Carlos Newton
Quando o tempo assentar a poeira dessa época pateticamente conturbada, caberá aos historiadores e cientistas políticos analisar e julgar os marcantes episódios da condenação, prisão e soltura do presidente Lula da Silva, como líder do maior esquema de corrupção já investigado no mundo e que levou à prisão de oito presidentes latino-americanos e ao suicídio de um deles, o peruano Alan Garcia, que não aceitou ser preso.
Recorde-se que, enquanto a Operação Lava Jato atingia apenas políticos do PT e de partidos a ele ligados, o Supremo Tribunal Federal teve um comportamento linear, condenando os envolvidos, na forma da lei, conforme seria de se esperar. Até que as coisas começaram a mudar.
NOVA REALIDADE – A Justiça de primeira instância começou a pegar os políticos da elite, de grandes partidos, especialmente do PMDB e do PSDB, porque no Brasil e na América Latina a corrupção é contagiosa e não respeita opções partidárias ou ideológicas, cai tudo no mesmo saco.
A partir daí, ouve uma mudança de comportamento dos ministros do Supremo, como se as três instâncias inferiores estivessem ultrapassando determinados limites que passavam imperceptíveis. E o quadro jurídico começou a se alterar, com as primeiras críticas ao rigor da Lava Jato.
Até que, em 7 de novembro de 2019, o plenário julgou uma condição jurídica já cristalizadas em todos os 193 países da ONU — a presunção de inocência. O nome de Lula da Silva nem era mencionado nas ações em pauta, mas era ele quem estava em julgamento.
DECISÃO APERTADA – O extemporâneo e estranho julgamento discutia se a execução da pena após a condenação em segunda instância violaria o princípio da presunção de inocência. Seis ministros votaram a favor dessa ultrapassada tese, enquanto apenas cinco defenderam o entendimento jurídico unânime de todos os demais países da ONU.
Para garantir a soltura de Lula, já condenado pelo STJ, o presidente Dias Toffoli, sem colocar o tema em julgamento, teve de determinar que a presunção de inocência só desapareceria após a quarta instância (STF), embora a maioria dos países do mundo tenha apenas três instâncias. E Lula foi solto.
Um ano e meio depois, em 15 de abril de 2021, mais uma inovação jurídica do Supremo, ao anular todas as condenações de Lula, a pretexto de terem sido julgadas numa Vara fora do local da prática dos crimes.
GRANDE SURPRESA – Apesar de se tratar de um contrassenso, pois em nenhum país do mundo existe “incompetência territorial absoluta’, oito ministros do Supremo votaram para anular as condenações de Lula, que foram decididas por unanimidade em três instâncias.
A decisão era tão absurda que os ministros nem conseguiram definir qual seria a “competência” correta. Tiverem de marcar nova sessão, para decidir se os processos contra Lula seriam remetidos para a Justiça Federal do DF ou para a de São Paulo, vejam a que ponto chegamos, mas o que importava é que Lula poderia voltar à política.
Na sequência, em outro julgamento foi aprovada por oito a três a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, uma ação já inepta, devido à anulação das condenações de Lula, a alma mais honesta deste país, é bom lembrar.
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P. S. 1 – Bem, depois que a porta da legalidade foi arrombada, outras decisões políticas passaram a ser adotadas, inclusive no TSE, com a cassação irregular do deputado Deltan Dallagnon, jogando na lata do lixo os 345 mil votos por ele recebidos, e a condenação de Jair Bolsonaro, por ter reunido embaixadores no Alvorada, após Edson Fachin ter feito o mesmo no TSE. Foi uma condenação apressada e desnecessária, porque Bolsonaro responde a processos bem mais sérios e procedentes, o TSE poderia ter esperado.
P. S. 2 – Por fim, historiadores e cientistas políticos, ao analisar essa etapa da Justiça brasileira, perceberão que no Supremo apenas um ministro votou contra todas essas decisões políticas. Foi Luiz Fux, que chegou a ponto de chamar atenção do plenário para o fato de Moro estar sendo condenado com base em provas inteiramente ilegais. Mas não adiantou nada. Fux ficou falando sozinho. (C.N.)
Não só o stf. Sim, em minúsculas. O judiciário brasileiro tem cara de réu.
Esta hora do café da manhã e recebo com alegria este presente de texto que nos chama a memória os fatos mostrando a decadência a que chegamos. Grato CN!
De novo ou novamente. Parece aquela historia de contar a mentira até que ela se transforme em verdade.
Se houve casuísmo, ela ocorreu em 2016, quando a mínima maioria do STF interpretou o ininterpretável texto da CF, haja vista que em 2009 esse tema já tinha sido julgado e por 7 x 4, o STF corretamente chegou à conclusão de que não cabia prisão após condenação em segunda instância, ressalvadas as exceções previstas.
Em 2019, juridicamente e não politicamente, o STF por maioria, retornou ao seu papel de guardião da CF, desta vez interpretando corretamente o texto da CF, ratificado pelo artigo 283 do CPP.
Caro Carlos Newton, lembremos da última(?) gôta d’dágua, ou pública e multilateral pá de cal….Zanin!
À quem interessa esses degradantes movimentos?
Quem exigente e a gosto está propondo tais deslavadas decisões?
Sou leigo em direito, para eu dar palpite, vou aguardar as investigações sobre a atuação de Sérgio Moro, Dallagnol, da 13ª vara e da o TRF4. Pelo que se anuncia, não é pouca coisa.
A verdade do presente, pode-se descobrir no futuro que foi uma mentira. Isso pode acontecer no judiciário e na política.
Se tivesse prevalecido o golpe, se não todos, mas quase todos crimes que Bolsonaro cometeu, iriam para baixo do tapete.
No momento, prefiro discutir a política do governo Lula e torcer para que acerte, caso contrário, nós é que pagaremos a conta e o risco da volta do bolsonarismo.
Devemos dar graças a Deus de nos livrar de uma ditadura de extrema direita religiosa, que é pior das ditaduras.
Então vai de Joseph, Mao, Pol Pot, Adolph etc etc , por conta da última frase.
Não há ditadura boa.
Caro Antônio, é verdade, nenhuma ditadura é boa, mas a pior, a meu ver, é a de estrema direita religiosa.
Carlos Newton,
Artigo excelente!
Parabéns!
Vindo de um advogado de seu porte. Dr. Werneck, este elogio vale por mil.
Forte abraço,
CN