Carlos Newton
A grande novidade no caso da usurpação da TV Paulista por Roberto Marinho, na criação da Rede Globo é a notícia que publicamos nesta segunda-feira, dia 09, com absoluta exclusividade, dando conta de que foi encontrado no Ministério das Comunicações um número enorme de documentos adulterados, que há décadas vinham sendo exigidos na Justiça pelos herdeiros do ex-deputado Ortiz Monteiro, verdadeiro criador e controlador da emissora.
Esses documentos agora podem servir de prova material contra Marinho e mudar o curso do processo movido contra ele e a Rede Globo, para retomada do controle de emissora.
Os crimes de Marinho ocorreram no início do regime militar, quando ele necessitava desesperadamente de uma emissora em São Paulo, para formar uma rede e enfrentar a poderosa Tupi, de Assis Chateaubriand. Para assumir a TV Paulista e transformá-la em TV Globo de São Paulo, o empresário carioca fez um acordo com o então administrador da TV Paulista, Victor Costa Júnior, que recebeu o equivalente a US$ 2 milhões, sem ser dono de uma só ação da emissora, e repentinamente Marinho assumiu o controle do canal 5, como se ele lhe pertencesse.
MEDO DA DITADURA – Com medo de retaliações da ditadura militar, que poderia cassá-lo, estatizar seu grupo de empresas e até prendê-lo, como aconteceu com Rubem Paiva, que também era empresário, o deputado Ortiz Monteiro não teve como enfrentar Roberto Marinho, não entrou na Justiça para retomar a TV Paulista e nem tocava no assunto.
Após a morte de Ortiz Monteiro, seus herdeiros não encontraram em seus papeis nenhum documento que comprovasse a venda da emissora para Marinho. Procuraram a TV Globo e pediram cópias dos contratos, mas Roberto Marinho negou. Sem alternativa, entraram na Justiça e solicitaram a exibição dos documentos. O juiz deferiu, mas Marinho entregou papéis sem a menor validade, grotescamente falsificados, e os herdeiros então passaram a mover uma ação judicial para retomar o controle da emissora.
Sob justificativa de uma insustentável “prescrição” dessas falsificações, a Justiça sempre se recusou a devolver a TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo) à família Ortiz Monteiro, que ainda não desistiu da ação e pretende reativá-la.
PEITANDO MARINHO – No regime militar, por incrível que pareça, havia quem peitasse Roberto Marinho. Na ocasião, o CONTEL, presidido por Quandt de Oliveira, depois ministro das Comunicações, condicionou a aprovação do ingresso de Marinho como concessionário e único controlador da TV Paulista à exibição da relação completa dos nomes de todos os acionistas fundadores da emissora, com respectivos comprovantes de suas ações ordinárias e preferenciais.
Apesar de Marinho ser favorecido pelos governantes militares, alguns zelosos e legalistas servidores públicos federais não deram sossego ao novo concessionário. Entre 1970 e 1977, chegaram a aventar a possibilidade de cassação da concessão, caso a Portaria 163/65 não fosse integralmente cumprida. Mas ficou só na ameaça. O que é muito compreensível.
Agora, as múltiplas falsificações e irregularidades cometidas por Roberto Marinho, reiteradas vezes denunciadas, ganham uma importância inimaginável, porque passaram a existir provas materiais desses crimes, que não podem ser desprezadas.
ILEGALIDADES – Por insistência da defesa dos herdeiros do ex-deputado, em dois processos administrativos arquivados no Ministério das Comunicações acaba de ser descoberto grande número de termos de transferência de ações da maioria absoluta dos sócios verdadeiros, dados como mortos por Roberto Marinho em assembleias de acionistas, nas quais o próprio Roberto Marinho se apossou das ações deles.
Esses impressionantes documentos encontrados no Ministério das Comunicações, em mais de quinhentas páginas com sequência numérica adulterada, trazem informes falsos e foram assinadas por dois diretores da própria TV Globo de São Paulo. Um, como procurador de centenas de acionistas mortos ou moradores em endereços desconhecidos, e o outro, como procurador do próprio Roberto Marinho.
No entanto, junto a esses falsos termos de transferência das ações não foi encontrada nenhuma procuração validando os documentos “assinados” pelos procuradores, que na verdade jamais foram nomeados representantes dos supostos cedentes e do cessionário.
VIVOS E MORTOS – E foi nesse contexto frágil e nada enobrecedor, que, sem saída, Roberto Marinho elaborou sua última cartada. Com a tolerância do governo Geisel, simulou uma nova Assembleia Geral Extraordinária, na qual ficou decidido por ele que os sócios não presentes, que, segundo ele já estariam mortos ou em locais não sabidos, teriam suas ações transferidas para seu nome, sem contrapartida, visto que mortos não ressuscitam para cobrar faturas ou direitos.
Teve a ousadia de, por “esquecimento”, anotar na ata da assembleia de 30 de junho de 1976, que os acionistas membros da família Ortiz Monteiro estiveram presentes, mas já estavam mortos há mais de dez anos. E ao contrário, na assembleia anterior, em 1965, outras destacadas personalidades do mundo político e empresarial, que Marinho dava como já falecidas, na verdade estavam muito vivas, como o senador José Ermírio de Moraes, criador do grupo empresarial brasileiro Votorantim, que morreu em 1973; Antonio Silvio Cunha Bueno, deputado federal por 4 legislaturas, falecido em 1981.
Também foram dados como mortos os acionistas Waldemar Seyssel, o famoso palhaço “Arrelia”, morto em 2005; Oscar Americano de Caldas Filho, proprietário da Companhia Brasileira de Projetos e Obras; Abrahão Jacob Lafer, industrial; Raphael Noschese, empresário emérito, duas vezes presidente da Fiesp, que morreu com 90 anos em 2000; Romeu Trussardi, empresário, foi presidente da Associação Comercial de São Paulo e faleceu em 2021, com 91 anos. A lista é interminável.
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P.S – Recentemente, em seguidas oportunidades no Ministério da Comunicações, as autoridades de fiscalização de emissoras de televisão, ao tratarem dessa matéria, fizeram questão de ressaltar que a nulidade das portarias da Rede Globo só seria examinada se ficasse comprovada a má-fé com que teriam ou não agido os beneficiários desses atos administrativos. Bem, agora, a má fé está mais do que comprovada, propiciando que seja retomada a questão judicial movida pelos herdeiros dos verdadeiros controladores da antiga TV Paulista. Vamos aguardar e cobrar. (C.N.)