Biden tornou-se refém de Netanyahu, que ironiza e despreza as orientações dos EUA

Presidente dos EUA, Joe Biden (D), aperta a mão do premier israelense, Benjamin Netanyahu

Biden apoia Israel em tudo, mas Netanyahu não o respeita

Demétrio Magnoli
O Globo

“Esse filho da puta, Bibi Netanyahu, ele é um cara mau” — segundo o novo livro do jornalista Bob Woodward, célebre pela revelação do caso Watergate, Joe Biden pronunciou tais palavras numa conversa privada em abril. Se for verdade, não faltam motivos: ninguém nunca humilhou tanto um presidente dos Estados Unidos como o primeiro-ministro de Israel.

Há um ano, logo depois do 7 de Outubro, dia da infâmia, Biden deu um abraço de urso em Netanyahu e ofereceu-lhe o mapa de uma operação geopolítica sofisticada. Israel deveria atingir o Hamas com precisão cirúrgica, evitando uma guerra de punição coletiva dos palestinos. O objetivo era firmar uma aliança estratégica com a Arábia Saudita e os países árabes moderados para isolar o Irã, extirpar o Hamas de Gaza e substituí-lo por uma Autoridade Palestina reformada. No fim da estrada, surgiria um Estado Palestino desarmado e um sistema de paz e segurança regional.

APENAS O ABRAÇO – O “cara mau” aceitou o abraço, que veio com um caudaloso suprimento de armas, mas nunca orientou-se pelo mapa americano. No lugar do interesse nacional de Israel, guiou-se por seus interesses políticos particulares: a manutenção de uma maioria parlamentar que depende de aliados extremistas. Para tanto, definiu metas militares utópicas, prometendo destruir o Hamas por meios exclusivamente bélicos.

— Bibi, você não tem uma estratégia — bradou Biden ao telefone, segundo Woodward, no mesmo abril.

Não era verdade. A guerra sem política e sem fim configurou uma estratégia eficiente para atravessar o deserto, evitando eleições antecipadas. Em sua marcha forçada, Netanyahu reduziu Gaza a pilhas de ruínas, sacrificou mais de 40 mil palestinos, em sua maioria civis, e feriu a legitimidade internacional de Israel — tudo isso pelo uso indiscriminado de bombas americanas.

Biden agiu sempre como refém voluntário, pressionando ininterruptamente por cessar-fogo, mas se negando a suspender o envio dos meios de destruição indispensáveis ao plano de Netanyahu. A síndrome de Estocolmo derivou, em parte, do apego emocional do presidente americano à segurança israelense e, talvez em parte maior, do temor da crítica de Trump na moldura da corrida eleitoral nos Estados Unidos.

SETE VIDAS? – Netanyahu tem mais que sete vidas. Diante do longo impasse militar em Gaza, com a transformação do Hamas em insurgência guerrilheira, apostou suas fichas remanescentes no transbordamento da guerra rumo ao Líbano e, portanto, numa possível confrontação direta com o Irã. Os ousados golpes assestados contra o Hezbollah e o desafio ao regime teocrático iraniano restauraram parte da popularidade doméstica do “cara mau”.

A guerra em todas as frentes encaixotou diplomaticamente os Estados Unidos. Como condicionar o apoio ao Estado judeu no exato momento em que sua existência corre risco real? O erro original traz implicações inevitáveis. Ao proporcionar os meios para a guerra sem política de Netanyahu, Biden deixou-se colher num vórtice inescapável.

A resposta americana à hipótese de uma escalada iraniana é o envio de forças aeronavais cada vez mais vultosas ao teatro de guerra do Oriente Médio — gesto que, por sua vez, encoraja o “cara mau” a dobrar sua aposta.

DESTRUIÇÃO EM MASSA – O regime iraniano, odiado por um povo exausto, não queria a guerra contra Israel, que tem o potencial de implodi-lo. Contudo não pode assistir passivamente ao estrangulamento do Hezbollah, peça-chave do “eixo da resistência”, que desmoralizaria o conjunto de sua política externa. Se o aparato estatal dos aiatolás sobreviver à tempestade, sua única alternativa será edificar um arsenal de dissuasão nuclear. A guerra de Netanyahu é o prelúdio de uma corrida regional às armas de destruição em massa.

Biden tornou-se refém de Bibi — mas Bibi é refém dos extremistas que sustentam sua coalizão. No fim das contas, a política da maior potência mundial para o Oriente Médio é esculpida pelas franjas degeneradas da política israelense.

Ao abraçar o “cara mau”, Biden abraçava Smotrich e Ben-Gvir, os supremacistas judaicos delinquentes que dão as cartas num país à deriva. Isso, o presidente americano tinha o dever de pressentir.

4 thoughts on “Biden tornou-se refém de Netanyahu, que ironiza e despreza as orientações dos EUA

  1. Israel é apenas um “porta-aviões” do império atracado no meio do Oriente Médio. Eles não fariam nada sem a benção dos seus comandantes em Washington.
    Essa tese de que Israel age à revelia dos EUA não cola.

  2. Duvido muito de que os Estados Unidos não disponham de meios para destruir Netahyahu, se assim o quisessem.

    A realidade é que ele vem prestando um serviço desumano, criminoso em todos os sentidos, mas competente de eliminação.

    E isso interessa aos Estados Unidos e a Biden.

    Caso contrário não entrariam com tudo, mantendo um discurso sem moral nenhuma, em meio ao banho de sangue.

    Aliás, como sempre fizeram.

  3. Basta ao Irã construir suas próprias ” bombas atômicas ” , não dando bola para os países ocidentais e muito menos para Israel que já possuem , pois nenhum desses países ousarão em impedi-lo , tal como fez a França ao peitar os EUA , Inglaterra e outros que já tinham a bomba atômica na época , mas não queriam que a França as tivessem e as testassem no campo de testes no ” Atol de Moruroa ” , no arquipélago Tuamotu , na Polinésia Francesa , inclusive a Inglaterra mandou os membros do seu movimento ambientalista ” Greenpeace ” para sabotar os testes da França no Atol .

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