Sentimentos de ajuda aos carentes às vezes redundam em péssimas políticas

A Sutil Arte De Ligar O Foda-se

O sucesso de Mark Manson tem explicação

João Pereira Coutinho
Folha

É uma das mais antigas memórias de infância: eu, com nove anos, cantando “we are the world, we are the children” na festa da escola. O auditório, com pais embevecidos e lacrimejantes, bebia as palavras como se fossem as tábuas da lei que Moisés trouxe do Sinai.

Eu, antecipando uma carreira futura como rezinga profissional, murmurava apenas palavras soltas, contando os segundos para fugir do palco.

DE BRAÇOS ABERTOS – Foi um sucesso. De tal forma que, para mal dos meus pecados, a turma fez turnês por outras escolas, casas de repouso —e, se a memória não me falha, o hospital psiquiátrico da cidade, onde fomos recebidos de braços abertos.

Lembrei tudo isso enquanto assistia ao documentário “A Noite que Mudou o Pop”, na Netflix, sobre a noite em que Los Angeles reuniu em estúdio o maior número de estrelas para gravar “We Are the World”.

Apesar do meu estresse pós-traumático, gostei. Para começar, o solo de Bob Dylan era o único momento da canção que verdadeiramente me encantava. Mas quem diria que foi Stevie Wonder, mimetizando o estilo de Dylan, quem ensinou ao próprio Dylan como cantar os versos?

VELHAS CERTEZAS – De resto, confirmei velhas certezas: a beleza irreal de Diana Ross, a força vulcânica de Bruce Springsteen e o talento ofensivo de Michael Jackson. Tudo era fácil, gracioso e luminoso naquele corpo frágil.

Claro que, no filme, falta o essencial: o destino do dinheiro. Na década de 1980, a fome na África, sobretudo na Etiópia, levou figuras como Bob Geldof ou Harry Belafonte a mobilizarem esforços homéricos para salvarem os famintos.

Canções foram gravadas. Concertos foram organizados. Milhões de dólares foram enviados para o continente. Mas fenômenos como a Band Aid ou a USA for Africa nunca perderam o seu tempo para questionar as origens políticas da fome que combatiam.

GUERRA CIVIL – No caso da Etiópia, a catástrofe humanitária era, em grande medida, responsabilidade do regime de Mengistu Haile Mariam e da guerra civil em que ele mergulhou o país.

Se juntarmos à guerra a coletivização forçada da agricultura promovida por Mengistu, com o deslocamento forçado de meio milhão de pessoas — uma estimativa conservadora —, entenderemos melhor as imagens obscenas das crianças esqueléticas que horrorizaram o Ocidente.

Os milhões de dólares teriam aliviado as condições infernais de muitas delas. Mas persiste hoje — nos trabalhos notáveis de Dambisa Moyo e de David Rieff — a acusação de que esse dinheiro, nem sempre usado para fins humanitários, serviu sobretudo para prolongar a guerra e, por consequência, a fome.

MORAL DA HISTÓRIA? – Os bons sentimentos, às vezes, redundam em péssima política. Mas quantos poderiam imaginar isso naquela noite de 1985, quando os melhores dos melhores pensavam que estavam salvando o mundo?

Excesso de empatia pode ter os seus abismos. Falta de empatia também, embora essa seja a principal ambição do homem na modernidade. Tempos atrás, na casa de um familiar, encontrei os famosos livros de Mark Manson, com os títulos sonantes “A Sutil Arte de Ligar o F*da-se” e “F*deu Geral”. “Milhões de exemplares vendidos”, lia-se na capa!

A mensagem, resumidamente, era só uma: seja mais sociopata. Que interessam os outros? A vida livre, a vida feliz, é feita de misantropia e narcisismo. Remorsos ou vergonhas só atrapalham. No fundo, milhões de leitores gostavam de ter uma patologia mental. Ou, para usar os termos científicos, uma “perturbação de personalidade antissocial”, tal como descrita por Patric Gagne, psicoterapeuta e sociopata, com livro de memórias no mercado.

CONTROLAR OS IMPULSOS – O título é “Sociopath” e, em entrevista ao New York Times, Gagne nos fala da sua vida convivendo com o distúrbio. A apatia emocional, a ausência de consciência moral, a indiferença perante a dor dos outros — tudo começou bem cedo. A que se seguiu a criminalidade — nada de horripilante, apenas furtos e vandalismo.

Hoje, consciente de sua condição, Gagne consegue controlar os seus impulsos. Mas o momento revelador da entrevista acontece quando ela afirma que os “neurotípicos” —gente sem perturbação— sentem uma curiosidade invejosa pela sociopatia. Por quê?

Porque imaginam que é um estado gostoso, onde a culpa, essa invenção pequeno-burguesa, deixa de fazer sentido. Alguns chegam a confessar ideações homicidas, esperando encontrar compreensão. Se calhar, está aqui o próximo best-seller, “A Sutil Arte de Matar o Próximo”. Alguma editora estaria interessada?

7 thoughts on “Sentimentos de ajuda aos carentes às vezes redundam em péssimas políticas

  1. Adendos, em:
    “Para o pobre diabo, os direitos republicanos são uma ironia amarga: a necessidade dum trabalho quase cotidiano não lhe permite gozá-los ; em compensação, tiram-lhe a garantia dum ganho constante e certo, pondo-o na dependência das greves, dos patrões e dos camaradas.

    Sob a nossa direção, o povo destruiu a aristocracia, que era sua protetora e sua ama de leite natural, porque seu interesse era inseparável do interesse do povo. Agora que a aristocracia foi destruída, ele caiu sob o jugo dos açambarcadores, dos velhacos enriquecidos, que o oprimem de modo impiedoso.

    Nós aparecemos ao operário como os libertadores desse jugo, quando lhe propusermos entrar nas fileiras do exército de socialistas (4), anarquistas e comunistas que sempre sustentamos sob o pretexto de solidariedade entre os membros de nossa franco-maçonaria social. A aristocracia, que gozava de pleno direito do trabalho dos operários, tinha interesse em que os trabalhadores estivessem fartos, fossem sadios e fortes. Nosso interesse, ao contrário, é que os cristãos degenerem. Nosso poder reside na fome crônica, na fraqueza do operário, porque tudo isso o escraviza à nossa vontade, de modo que ele fique sem poder, força e energia de se opor a ela. A fome dá ao capital mais direitos sobre o operário do que a aristocracia recebia do poder real e legal.

    Pela miséria e o ódio invejoso que dela resulta, manobramos as multidões e nos servimos de suas mãos para esmagar os que se oponham aos nossos desígnios.”

    Extraído, dos Protocolos – Capítulo III.

  2. “A Sutil Arte de Ligar o F*da-se”

    Sr. Newton

    Faz muito tempo que comprei um aparelho igual a esse.

    De vez em quando eu “ligo o botão” do ****-se.

    :0 )

    Grande Abraço Grátis…

  3. Sr. Newton.

    Será que a matéria é mesmo da Assessoria de Imprensa do Palácio Tajanja Mahal…??

    A Rede Esgoto contra o “(des)Governo do Paipai.

    Com um ano de (des)governo do Amor era para ser 0 (zero) mortes dos indios….

    Mortes de Yanomami crescem quase 6% em um ano, mas governo alega subnotificação no passado

    https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/22/mortes-de-yanomamis-crescem-quase-6percent-em-um-ano-mas-governo-alega-subnotificacao-no-passado.ghtml

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