Denúncia exagerou no “anuiu” e fará festa da defesa de Bolsonaro

Futuro de Bolsonaro está nas mãos do procurador Paulo Gonet

Gonet ia bem, até exagerar no “anuiu” em matar Jeca, Juca e Joca

Elio Gaspari
O Globo

A denúncia do procurador-geral Paulo Gonet é esmagadora até a página 127, quando passa a relatar fatos do dia 9 de novembro de 2022. Naquela manhã, o general da reserva Mário Fernandes imprimiu, no Palácio do Planalto, o plano Punhal Verde Amarelo. Ele previa atentados contra Jeca (Lula, presidente eleito), Juca (Geraldo Alckmin, vice-presidente) e Joca (“eminência parda” de Lula, que ainda não foi identificado).

A denúncia da PGR diz que o plano foi impresso “para apresentação a Jair Messias Bolsonaro e seu endosso” e vai adiante, com outro assunto. Muito antes (página 19), a PGR havia tratado do Punhal, dizendo que “o plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do presidente da República, que a ele anuiu”.

FICOU PENDURADO – Como disseram os repórteres Cézar Feitoza, José Marques, Marcelo Rocha e Ranier Bragon, o “anuiu” fica pendurado numa fala do general da reserva Mário Fernandes. Ele era o secretário-geral interino da Presidência e esteve no Palácio da Alvorada na tarde do dia 9.

A Polícia Federal, no seu imenso relatório, afirmou apenas que Bolsonaro soube do plano, mas não deu o passo seguinte. O “anuiu” da PGR fará a festa da defesa do ex-presidente.

O tenente-coronel Mauro Cid disse em sua colaboração, em dezembro passado, que “eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não do plano que foi tratado, do Punhal Verde Amarelo, e se o general Mário levou esse plano para ele ter ciência ou não”.

ANUIU OU NÃO? – Fica difícil admitir que Bolsonaro “anuiu”, sem que seu chevalier servant soubesse.

A principal testemunha de que Bolsonaro armava um golpe é Jair Messias Bolsonaro. Os fatos arrolados pela CPI Mista do Congresso, pela Polícia Federal e pela PGR provam isso à saciedade, sempre entre aspas.

Fora das aspas, faltou ao golpe de Bolsonaro o general Mourão. Nada a ver com o senador Hamilton, vice-presidente do ex-capitão. Quem faltou foi o general Olympio Mourão Filho, que no dia 31 de março de 1964 decidiu depor o presidente João Goulart.

GOLPE CONFUSO – Naqueles dias existiam uns dez núcleos de conspiradores que mal se comunicavam. (O general Castello Branco conspirava, mas passou parte da manhã do dia 31 tentando dissuadir Mourão.)

João Goulart achava que tinha um dispositivo militar. Bolsonaro nem isso. Todos os planos golpistas de 2022/23 floresciam no palácio, onde generais comandam motoristas. Lula havia sido eleito, e nenhuma unidade se rebelou.

Até o almirante Garnier, que ofereceu sua tropa, ressalvou que só se mexeria se o Exército saísse dos quartéis. (No século dos golpes, o único presidente eleito que não assumiu foi Júlio Prestes, em 1930.)

TRIPLO ATENTADO – A cereja do bolo das mil páginas do relatório da Polícia Federal e das 272 da denúncia da PGR é o triplo atentado contra Jeca, Juca e Joca.

Se ele ocorresse no dia 15 de dezembro, quando “kids pretos” campanavam Alexandre de Moraes, Jeca estava em São Paulo.

Ademais, o plano Punhal Verde Amarelo é vago como um boato ao falar que Lula poderia ser envenenado num hospital. Quando?

SERÃO CONDENADOS – Quem conhece as dobras das togas dos ministros do Supremo, vaticina: a denúncia será aceita e muitos serão os condenados. Resta saber que valor será dado à delação complementar e tardia do tenente-coronel Mauro Cid de novembro de 2024.

Noves fora essa lombada o caso não terminará com anulações, como vem sucedendo aos sentenciados pela Lava Jato. O modelo será parecido com as condenações do mensalão, que acabou em cadeias.

Jair Bolsonaro ainda tem bons advogados, o general Mário Fernandes precisa fazer a mesma coisa.

5 thoughts on “Denúncia exagerou no “anuiu” e fará festa da defesa de Bolsonaro

  1. Para se ter melhor ideia do desdobramento do assunto e deixar de falar asneiras impõe-se uma inafastável questão: Qual é o estado de ânimo de Moraes em relação a quem teria planejado assassiná-lo?

  2. Coação no curso do processo. Sim, constranger uma testemunha a mudar seu depoimento é crime de coação no curso do processo. A consumação independe de resultado naturalístico, bastando a simples ameaça praticada. É irrelevante que a conduta produza o resultado pretendido. Qual a punição? Reclusão de 1 a 4 anos, além de multa.

    Voltando a denúncia da PGR:
    Suposições e ilações não têm valor probatório; denúncia é uma perseguição política. Dizer que anuiu subestima a inteligência dos brasileiros e demonstra que narrativas criativas não se sustentam.

    Ah, tá certo… consentiu, deu permissão para a realização de algo e anuíram a sua proposta.
    A redação não serve nem para novelas de televisão. Nem mesmo se ainda estivesse entre nós Janete Clair, célebre escritora brasileira, autora de folhetins para rádio e televisão, aceitaria participar desse blefe, uma simulação rasteira que busca iludir os eleitores.

    Acorda, Congresso Nacional !

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