“Acordo” para reduzir as penas sem anistia não tem chances de prosperar

Thaísa Oliveira, Raphael Di Cunto e Catia Seabra
Folha

Por motivos opostos, integrantes da oposição e uma ala do governo Lula (PT) apresentaram objeções à construção de um acordo para reavaliação das penas aplicáveis aos participantes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, mas sem um perdão para os crimes cometidos.

A proposta alternativa ao projeto de lei encampado por Jair Bolsonaro (PL) é costurada nos bastidores pelos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), junto ao Supremo Tribunal Federal.

CONFUSÃO GERAL – Enquanto senadores e deputados federais de oposição condenaram publicamente a sugestão e prometeram não abrir mão de anistia ampla, auxiliares do presidente Lula chegaram a afirmar que esse acordo seria inconstitucional, por ferir a autonomia dos Poderes.

O tema foi debatido pelos principais senadores da oposição nesta terça (29) durante o almoço. Segundo relatos, os parlamentares disseram que não tinham sido consultados por Alcolumbre sobre a ideia e definiram que é preciso insistir publicamente na anistia.

Estavam presentes os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Rogério Marinho (PL-RN), Ciro Nogueira (PP-PI), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Carlos Portinho (PL-RJ), Damares Alves (Republicanos-DF) e Eduardo Girão (Novo-CE).

PACTO DE ROMA – Líder do PL, Portinho apelidou a proposta de “pacto de Roma” — em ironia à viagem de Alcolumbre e Motta para o velório do Papa Francisco, no fim de semana, junto ao presidente Lula e ao presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso.

“Esse pacto de Roma não foi debatido com as lideranças, portanto não se pode falar em proposta do Congresso. Se há nesse fato alguma certeza, é de que os presidentes da Câmara e do Senado, se estão conversando com o STF, é porque concordam que as penas exorbitaram”, diz.

Na mesma linha, Marinho afirma que a oposição vai reiterar o pedido de anistia independentemente da proposta de Alcolumbre. “Você acha normal que o Parlamento esteja discutindo um projeto e que o Judiciário decida como esse projeto vai se dar? Como você faz uma anistia seletiva? Vou perdoar esse e penalizar aquele? Qual o critério?”, diz.

PENAS MENORES – A proposta sugerida pelo presidente do Senado permitiria a aplicação de penas mais baixas para aqueles que estiveram presentes nos atos, mas não planejaram nem financiaram, como mostrou a Folha. Uma minuta foi elaborada pela consultoria legislativa do Senado, subordinada a Alcolumbre. O texto ainda não foi divulgado.

A proposta dos bolsonaristas prevê a anistia a todos os atos passados e futuros ligados aos ataques às sedes dos três Poderes. A pedido de Bolsonaro, o PL agora estuda uma nova versão mais branda do texto, que possivelmente restrinja o perdão aos condenados.

Ex-vice de Bolsonaro, Mourão diz que qualquer alternativa está “fora de propósito”. “Tem uma série de erros jurídicos nesse processo todo e nós chegamos à conclusão há algum tempo de que a única forma de corrigir isso é por meio de anistia”, afirma.

DISCORDÂNCIAS – Por outro lado, uma parte da oposição afirma, de forma reservada, que há espaço para apoiar um projeto que beneficie ao menos alguns dos condenados. Dois parlamentares que não quiseram se identificar disseram que é melhor a meia anistia do que a anistia nenhuma, acrescentando e que será difícil para a oposição votar contra a redução de penas, mesmo que não seja o ideal.

A discussão dominou a sessão plenária do Senado. No fim do dia, Marinho, Portinho e Flávio divulgaram uma nota em que pedem “anistia já”.

Relator do projeto na Câmara, o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) disse que já viu diversas minutas alternativas e que só vai se aprofundar quando o texto for de fato divulgado. O receio, afirmou ele, é que o assunto fique em debate nos bastidores para servir de argumento para esvaziar a pressão sobre os partidos para que seja votado em plenário.

PROTESTO EM BRASÍLIA – Um protesto pela anistia está marcado para quarta-feira (7), em Brasília, para manter a mobilização em torno do projeto. O grupo quer convencer Motta a colocar em votação o requerimento de urgência para o projeto.

