Algo de podre é perceptível de forma aguda no Rio, corrompendo e matando

Favelas ocupadas no Rio não registram os maiores índices criminais, indica  estudo - 02/02/2022 - Cotidiano - Folha

A milícia tornou-se um poder paralelo no Rio de Janeiro

Muniz Sodré
Folha

“Há algo de podre no reino da Dinamarca”. A célebre frase de Marcellus (em “Hamlet”, de Shakespeare) não conota nenhuma sensação física, mas moral, relativa a um mal oculto e manifestado em homicídios e traições. É o tempo de incubação da violência, de cuja regra maléfica se alimentam feras à espreita de vítimas.

Há algo de podre no Estado brasileiro, agora perceptível de forma aguda no Rio de Janeiro, no episódio do assassinato de Marielle, em que os fios da meada criminosa, separados na aparência, se entrelaçam.

FEDIA DEMAIS – Esse odor já feria narinas sensíveis depois do crime, quando em palanque público se quebrou uma placa de rua que homenageava a vereadora. Como num pesadelo delirante, pessoas distantes da materialidade da execução, exultavam em pisotear a memória da morta.

Um ato tão torpe quanto a motivação do atentado. Mas elegeu deputados e um governador de estado. Se alguma explicação racional para o crime se obtém com a prisão dos mandantes, a anomalia da placa permanece, para além da razão, como puro sintoma de apodrecimento.

Esse olfato crítico ancora numa paisagem política que relega os mais pobres a guetos desemparados. Como formigas que convivem com pulgões para torná-los reservas de proteínas, as classes dirigentes segregam pobres e pretos, rareando a presença do Estado e confinando-os a formas marginais de poder. Acontece no Rio, também em São Paulo, onde atualmente a polícia tem licença para matar.

PODER EXTORSIVO – Por perversa simbiose, essa marginalidade pactua com dispositivos oficiais de controle da população, como administrações e polícia, encarregadas de impostos e penalizações.

Bicheiros, traficantes e milicianos transformam o pacto em extorsão, constituindo um tipo de poder capaz de competir pelo domínio territorial e pela oferta de serviços na cidade.

Não à toa, o ex-presidente, em plena febre do poder, disse que não renunciaria à indicação de um superintendente da Polícia Federal no Rio. Atraído pelo odor, claro, mas moldado pelas características vantajosas do estado aberto à ampliação como reduto da ultradireita. Um bolo de padaria confeitado com leite condensado e sobrevoado por moscas varejeiras.

APODRECIMENTO – “Toda família tem uma hora em que começa a apodrecer”, descortina o espírito penetrante de Nelson Rodrigues (em “Flor de Obsessão”). A boutade retórica enseja um paralelo realista com o Estado.

Recentes governadores cariocas pareciam inspirar-se em Bokassa, o esdrúxulo e corrupto imperador da República Centro-Africana: um deles, sem pudor, importou por 100 mil reais um vaso sanitário polonês que aquece as partes pudendas.

À sua sombra, expandiu-se e se entranhou nas instituições a cultura do crime. Esse pútrido aparelho burocrático, carta branca para a morte de Marielle, continua corrompendo e matando.

8 thoughts on “Algo de podre é perceptível de forma aguda no Rio, corrompendo e matando

  1. Contas públicas têm rombo recorde de R$ 48,69 bilhões em fevereiro

    Resultado é o pior desde início da série histórica, em 2001; segundo o BC, aumento do déficit foi provocado pelo pagamento de precatórios

  2. Por falar em algo de podre, será que a (in)justiça está podre.?

    Juíza que negou pedido de prisão de motorista de Porsche manteve ladrão de desodorante preso; entenda

    Magistrada que negou pedido de prisão de dono de Porsche envolvido na morte de motorista, manteve homem acusado de furto em mercado preso

    https://www.terra.com.br/noticias/justica/juiza-que-negou-pedido-de-prisao-de-motorista-de-porsche-manteve-ladrao-de-desodorante-preso-entenda,642ab5af1eb64b2b36e3e92eabb5985bmxlsqycn.html?utm_source=clipboard

  3. Pensamento animador desse cara. Só o Rio está “podre”, todo esse País, está podre. Tudo por causa de um judiciário caro e ineficiente e uma grande maioria dos nossos políticos sem qualidade e competencia

  4. o ex-presidente, em plena febre do poder, disse que não renunciaria à indicação de um superintendente da Polícia Federal no Rio“.

    Que febre é esta, pusilânime senhor, que não fez o ex-presidente visitar o Complexo da Maré e o Complexo do Alemão ? É difícil admitir que o MJ e Presidência legitimaram o Comando Vermelho no Rio de Janeiro ?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *