Secretária enviou R$ 1,3 milhão à ONG presidida por uma assessora de sua filha

Aprovado o fundo bilionário de dinheiro público para campanhas políticas –  Folha da Praia Online

Charge do Nani (nanihumor.com)

Tácio Lorran
Estadão

Atual secretária Nacional de Aquicultura, a ex-deputada federal Tereza Nelma (PSD) enviou R$ 1,3 milhão em emendas parlamentares para uma entidade que é presidida por sua antiga assessora na Câmara dos Deputados. O Instituto Guerreiras Pela Vida recebeu o valor em parcelas entre maio de 2023 e junho deste ano.

A ONG é presidida por Emanuelle Gomes, que foi assessora de Nelma na Câmara até 2020. Atualmente, além de presidir a ONG, a assessora trabalha no gabinete da vereadora de Maceió Teca Nelma (PT), filha mais nova da secretária do governo Lula.

TUDO EM CASA – Além de Emanuelle, outras cinco pessoas que participam do conselho de dirigentes do Instituto Guerreiras Pela Vida trabalharam no gabinete de Tereza Nelma na Câmara dos Deputados. Procurada, a ex-deputada negou irregularidades e disse que apoiou, ao longo de seu mandato, dezenas de ONGs que atuam por inclusão e no combate a desigualdades. Ela também disse que empregava “militantes sociais” em seu gabinete.

Um procurador do Tribunal de Contas da União (TCU) e especialistas afirmam, no entanto, que a situação é imoral, fere o princípio da impessoalidade e pode ser enquadrada até mesmo na Lei de Improbidade Administrativa.

A associação foi criada em julho de 2006, segundo dados da Receita Federal, mas até 2023 nunca havia recebido dinheiro do governo federal. A ONG foi fundada como Instituto Baobá, mas mudou o nome para Guerreiras Pela Vida após Tereza Nelma não se eleger nas eleições de 2022. A nova nomenclatura era usada politicamente pela parlamentar. O gabinete dela em Maceió levava o nome de “Guerreiras Pela Vida”.

ATRAVÉS DE EMENDAS – Os repasses ao instituto foram feitos para a elaboração de projetos de artesanato, música e empreendedorismo voltados a mulheres em situação de vulnerabilidade social, jovens e à população LGBTQIA+. A ONG já recebeu R$ 1,4 milhão dos Ministérios da Cultura, da Mulher e dos Direitos Humanos, no âmbito de cinco convênios. Desse total, R$ 1,3 milhão são frutos de emendas de Tereza Nelma.

A atual presidente do instituto, Emanuelle Melo, é assessora de Tereza Nelma há mais de uma década. Ela trabalhou com a parlamentar na Câmara de Vereadores e, entre fevereiro de 2019 e setembro de 2020, na Câmara dos Deputados. Hoje ele ganha R$ 10 mil no gabinete de Teca.

Procurada, Emanuelle explicou, inicialmente, que trabalha na ONG diariamente. “Todos os dias a gente tem o escritório, a gente acompanha as oficinas que estão sendo feitas, tem as pessoas que a gente contrata e a gente faz reuniões periódicas”, afirmou.

E OS HORÁRIOS? – Questionada em seguida sobre o horário de trabalho no gabinete de Teca, ela titubeou. “O meu horário de expediente no gabinete… da filha da deputada?”, questionou e, após uma pausa, respondeu: “Eu tenho os horários corridos. A gente tem… Os expedientes que a gente faz… Não tem nada a ver com questão de… São horários diferentes. Eu não preciso bater ponto na instituição”, afirmou, ao acrescentar que também vai diariamente para o gabinete.

Emanuelle disse, ainda, que Tereza Nelma, sua ex-chefe, é apenas uma “apoiadora” do trabalho do instituto. “A Guerreiras Pela Vida não é dela. É uma instituição não governamental.”

Ela explicou que os convênios firmados com os ministérios já resultaram em oficinas de artesanato e de música. Agora, o instituto trabalha em projetos de reciclagem, de pintura e de empreendedorismo para mulheres.

IMPROBIDADE – Especialistas afirmam que os repasses ferem o princípio da impessoalidade da administração pública e podem configurar improbidade administrativa. A Constituição Federal proíbe atos motivados por sentimentos pessoais desvinculados dos fins coletivos, como favorecimentos e vínculos de amizade.

O princípio da impessoalidade também é exigido pela lei 13.019/2014, que regula as parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. “Se o beneficiado é o parlamentar, seja ONG ou assessora, é imoral. Tentar disfarçar pode ser crime de estelionato”, complementou o procurador Lucas Furtado, do TCU.

A lei 13.019/2014 também estabelece que as ONGs devem divulgar na internet todas as parcerias celebradas com a administração pública. O Instituto Guerreiras Pela Vida, porém, não tem um site oficial. Emanuelle foi questionada sobre esse assunto, mas não se manifestou.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A coisa funciona assim: se o dinheiro é público, então o recurso tem de ser nosso. Se a gente não pegar, vai cair na mão de outro partido… Ou seja, isso significa que o tráfico de influência não vai acabar nunca em um país como o Brasil.
(C.N.)

Quem recusa convite de Gilmar para participar de seu evento em Portugal?

Gilmar Mendes, 'o tucano de toga', blinda Aécio Neves, denunciam petistas

Charge do Pataxó (Arquivo Google)

Conrado Hübner Mendes
Folha

Todo ano, pelo menos desde aquela sexta-feira pré-feriado de março de 2016, quando Gilmar Mendes, sozinho, impediu que Lula fosse nomeado ministro e abriu caminho para sua prisão, a cúpula do poder político, jurídico e econômico brasileiro se desloca para Lisboa por uns dias. Proprietário da empresa organizadora do evento, uma sociedade familiar com fins lucrativos, o ministro é anfitrião de encontro único no mundo.

Estavam no programa o vice-presidente Michel Temer, os senadores Aécio Neves e José Serra, empresários como o presidente da Fiesp, políticos de amplo espectro partidário, ministros do STF, advogados etc. Aquela liminar monocrática, com tese jurídica inédita, nunca chegou ao plenário. O resto é história. Mais precisamente: um capítulo da história do protagonismo do STF na degradação da democracia brasileira.

LOBBY ABERTO – Demorou para a esfera pública dar atenção ao curioso hábito de juízes das altas cortes frequentarem com tanta naturalidade o ambiente lobístico dentro e fora do país.

E demorou para se escandalizar com esse evento aos cuidados de empreendimento privado de ministro. Onde se costuma gastar, como já se apurou no passado, quantia incerta de recursos públicos (viagens de autoridades etc.).

Na semana que vem, a partir de 26 de junho, acontece o Fórum Jurídico de Lisboa 2024. Repórteres buscam pela lista oficial de palestrantes, ainda não divulgada. Nota do Poder360 anunciava dias atrás alguns participantes: todos os 11 ministros do STF, 12 dos 33 ministros do STJ, 5 dos 7 ministros do TSE, 14 dos 39 ministros de Estado, 9 dos 27 governadores, os presidentes da Câmara e do Senado.

“CONFIRMADOS” – Logo veio o desmentido. Aparentemente, alguém confundiu convidados com confirmados. É fundamental observar a distância entre um e outro. E procurar saber: quem recusa convite de Gilmar?

A resposta nos fornece um indicador de conjuntura das correlações de poder em Brasília. E outro indicador de ética profissional (judicial, empresarial, advocatícia).

Mesmo que lá não apareçam o deputado líder da “bancada do estupro” (como ficou conhecida a defesa do projeto de lei que equipara meninas estupradas que realizam aborto legal a homicidas); o senador líder da bancada da guerra a preto pobre (veiculada na proposta de emenda para criminalizar o porte de drogas); mesmo na ausência dos governadores a favor da letalidade policial, qual a gravidade do evento?

ALGO DE CORRUPTO – A qualidade dos eventuais comensais pode trazer tempero de perversidade, mas não traduz a essência do problema.

Mesmo se lá estivessem só pessoas de boas intenções, conforme o autoteste de caráter que o ministro Barroso sugere para aferir conflito de interesses, há na operação algo de estruturalmente corrupto (na acepção da sociologia política).

Pelo menos três dimensões de ilegalidade se destacam. A primeira: o modelo de negócio da empresa, em especial suas práticas, não parece compatível com as vedações da Constituição à magistratura, nem mesmo com as da Lei Orgânica (Loman). A segunda: parceiros, patrocinadores e participantes, sem exceção, têm interesses nos casos do STF. A terceira: o encontro dissimula o negocial sob a capa de atividade acadêmica.

LASSIDÃO ÉTICA – O evento também demonstra com eloquência uma cultura de lassidão ética das profissões jurídicas: apesar das especificidades das normas que disciplinam diferentes operadores do Estado de Direito (juízes, promotores, procuradores, advogados de Estado, advogados privados), estão todos lá. Retroalimentam-se numa violação ética compartilhada, não exclusiva de juízes.

Está na hora de a esfera pública descobrir a quebra de decoro advocatício. Advogados estão acostumados a caminhar num terreno livre da interpelação ética. Mas essa desejada liberdade não está entre suas prerrogativas (direitos especiais da corporação na defesa de clientes). O zelo pela respeitabilidade da profissão não tem sido proporcional ao zelo pelo qual tais prerrogativas são tradicionalmente defendidas.

Como se pode atribuir caráter republicano à reivindicação de prerrogativas quando se participa, em paralelo, desse singular encontro antirrepublicano?

CONVITE IRRESISTÍVEL – Importante perguntar por que, para tantos advogados e advogadas sérias, esse convite a Lisboa é tão irresistível. E perceber se a óbvia resposta a essa pergunta tem conexão com crônicos vícios da política do país.

Porque, se tiver, há também algum grau de cumplicidade. Ainda que involuntária. Ainda que compense para o cliente do advogado que pode se dar essa viagem. E se perpetue o acesso segregado a cortes superiores.

 

 

Brasileiros ligados ao PCC têm lucro milionário aplicando golpe em Portugal

Portugal: D. Rui Valério destacou ação da PSP na pandemia, evitando «maiores desigualdades e assimetrias» - Agência ECCLESIA

Polícia portuguesa sai na captura dos brasileiros do PCC

Gian Amato
O Globo

Acusação feita pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Ministério Público (MP) de Faro revela lucro milionário obtido por golpistas brasileiros e portugueses ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Uma parte dos 29 brasileiros, 30 portugueses e 12 africanos acusados têm conexão com a maior organização criminosa do Brasil, segundo o MP.

Eles agiam retirando dinheiro de contas bancárias das vítimas através do golpe de phishing. De acordo com a investigação, a facção criminosa tinha um gerente em Portugal e agiu no país do último trimestre de 2021 até dezembro de 2023.

CRIME ORGANIZADO – “Membros ligados ao PCC e com residência no Brasil desenvolvem este tipo de atividade e gerem a mesma com uma organização do tipo empresarial, em que possuem escritórios onde trabalham pessoas que são contratadas para desenvolver atividades relacionadas com o phishing”, diz o MP.

A organização teria movimentado em transações bancárias cerca de € 403 mil (R$ 2,3 milhões) com o golpe. A soma dos valores identificados nas contas bancárias dos acusados como vantagem ilícita é de cerca de € 321 mil (R$ 1,8 milhão).

Um mineiro de Belo Horizonte com cidadania portuguesa e um português lideram a lista de 34 criminosos que receberam dinheiro em suas contas bancárias. Juntos, eles dois lucraram mais de € 130 mil (R$ 755 mil).

ESCRITÓRIO PAULISTA – Além desses dois, um brasileiro e uma brasileira aparecem na lista do MP com € 30 mil (R$ 174 mil) e € 25 mil (R$ 145 mil), respectivamente. Somente os quatro criminosos obtiveram mais de R$ 1 milhão com o golpe.

Este português que está sendo acusado se mudou para São Paulo em setembro de 2022 e ampliou seus contatos com membros da organização:

“Foi residir num apartamento alugado pela organização e trabalhou num escritório com várias pessoas que faziam igualmente ligações telefônicas com vista a obter códigos dos titulares das contas bancárias”, informa a acusação do MP.

METADE DOS LUCROS – Ainda segundo o MP, um membro da facção identificado como 02 ofereceu ao português 50% do dinheiro obtido em Portugal. E pediu que recrutasse uma equipe para trabalhar em solo português.

O português concordou, contactou amigos e estruturou uma rede de “mulas”, pessoas que sacavam quantias ou cediam suas contas em troca de comissão para lavar o dinheiro retirado sem consentimento das contas bancárias das vítimas:

“Neste processo foram angariadas dezenas de pessoas que venderam as suas contas bancárias e cederam os seus cartões multibanco e respectivos códigos de movimentação, mediante o pagamento de quantias monetárias”.

PÁGINAS FALSAS –Os criminosos utilizavam diversas maneiras de direcionar as vítimas para páginas falsas e semelhantes às das contas bancárias verdadeiras para roubar dados de acesso.