Na avaliação de um interlocutor de Lula, a discussão de um projeto não deveria nem ser feita no curso de um julgamento e a avaliação da pena caberia ao STF.

O acordo poderia ferir a autonomia dos Poderes, na avaliação desse aliado. O Congresso não pode julgar, nem o STF legislar, diz ele. Petistas falam ainda na abertura de um processo que poderia culminar na absolvição de líderes golpistas e até na elegibilidade de Bolsonaro.

DISTENSIONAR – Outra ala do governo afirma, no entanto, que o acerto poderia distensionar a relação entre Parlamento e Judiciário, embora exclua-se o executivo do debate.

“Acho que o debate vai ser bem aceito. É a mão estendida para a conciliação nacional”, afirma o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP).

Para o deputado Jilmar Tatto (SP), que é secretário nacional de comunicação do PT, a proposta é útil para diminuir a pressão por uma anistia ampla. “Foi bom colocar esse debate sobre o código penal porque desidrata a questão da anistia e penaliza quem tem mais responsabilidade, que organizou e financiou o golpe”, diz o petista.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
É uma tremenda briga de fake news, criando supostas soluções que “non eczistem”, diria Padre Quevedo. A maioria da Câmara quer a anistia e assinou um requerimento oficial, entregue ao presidente Hugo Motta. Segundo o Regimento, Motta tem de ler o requerimento em plenário e convocar votação para saber se os signatários confirmam a proposta. Em caso negativo, adeus. Mas, em caso afirmativo, não tem alternativa, e o presidente da Câmara é obrigado a respeitar a “urgência urgentíssima”, instrumento democrático criado justamente para que prevaleça a vontade da maioria e nenhum presidente de Mesa possa agir ditatorialmente. Comprem pipocas. (C.N.)

Ressarcimentos do INSS podem exigir realocação de verba, diz Tesouro

Ceron afirma que o INSS é o responsável por fazer o pagamento

Pedro do Coutto

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse na última terça-feira, que o ressarcimento dos desvios indevidos de benefícios do INSS pode exigir realocações no Orçamento Federal. Segundo ele, seria “natural” em uma eventual necessidade. Uma investigação da Polícia Federal mostrou em abril que associações e sindicatos conseguiram aproximadamente R$ 6,5 bilhões com esquema de retenção indevida de 2019 a 2024. Se todos os valores não forem recuperados, essa seria a quantidade desembolsada pelos cofres públicos para bancar a compensação. A Previdência tem um Orçamento trilionário.

“Pode eventualmente ter que tirar um adicional de alguma outra pasta para poder atender uma despesa de outro órgão. Isso é natural. Está tudo bem. E faz parte ali do processo”, declarou Ceron. O secretário afirmou mais de uma vez que a competência das devoluções é do INSS e que suas análises dizem respeito às visões da equipe econômica.

AGENDA – Segundo ele, o dinheiro economizado com revisões de cadastros em benefícios sociais também poderia ser utilizado para bancar o ressarcimento. “Tem toda uma agenda de revisão cadastral do INSS que tem gerado resultados e pode ser intensificada inclusive para abrir margem para acomodar esse tipo de ressarcimento, ainda que seja uma antecipação”, disse.

Uma realocação no Orçamento viria no Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas. O documento faz congelamentos nas verbas públicas para evitar aumentos excessivos nos gastos que prejudiquem as metas fiscais.

Segundo a Polícia Federal, sindicatos e associações realizavam um Acordo de Cooperação Técnica com o INSS para oferecer benefícios aos aposentados associados.  O acordo permitia que as entidades realizassem um desconto de “mensalidades associativas” na folha de pagamento dos beneficiários.

CADASTRO – Tais entidades cadastraram os aposentados sem a autorização, utilizando documentos e assinaturas falsas. As investigações indicam que não tinham estrutura para manter os serviços oferecidos. Com isso, falsificavam assinaturas para associar o pensionista a entidades e realizar os descontos automáticos na folha de pagamento dos beneficiários.

A Controladoria também identificou que 70% das 29 entidades analisadas não entregaram a documentação completa ao INSS. A PF informou que apreendeu carros de luxo, dinheiro em espécie, joias e quadros. Os valores totais e a quantidade exata ainda estão em levantamento.

