABERTO – Num país sem regulamentação ou qualquer informação sobre o lobby, as agendas oficiais são hoje a única janela para fiscalizarmos os conflitos de interesse que corroem os corredores do poder.

Enquanto o Executivo conta com um sistema de monitoramento dos encontros de 10 mil autoridades, como explicamos nesta coluna, o Legislativo não dá nenhuma informação sobre os encontros dos parlamentares com agentes externos. Sem qualquer justificativa legal para defender o indefensável, a presidência da Câmara se limita a alegar que a informação é “inexistente”.

No Executivo, também podemos pedir acesso a atas e vídeos de reuniões com lobistas e materiais entregues por eles, já o Legislativo nada oferece. Como pode a sociedade ser privada de saber o que seus representantes discutem e quem e quais insumos influenciam suas decisões?

NO SIGILO – Para piorar, os pareceres e estudos técnicos que embasam mudanças legislativas passaram a ser classificados como sigilosos. Esse retrocesso joga a sociedade no escuro, privando-nos de entender as justificativas e impactos de leis que moldam nossas vidas.

Foi graças a documentos desse tipo que revelamos, por exemplo, que foi o próprio Ministério da Saúde que pediu o aumento de impostos sobre tanques de oxigênio durante a pandemia de Covid-19.

Outro exemplo gritante: enquanto a Fiquem Sabendo conseguiu, pela primeira vez desde 2003, abrir os gastos do cartão corporativo de todos os ex-presidentes, Lira continua a barrar o acesso a informações sobre gestões passadas da Câmara. Isso acontece mesmo com decisão do Supremo Tribunal Federal estabelecendo que esses dados são de interesse público e não podem ser negados.

VIRAR A PÁGINA – Com a iminente renovação das presidências, há uma oportunidade de virar essa página. Em novembro, as entidades do Pacto pela Democracia lançaram a agenda “Câmara Aberta”, um conjunto de diretrizes para aprimorar o regimento da Casa.

Entre as propostas, estão o fortalecimento das comissões e do colégio de líderes, regras mais claras para a tramitação de medidas provisórias e emendas constitucionais e critérios transparentes para o acesso da sociedade civil.

A opacidade não prejudica apenas a sociedade; enfraquece os próprios parlamentares, partidos e a instituição do Congresso. Resta saber se os próximos presidentes das casas legislativas terão coragem de romper com o legado de Lira e Pacheco e construir uma trajetória da qual possam se orgulhar —ou se perpetuarão um ciclo de escuridão que compromete a democracia brasileira.

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