Eles aproveitam o desespero dos imigrantes. Eles enviavam mensagens com logotipos idênticos aos dos bancos e completavam o golpe com chamadas telefônicas feitas por pessoas recrutadas para se fazerem passar por funcionários das instituições. Em troca, recebiam comissões.

Os suspeitos foram acusados pelo DIAP de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e falsidade informática. A acusação é baseada em investigação da Polícia Judiciária (PJ). Um dos brasileiros está em prisão preventiva. Foi detido enquanto se preparava para deixar o país. Outros cinco foram detidos, prestaram depoimentos e foram liberados.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Os brasileiros têm por que se orgulhar. Agora, estamos exportando golpistas, assaltantes e até facções criminosas. Como dizia Olavo Bilac, não verás país nenhum como este. (C.N.)

Piada do Ano! Gilmar Mendes assume controle da anistia aos presos do 8 de Janeiro

O deputado Rodrigo Valadares e o ministro Gilmar Mendes

Valadares foi pedir a benção a Gilmar, que manda no país

Paulo Cappelli
Metrópoles

Decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes recebeu, nesta quarta-feira (19/6), o deputado Rodrigo Valadares (União Brasil), relator do projeto de lei que pretende conceder anistia a presos do 8 de Janeiro.

A conversa entre o magistrado do STF e o parlamentar bolsonarista foi cordial. Nela, Gilmar lembrou que ainda há réus a serem julgados. E, por conta disso, pediu que Valadares analise com calma o melhor momento para que o texto seja levado a plenário.

NOVO ENCONTRO – Ambos combinaram de agendar um novo encontro quando o deputado finalizar a redação do projeto de lei. A expectativa é que a proposta de Valadares beneficie ampla maioria dos envolvidos no 8 de Janeiro. Sem, contudo, contemplar Jair Bolsonaro.

O próprio ex-presidente, que ainda aguarda julgamento no STF, pediu ao deputado aliado que fique fora do referido PL da Anistia para “despolitizar a pauta”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
– Rodrigo Valadares já participou de viagens internacionais ao lado de Eduardo Bolsonaro. Eleito para seu primeiro mandato de deputado federal, Valadares caiu nas graças da família Bolsonaro e, hoje, é considerado mais próximo do ex-presidente do que muitos políticos do Partido Liberal. Em tradução simultânea, o deputado agora foi pedir orientação a Gilmar Mendes sobre como fazer para conduzir o projeto. E o decano do Supremo, que é uma espécie de Rasputin sem barbas, gentilmente se ofereceu para fazê-lo, assim que voltar da festança em Portugal, que ele oferece anualmente com dinheiro dos patrocinadores. (C.N.)

Acredite se quiser! Críticas de Lula fortaleceram credibilidade do Banco Central

Só impostores tratam a macroeconomia como ciência exata -

Charge do Clayton (O Povo/CE)

Valdo Cruz
g1 e GloboNews

As fortes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, acabaram ajudando a fortalecer a credibilidade do Banco Central.

Mesmo diante de pressões de Lula, os quatro indicados por ele também votaram pela interrupção da queda dos juros, sinalizando ao mercado que tomam decisões com base em suas convicções técnicas e não de acordo com orientações políticas.

UNANIMIDADE – A votação unânime foi bem recebida não só pelo mercado, mas também pela equipe econômica. E a decisão de manter Selic a 10,50 mostra independência de Gabriel Galípolo, indicado por Lula.

A avaliação é que os juros até poderiam cair pelo menos mais uma vez, mas o entendimento é que, neste momento, reforçar a credibilidade do Banco Central era mais importante para conter as pressões sobre o preço do dólar e evitar, assim, impactos na inflação.

O PT criticou a decisão do Banco, classificando-a de sabotagem, só que desta vez os petistas não podem personalizar a crítica em Roberto Campos Neto, porque o grupo dos diretores indicados por Lula, inclusive Gabriel Galípolo, também seguiram a posição de parar a flexibilização da política monetária, depois de sete cortes na taxa Selic.

ACESSO A LULA – Galípolo tem acesso direto a Lula e é cotado para suceder a Roberto Campos Neto no ano que vem, quando termina o mandato do atual presidente do BC.

