Paulo Peres
Poemas & Canções
O jornalista, cronista, romancista, contista, ensaísta e poeta alagoano Lêdo Ivo (1924-2012), sempre demonstrava grande preocupação com as desigualdades sociais, como fica demonstrado em “Os pobres da Estação Rodoviária”, escrito numa mistura de prosa e poesia.
OS POBRES DA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA
Lêdo Ivo
Os pobres viajam. Na estação rodoviária
eles alteiam os pescoços como gansos para olhar
os letreiros dos ônibus. E seus olhares
são de quem teme perder alguma coisa:
a mala que guarda um rádio de pilha e um casaco
que tem a cor do frio num dia sem sonhos,
o sanduíche de mortadela do fundo da sacola,
e o sol de subúrbio e poeira além dos viadutos.
Entre o rumor dos alto-falantes e o arquejo dos ônibus
eles temem perder a própria viagem
escondida na névoa dos horários.
Os que dormitam nos bancos acordam assustados,
embora os pesadelos sejam um privilégio
dos que abastecem o ouvido e o tédio dos psicanalistas
em consultórios assépticos como o algodão
que tapa o nariz dos mortos.
Nas filas os pobres assumem um ar grave
que une temor, impaciência e submissão.
Como os pobres são grotescos! E como os seus odores
nos incomodam mesmo à distância.
E não têm a noção das conveniências,
não sabem portar-se em público.
O dedo sujo de nicotina esfrega o olho irritado
que do sonho reteve apenas a remela.
Do seio caído e túrgido um filete de leite
escorre para a pequena boca habituada ao choro.
Na plataforma, eles vão e vêm, saltam
e seguram malas e embrulhos,
fazem perguntas descabidas nos guichês,
sussurram palavras misteriosas
e contemplam as capas das revistas com o ar espantado
de quem não sabe o caminho do salão da vida.
Por que esse ir e vir? E essas roupas espalhafatosas,
esses amarelos de azeite de dendê que doem na vista delicada
do viajante obrigado a suportar tantos cheiros incômodos,
e esses vermelhos contundentes de feira e mafuá?
Os pobres não sabem viajar nem sabem vestir-se.
Tampouco sabem morar: não têm noção do conforto
embora alguns deles possuam até televisão.
Na verdade os pobres não sabem nem morrer.
(Têm quase sempre uma morte feia e deselegante).
E em qualquer lugar do mundo eles incomodam,
viajantes importunos que ocupam os nossos
lugares mesmo quando estamos sentados e eles viajam de pé.
1) O tema da bela poesia me fez lembrar do livro “Justiça Divina” de Francisco Cândido Xavier…
2) Ao longo das 192 páginas o Espírito de Emmanuel vai tecendo comentários e reflexões com base na Filosofia Kardecista…
3) Se no plano terreno a Justiça dos Homens é tão difícil, pelo menos, da Justiça Divina ninguém escapa…
4) É o chamado karma ou Lei de Ação e Reação e aí, todos os seres humanos estão inseridos…
Lancinante a visão de Ledo Ivo, o poeta alagoano, sobre a vida dos pobres das Estações de trem das Rodoviárias. Chegando e saindo com olhares tristes, esperando um milagre qualquer, que nunca vem. Os santos não podem fazer nada e os patrões mal pagam seus parcos salários de fome.