No fundo da questão, a verdade é que no fim das contas o governo acabará tendo que pagar R$ 6 bilhões aos aposentados e pensionistas do INSS que foram vítimas de um roubo colossal tramado por criminosos. E agora, quando se fala em devolver o dinheiro, o governo federal para poder equilibrar o que ocorreu terá que injetar recursos do Tesouro para cobrir os prejuízos mais prováveis. Vejam a quanto anda as atividades, características de ações que perduraram por anos.

OMISSÃO – Essa despesa, assim, não era prevista, mas terá que ser concretizada através de recursos que sairão dos bolsos da própria sociedade. Impressionante como nada foi feito durante todo esse período, inclusive com o fato de o ministro Carlos Lupi não ter dado a devida importância aos fatos, omitindo-se completamente .

É preciso ver como a falsificação ocorreu para que os responsáveis possam ser penalizados. O governo tenta reverter a crise, passando a usar um tom a favor da apuração das responsabilidades. Mas isso é uma obrigação. É incrível como ainda aconteçam coisas desse tipo no Brasil.

Até um policial federal aparece envolvido no golpe do INSS contra os aposentados

Fraude no INSS: quem é o policial federal suspeito de participar do esquema

Philipe Coutinho, agente da PF, fazia parte da quadrilha

Renato AlvesO Tempo

Há até um policial federal entre os ex-diretores do INSS e pessoas relacionadas a eles que receberam mais de R$ 17 milhões em transferências de indivíduos apontados como intermediários das associações que faziam descontos ilegais nos contracheques de aposentados e pensionistas.

Esta é apenas uma das informações que constam em relatório da Polícia Federal (PF) que convenceu a Justiça a expedir mandados de buscas, apreensão e prisão para a Operação Sem Desconto, desencadeada na semana passada.

ALVO DA OPERAÇÃO – Além de ex-dirigentes do INSS, o policial federal Philipe Roters Coutinho é investigado no esquema de descontos ilegais do INSS. Tendo ingressado na PF em 1997, ele estava lotado no aeroporto de Congonhas, quando foi alvo de busca e apreensão para “esclarecer sua participação”.

Philipe Coutinho aparece em imagens do circuito de segurança de Congonhas dando uma carona a dois investigados pelas fraudes no INSS. Prints e descrições dos vídeos constam no relatório da PF que desencadeou na Operação Sem Desconto.

Em uma das imagens, de 28 de novembro de 2024, Philipe Coutinho encontra Virgílio Oliveira Filho, então procurador do INSS, e Danilo Berndt Trento, na área de embarque do aeroporto. Philipe conduz Trento e Virgílio a saírem pela porta de acesso ao desembarque remoto.

VELHO ESPERTALHÃO – Danilo Trento ficou conhecido nacionalmente em 2021, quando era diretor da Precisa Medicamentos e foi alvo da CPI da Covid no Senado no caso envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.

Trento também é investigado pela PF por ter recebido R$ 990 mil em pagamentos feitos pelo empresário Maurício Camisotti, suspeito de usar laranjas para operar três entidades que faturaram, juntas, R$ 580 milhões com descontos sobre aposentadorias.

“Destaca-se que a área de embarque e desembarque remoto é de circulação restrita, acessível apenas para quem embarca ou desembarca via ônibus ou para quem presta serviço dentro do aeroporto, com a devida autorização legal. Não obstante isso, observa-se que Philipe Roters conduz Virgílio e Danilo por toda a área restrita”, observa a PF.

ANDARAM NA VIATURA – A PF chama a atenção para o fato de os três terem embarcado em uma viatura Polícia Federal, “para uso exclusivo em serviço por policiais federais”. A carona foi em direção ao embarque de aviões privados. Dez minutos depois da carona, o avião decolou.

“Sobre o agente de Polícia Federal Philipe Roters Coutinho, além da ilegalidade da conduta acima apresentada, possui, assim como diversos investigados, movimentações em viagens com perfil de compra atípico, consubstanciadas em deslocamentos com compra de passagens ‘em cima da hora’ e voos ‘bate/volta’, principalmente para Brasília”, diz a PF.