O fato é que as pressões de Lula não deram certo e tiveram o efeito de contribuir para dar mais credibilidade à equipe do Banco Central, principalmente o grupo indicado por Lula que passará a ser maioria no ano que vem, quando Lula irá indicar o substituto de Campos Neto, que deixará o banco em dezembro deste ano.

SEM CONTAMINAÇÃO – Economistas de mercado defendiam a posição unânime exatamente para que não fossem contaminadas as previsões para o próximo ano.

Se o placar desta quarta-feira (19) fosse novamente uma divisão, com os quatro indicados por Lula divergindo a decisão de manter a taxa Selic em 10,5%, a avaliação seria a de que o BC no próximo ano seria mais tolerante a uma inflação perto do teto da meta.

Recuo de Moraes mostra que Supremo não tem poderes para tutelar imprensa

Graças à censura que TSE impôs, processo eleitoral está verdadeiramente  corrompido - Flávio Chaves

Charge do Duke (O Tempo)

Thiago Amparo
Folha

Pode um jornal entrevistar Jullyene Lins, ex-mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que afirma ter sido agredida fisicamente por ele, sem ter que pagar uma multa diária de R$ 100 mil? A liberdade de imprensa permite que veículos possam dar a versão da ex-mulher de Lira, mesmo ponderando —como prega o bom jornalismo— a posição do parlamentar e notando que este fora absolvido pela Justiça? O ministro do STF Alexandre de Moraes primeiro respondeu que não, e, 24 horas depois, mudou de ideia.

O recuo de Moraes em sua própria decisão diz muito sobre a ausência de critérios judiciais que justifiquem limitar publicações a respeito do caso.

IDA E VOLTA – Na primeira decisão, pela censura, Moraes repetiu lugares-comuns —como o binômio liberdade e responsabilidade— para justificá-la quando justificativa legal não havia.

Na segunda, contra a censura, tergiversou: diz ter percebido serem “veiculações de reportagens jornalísticas” e não um “novo movimento em curso, claramente coordenado e orgânico” de replicar acusações contra Lira.

Não se trata da primeira vez que a Justiça decidiu censurar reportagens sobre o deputado. Em abril deste ano, o TJ-DF manteve a censura judicial à Agência Pública sobre o caso. O relator emitiu um voto, digamos, ilustrativo: “Amanhã eu serei chamado de censor e vou ter que dizer isso aqui: não sou censor e nunca fui a favor da censura, porque pela minha idade eu sei o que a Revolução de 1964 fez em termos de censura neste país”. O que era para ser uma sentença virou um ato falho.

CENSURA JUDICIAL – O caráter sistemático das ações de Lira contra jornalistas é sintoma de um problema mais profundo no país hoje: a censura judicial. Aumentou em 95% o número de casos de restrições à liberdade de imprensa por meio de ações judiciais em 2023.

Quando não se trata de um discurso de ódio, nem ameaça direta a instituições, nem inverdades, nem ofensas, não cabe ao Judiciário, STF incluso, tutelar paternalisticamente o que o público tem acesso ou não.

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”, perguntou Cecília Meireles

frase-cecilia-meireles - Colégio Estadual Igléa GrollmannPaulo Peres
Poemas & Canções

A poeta, professora, pintora e jornalista carioca Cecília Meireles (1901-1964) no poema faz um “Retrato” de si própria através do seu “eu” lírico, constatando as mudanças, as transformações psicológicas e físicas pelas quais foi passando ao longo da vida.

RETRATO
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— em que espelho
ficou perdida a minha face?

Banco Central despreza faniquitos de Lula e mantém a Selic em 10,5% ao ano

Lula: 'Eu não bato no Banco Central porque não é gente'

É triste o declinio de Lula, ninguém se importa mais com o que ele diz

Nathalia Garcia
Folha

O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central interrompeu nesta quarta-feira (19) o ciclo de cortes de juros e manteve a taxa básica, a Selic, em 10,50% ao ano. A decisão foi tomada de forma unânime, com o voto do diretor Gabriel Galípolo, cotado para ser o próximo presidente da instituição, alinhado com o do atual chefe do BC, Roberto Campos Neto.

Mesmo sob pressão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), houve convergência no colegiado, inclusive entre os indicados pelo atual presidente.

MOTIVOS – “O cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas [em relação à meta] demandam maior cautela”, disse.

O comitê afirmou também que se manterá “vigilante” e que “eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Ao longo do ciclo de flexibilização de juros, iniciado em agosto do ano passado, foram seis reduções consecutivas de 0,50 ponto percentual e uma de 0,25 ponto. A taxa básica se mantém agora no menor patamar desde fevereiro de 2022, quando estava fixada em 9,25% ao ano.

