O democrático diretor da PF está perseguindo a Folha
Ranier Bragon e Caio Crisóstomo
Folha
O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, promoveu uma entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira (4) na sede da corporação, em Brasília, mas a Folha foi o único dos principais veículos de comunicação do país a não ser convidado.
Andrei foi questionado por meio de sua assessoria sobre as razões do veto, mas não quis se manifestar. O Ministério da Justiça, a quem a PF é subordinada, disse apenas que caberia à corporação se posicionar.
O diretor-geral da PF foi questionado mais tarde pessoalmente pela Folha, mas se recusou a dar explicações.
SEM COMENTÁRIOS – “Vocês mandaram e-mail lá, né [com pedido de posicionamento]? Não vou comentar”, disse o diretor-geral da PF no término da reunião do Consesp (Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública).
Esse tipo de encontro de autoridades com jornalistas é comum em Brasília, e na maior parte das vezes as informações são dadas na condição “off the records” —no jargão jornalístico, com a condição de que a fonte não seja identificada. É incomum, porém, a exclusão de órgãos de imprensa que normalmente fazem a cobertura jornalística diária da cúpula dos três Poderes.
A Folha normalmente participa desse tipo de entrevista coletiva, desde que os temas a serem abordados sejam relevantes e de interesse público.
TRAMA GOLPISTA – A reportagem obteve a íntegra do áudio da entrevista de mais de duas horas dada por Andrei e de mais três diretores da PF aos jornalistas convidados. A trama golpista foi o principal tema abordado por ele no encontro.
A Folha publicou desde a divulgação das 884 páginas do relatório policial dezenas de reportagens, análises e artigos de opinião tratando dos diversos pontos trazidos pela investigação, o que incluiu a íntegra do relatório, as lacunas no trabalho da PF, a defesa dos indiciados, os bastidores e a repercussão política, além de outras abordagens — sempre com base em princípios como pluralismo, apartidarismo e jornalismo crítico, que são pilares do Projeto Folha.
No encontro desta quarta, após o diretor-geral da PF falar durante a primeira meia hora, enaltecendo o que vê como qualidades da polícia e da sua gestão, ele foi questionado por jornalistas sobre as lacunas ainda presentes na investigação.
FALTA APURAR – Entre as lacunas está o fato de a PF não ter ouvido os integrantes do Alto Comando do Exército, colegiado que é apontado no relatório como barreira fundamental para que o golpe não fosse consumado.
Outro ponto ainda carente de prova robusta é a afirmação do relatório de que Bolsonaro sabia do plano de matar Lula, Alexandre de Moraes e Geraldo Alckmin para evitar a posse do petista.
Nas respostas, Andrei afirmou que a decisão sobre não ouvir todos os integrantes do Alto Comando do Exército foi técnica, sem interferência política.
APENAS GOLPE – Ele disse ainda que, embora houvesse o plano de assassinato, que foi um dos principais tópicos do relatório final, os crimes que estão sendo investigados se referem à trama golpista.
“Alguém foi indiciado por assassinato? Por tentativa de [assassinato]? Quem está falando de assassinato ali? O que a gente tá falando é de uma trama de golpe, esse é o crime que está sendo investigado”, disse.
“A organização criminosa não era para cometer assassinatos, ninguém foi indiciado por assassinato. Era para cometer os outros dois crimes, de abolição violenta do Estado democrático de Direito e o golpe de Estado”, completou.
CRÍTICAS A LIRA – O chefe da PF também rebateu o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que havia criticado a PF após a corporação ter indiciado deputados por discursos que eles fizeram na tribuna do plenário da Casa.
Na última semana, Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Cabo Gilberto Silva (PL-PB) afirmaram nas redes sociais que foram indiciados por terem criticado, em plenário, o delegado Fábio Shor, responsável pela investigação sobre tentativa de golpe.
“Temos que separar aquilo que é a liberdade expressão do que é a prerrogativa que o parlamentar tem em relação a sua fala, seus votos, as suas opiniões, do cometimento de crime. Não há direito absoluto”, disse o chefe da PF.
FALHAS CLARAS – Em junho, a Folha mostrou que entrevistas do diretor-geral da PF sobre investigações em andamento e sob sigilo se tornaram frequentes no governo Lula.
Em algumas situações, o chefe da corporação antecipa avaliações jurídicas sobre trabalhos ainda sem conclusão, dizendo já estar certo de que há provas ou apontando crimes em inquéritos que ainda estão em andamento.
Ele repetiu a prática em novembro, em manifestações na manhã posterior ao atentado com explosões na praça dos Três Poderes. Andrei e Moraes anteciparam conclusões que atrelam o episódio aos inquéritos que envolvem Bolsonaro e seus aliados. Ambos disseram que o atentado não foi um fato isolado e indicaram relações com os outros casos relatados por Moraes sobre ataques às instituições.
BOLSONARO REAGE – Na noite desta quarta, após a publicação da reportagem da Folha, Bolsonaro ignorou os repetidos ataques feitos contra jornalistas e a Folha em seu governo e publicou em rede social ter sido um “defensor intransigente da liberdade de imprensa”.
“Mesmo discordando da linha editorial da Folha e criticando algumas de suas reportagens, jamais impedi qualquer veículo de realizar seu trabalho”, afirmou, sem lembrar que , além de xingamentos e de mandar jornalistas calarem a boca, Bolsonaro chegou a dizer em 2021 que “o certo” era “tirar de circulação” veículos como a Folha, O Globo, O Estado de S. Paulo e o site O Antagonista.
Já nesta quarta, o ex-presidente disse ver hoje no Brasil um ataque sistemático a todos os pilares da democracia: “Hoje, no governo do ‘amor’ e da ‘democracia’, a Folha é proibida de participar de coletivas, pessoas são presas por opiniões, deputados são indiciados por suas falas, e o escrutínio da imprensa é evitado a todo custo. Enquanto isso, os supostos defensores das instituições fingem não ver o que está acontecendo”, escreveu.