Roters foi ser afastado da função por decisão judicial, no desencadeamento da Operação Sem Desconto. O policial federal, assim como outros citados, não havia se pronunciado até a mais recente atualização desta reportagem.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Vejam a que ponto chegam a esculhambação e a criminalidade no Brasil de hoje, em que um policial federal entra em quadrilha, serve de cicerone aos criminosos e ainda dá carona a eles na viatura policial que os deveria conduzir algemados. E já se sabe que nada vai acontecer a eles. O ex-ministro petista Paulo Bernardo, que “inventou” esse golpe em aposentados, está livre, leve e solto no Paraná, curtindo duas aposentadorias – da Câmara Federal e do Banco do Brasil. “Que país é esse”, perguntaria o ex-governador Francelino Pereira, para Renato Russo fazer a canção de protesto. (C.N.)

Collor estaria aplicando o mesmo golpe de Maluf para ter prisão domiciliar

Collor interpreta papel de maluco com a maior facilidade

Carlos Newton

Depois de anos e anos de recursos e apelações, em 20 de dezembro de 2017 o deputado Paulo Maluf enfim foi preso pelo Supremo e imediatamente assumiu um novo personagem. Além de político hábil e desonesto, Maluf demonstrou ser também um extraordinário ator.

Com impressionante desenvoltura, passou a interpretar o papel de preso idoso e doente, cujo estado de saúde começou a preocupar os companheiros de cela e a diretoria do presídio.

Maluf tinha dificuldades para se locomover, não dormia direito à noite, precisava urinar a todo momento, era um problema ir até a privada, os outros detentos precisavam ajudar, a cela se tornou um inferno.

CÂNCER MALIGNO – Sua defesa então ingressou com um pedido de prisão domiciliar, alegando que Maluf tinha câncer maligno e precisava se tratar fora da penitenciária. Antes mesmo de receber os prontuários e exames médicos, o emotivo ministro Dias Toffoli concedeu habeas corpus em 28 de março, colocando o deputado em prisão domiciliar.

Em tradução simultânea, o espertíssimo Maluf ficou menos de 90 dias preso, porque Toffoli não examinou o caso, foi logo aceitando o habeas corpus. Se tivesse exigido os atestados médicos e exames oncológicos, teria ficado sabendo que Maluf teve câncer, mas retirou a próstata em 1990 e não houve remissão. Desde então, era considerado sadio e nem tomava medicamento.

A única punição veio pela Câmara, que cassou o mandato de Maluf, que desde então está fora da política, vivendo como um nababo com o dinheiro que extraiu dos cofres públicos.

AGORA É COLLOR – Sete anos depois, aparece Collor no mesmo papel interpretado por Maluf. Mas ele dobrou a aposta – além de doenças graves, Collor demonstra também desequilíbrio mental, que é o seu forte. Assim, chegou sozinho ao aeroporto de Maceió em plena madrugada, quando não há voos, dizendo ter passagem para viajar a Brasília e se entregar à Justiça.

Preso na Polícia Federal, Collor disse ao juiz de custódia que estava sadio, não tinha nenhuma doença. Ao mesmo tempo, seus advogados alegavam no Supremo que ele está com Mal de Parkinson, bipolaridade e apneia do sono grave. Afirmaram que ele toma diariamente oito remédios pesados.

Mas Collor chegou ao aeroporto sem nenhum remédio no bolso, desacompanhado, como se não tivesse mulher, filhos e empregados, ninguém que se preocupasse com um idoso tão doente que faz pena. “Oh, coitado!”, diria a comediante Gorete Milagres.

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P.S. 1
Collor já venceu o primeiro round, pois o procurador-geral Paulo Gonet aceitou prontamente a prisão domiciliar, antes mesmo de analisar os prontuários médicos. Gonet ficou impressionado com o deplorável estado de saúde daquele outrora atlético presidente da República. Só faltou pedir desculpas por ter concordado com a prisão de Collor pelo desvio de parcos R$ 20 milhões.

P.S. 2Falta agora o round decisivo, contra o ministro Alexandre de Moraes, que está exigindo histórico médico, prontuários, laudos e exames que comprovem as comorbidades. Alguns documentos já foram entregues pela defesa, mas não será fácil vencer a reticência de Moraes. Essa bagaça pode não acabar bem. (C.N.)