Marcos de Vasconcellos
Folha
Como medimos o desempenho da Bolsa brasileira olhando o Ibovespa, é sempre bom lembrar que 25,6% da composição do indicador são ações da Vale e da Petrobras. E quando ambas tornam-se alvo da verborragia dos poderosos, a Bolsa sente e o investidor volta à corda bamba.
Não faz sentido cobrar que políticos ajam como monges beneditinos, com votos de silêncio. Sou jornalista e sei do valor e da importância de uma boa declaração, ou “aspa”, para a política, para o jornalismo e para o mercado financeiro. Mas convém exigir, como acionistas minoritários, que meçam os impactos de suas palavras antes de presentear os ouvintes.
LULA EXTRAPOLOU – Ao criticar a Vale, em entrevista para a RedeTV!, na última terça-feira (27), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ir (muito) além de ataques ao comando da empresa e de suas atitudes em relação aos desastres de Brumadinho e Mariana. Saiu-se com a seguinte pérola: “Empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”.
Responsabilizar a Vale por seus erros, acusá-la de usar seu marketing para fazer “greenwashing” (criar uma falsa imagem ligada à sustentabilidade) e exigir postura de sua diretoria é algo que pode ser feito, sim, pelo governo. A Previ, fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, afinal, tem quase 9% das ações da empresa.
Agora, ordenar que empresas estejam “de acordo com o pensamento do governo” é outra coisa. É escancarar a porta da política econômica do favoritismo e do apadrinhamento do capital.
EXEMPLO DA CHINA – A infeliz cobrança veio justamente na semana em que a The Economist, principal revista sobre economia do mundo, publicou uma grande reportagem apontando que as autoridades chinesas emitiram novas diretrizes para os banqueiros do país, exigindo que adotem uma “postura mais patriótica” em seus negócios.
Com a desaceleração econômica, os reguladores chineses estão ajustando as políticas para alinharem os interesses do mercado aos objetivos do governo. O que a princípio parece uma patrulha comportamental, no fim do dia, tenta direcionar o dinheiro para investimentos de longo prazo que “sirvam à economia real”, segundo a reportagem.
Se a fala de Lula sobre a Vale também tem o objetivo secreto de reter dinheiro no país, faltou explicar. Do jeito que foi, parece uma ótima maneira de afugentar investidores internacionais e enfraquecer o nosso mercado.
VENDERAM ÀS PRESSAS – Grandes investidores que, aliás, venderam às pressas ações da Petrobras na semana passada, após declarações do presidente da companhia, Jean Paul Prates. Em entrevista à Bloomberg, ele jogou água no chope de quem comprou os papéis em busca dos gordos dividendos pagos nos últimos anos.
“Os acionistas vão entender”, disse, ao comentar a possibilidade de cortar os dividendos para investir na mudança da matriz energética da petroleira. Não entenderam, e o papel despencou.
Nessas horas, dizer que foi mal interpretado não cabe a políticos com tantos anos de experiência. Brigar com o mercado financeiro é uma luta quixotesca, que dificilmente vai melhorar a vida dos brasileiros.
ALEMANHA É EXEMPLO – O caso da Alemanha não me deixa mentir: o país está à beira de uma recessão, segundo suas próprias agências econômicas, enquanto a Bolsa acaba de bater novo recorde.
O mercado e a economia real correm em raias diferentes.
Mirar seus canhões para os gigantes nacionais gera ruídos e lucro para alguns especuladores, com a movimentação abrupta das ações, mas tira a atenção do que realmente importa.
Não perdem as “manias”!
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Esses comentaristas ainda acham que a adoção do receituário preconizado pelo Consenso de Washington, a tal terapia de choque, faz um país se desenvolver.
O Brasil e muitos países fizeram isso e o que aconteceu?