Quem recusa convite de Gilmar para participar de seu evento em Portugal?

Gilmar Mendes, 'o tucano de toga', blinda Aécio Neves, denunciam petistas

Charge do Pataxó (Arquivo Google)

Conrado Hübner Mendes
Folha

Todo ano, pelo menos desde aquela sexta-feira pré-feriado de março de 2016, quando Gilmar Mendes, sozinho, impediu que Lula fosse nomeado ministro e abriu caminho para sua prisão, a cúpula do poder político, jurídico e econômico brasileiro se desloca para Lisboa por uns dias. Proprietário da empresa organizadora do evento, uma sociedade familiar com fins lucrativos, o ministro é anfitrião de encontro único no mundo.

Estavam no programa o vice-presidente Michel Temer, os senadores Aécio Neves e José Serra, empresários como o presidente da Fiesp, políticos de amplo espectro partidário, ministros do STF, advogados etc. Aquela liminar monocrática, com tese jurídica inédita, nunca chegou ao plenário. O resto é história. Mais precisamente: um capítulo da história do protagonismo do STF na degradação da democracia brasileira.

LOBBY ABERTO – Demorou para a esfera pública dar atenção ao curioso hábito de juízes das altas cortes frequentarem com tanta naturalidade o ambiente lobístico dentro e fora do país.

E demorou para se escandalizar com esse evento aos cuidados de empreendimento privado de ministro. Onde se costuma gastar, como já se apurou no passado, quantia incerta de recursos públicos (viagens de autoridades etc.).

Na semana que vem, a partir de 26 de junho, acontece o Fórum Jurídico de Lisboa 2024. Repórteres buscam pela lista oficial de palestrantes, ainda não divulgada. Nota do Poder360 anunciava dias atrás alguns participantes: todos os 11 ministros do STF, 12 dos 33 ministros do STJ, 5 dos 7 ministros do TSE, 14 dos 39 ministros de Estado, 9 dos 27 governadores, os presidentes da Câmara e do Senado.

“CONFIRMADOS” – Logo veio o desmentido. Aparentemente, alguém confundiu convidados com confirmados. É fundamental observar a distância entre um e outro. E procurar saber: quem recusa convite de Gilmar?

A resposta nos fornece um indicador de conjuntura das correlações de poder em Brasília. E outro indicador de ética profissional (judicial, empresarial, advocatícia).

Mesmo que lá não apareçam o deputado líder da “bancada do estupro” (como ficou conhecida a defesa do projeto de lei que equipara meninas estupradas que realizam aborto legal a homicidas); o senador líder da bancada da guerra a preto pobre (veiculada na proposta de emenda para criminalizar o porte de drogas); mesmo na ausência dos governadores a favor da letalidade policial, qual a gravidade do evento?

ALGO DE CORRUPTO – A qualidade dos eventuais comensais pode trazer tempero de perversidade, mas não traduz a essência do problema.

Mesmo se lá estivessem só pessoas de boas intenções, conforme o autoteste de caráter que o ministro Barroso sugere para aferir conflito de interesses, há na operação algo de estruturalmente corrupto (na acepção da sociologia política).

Pelo menos três dimensões de ilegalidade se destacam. A primeira: o modelo de negócio da empresa, em especial suas práticas, não parece compatível com as vedações da Constituição à magistratura, nem mesmo com as da Lei Orgânica (Loman). A segunda: parceiros, patrocinadores e participantes, sem exceção, têm interesses nos casos do STF. A terceira: o encontro dissimula o negocial sob a capa de atividade acadêmica.

LASSIDÃO ÉTICA – O evento também demonstra com eloquência uma cultura de lassidão ética das profissões jurídicas: apesar das especificidades das normas que disciplinam diferentes operadores do Estado de Direito (juízes, promotores, procuradores, advogados de Estado, advogados privados), estão todos lá. Retroalimentam-se numa violação ética compartilhada, não exclusiva de juízes.

Está na hora de a esfera pública descobrir a quebra de decoro advocatício. Advogados estão acostumados a caminhar num terreno livre da interpelação ética. Mas essa desejada liberdade não está entre suas prerrogativas (direitos especiais da corporação na defesa de clientes). O zelo pela respeitabilidade da profissão não tem sido proporcional ao zelo pelo qual tais prerrogativas são tradicionalmente defendidas.

Como se pode atribuir caráter republicano à reivindicação de prerrogativas quando se participa, em paralelo, desse singular encontro antirrepublicano?

CONVITE IRRESISTÍVEL – Importante perguntar por que, para tantos advogados e advogadas sérias, esse convite a Lisboa é tão irresistível. E perceber se a óbvia resposta a essa pergunta tem conexão com crônicos vícios da política do país.

Porque, se tiver, há também algum grau de cumplicidade. Ainda que involuntária. Ainda que compense para o cliente do advogado que pode se dar essa viagem. E se perpetue o acesso segregado a cortes superiores.

 

 

5 thoughts on “Quem recusa convite de Gilmar para participar de seu evento em Portugal?

  1. Não é a toa que esse País está apodrecendo em todos os níveis, esse é um caso que nos mostra isso o judiciário se jendeu. Hoje a balança está desequilibrada.

  2. e quem se importa? Com esta canalha do Judiciário ninguém, em são consciência se mete, porque sabe que há milhares de juízes que agem como o Xandão cabeça de ovo, manda prender em nome da “defesa da democracia”. Eu, pelo menos, não quero ir parar na cadeia.

  3. Deveríamos começar equilibrando os poderes.

    Como pode o Conselho Corporativista Nacional de Justiça fiscalizar o próprio Judiciário com a estrutura viciada que tem?

    Os Tribunais de Contas deveriam fazer uma devassa na Caixa Preto do Judiciário.

    Se a Lava Jato está sendo sepultada.

    Imagine a sonhada Lava Toga?

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