PRESSÃO DE LULA – Com o breque nos cortes, o colegiado do BC ignorou a pressão feita pelo governo Lula às vésperas do encontro decisivo e agiu em linha com a expectativa do mercado financeiro.

Levantamento feito pela Bloomberg mostrou que a pausa da Selic no atual patamar de 10,50% ao ano era a projeção quase unânime dos economistas –apenas dois dos 33 analistas consultados esperavam um novo corte de 0,25 ponto percentual.

Mas as atenções dos investidores não se restringiam aos números e estavam concentradas sobretudo no placar de votos dos membros do Copom. Isso porque a tensão entre governo e BC voltou a crescer depois de Lula afirmar que Campos Neto “tem lado político” e que “trabalha para prejudicar o país”. Membros do governo e aliados também colocaram o presidente do BC na mira e aumentaram a artilharia em defesa da redução dos juros.

OUTRAS REUNIÕES – Até o fim do ano, quando termina o mandato do atual chefe da autoridade monetária, o Copom tem mais quatro encontros programados – 30 e 31 de julho, 17 e 18 de setembro, 5 e 6 de novembro e 10 e 11 de dezembro.

A partir do posicionamento dos quatro indicados pelo governo Lula – em especial de Gabriel Galípolo, diretor de Política MonetáriaC–, dessa vez sem divergências, os economistas buscam sinais sobre a atuação futura do BC.

Em 2025, a gestão petista terá maioria no Copom, com sete dos nove membros do BC indicados por Lula, incluindo o presidente, e então veremos se existe ou não autonomia do BC.

Lula já arranjou um bode expiatório para a crise anunciada: Roberto Campos Neto

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, é o bode expiatório de Lula

Roberto Campos Neto abriu a guarda e falou o que não devia

Merval Pereira
O Globo

O presidente Lula está num momento em que precisa de um bode expiatório para explicar a perspectiva ruim da economia brasileira. E já escolheu: é o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Este, também, não deveria ter ido ao jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Todos sabem que ele foi indicado por Bolsonaro, é membro da equipe do ex-presidente e tem pensamentos econômicos liberais que diferem do PT.

Tudo isso está na conta do Banco Central autônomo. Mas ser homenageado e ainda deixar escapar que aceitaria ser ministro da Fazenda num eventual governo de Tarcísio na sucessão de Lula, dá margem à interpretação de que ele está fazendo a coisa errada – quando está fazendo o certo – para prejudicar o governo do PT.

IMPASSE – E então entramos na discussão que não acaba nunca. O governo quer jogar a culpa para outros que não os aliados da sua base, e Roberto Campos tenta segurar a inflação, vendo que a coisa está ficando meio destrambelhada.

Ao ser confirmado que não haverá corte de juros, com a decisão por unanimidade, como estava previsto, os últimos meses dele no BC serão muito ruins politicamente. Vai ser atacado e a escolha do próximo presidente do banco será mais política do que técnica.

Lula já disse que vai escolher alguém que não pense apenas na inflação, que pense no desenvolvimento do país. São critérios que farão o mercado ficar em dúvida. Ele tem razão em alguns pontos quando fala de subsídios, mas grande parte deles veio dos governos petistas.

Novo documento dos EUA prova que prisão de Filipe Martins é mesmo ilegal

Filipe estava no Paraná com a mulher e a Polícia Federal sabia

Caio Vinícius
Poder360

O DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA, em tradução livre) atualizou o registro da última entrada do ex-assessor de Jair Bolsonaro, Filipe Martins, no país para 18 de setembro de 2022. A mudança contraria as informações usadas pela PF (Polícia Federal) para prender Martins pela suspeita de tentativa de fugir do país em dezembro de 2022, na viagem presidencial para Flórida.

No relatório que deu base para prisão, os investigadores da PF usaram registros do “View Travel History”, lista que cataloga todos os registros de entradas e saídas das pessoas que viajam para os EUA, a partir de passaporte comum e diplomático.

ARQUIVO OFICIAL – Ao entrar nos EUA, todo viajante recebe o documento “I-94”, arquivo oficial do governo norte-americano que atesta entrada e saída no país. No caso de Filipe Martins, esse último documento foi atualizado pelo DHS.

O “View Travel History” usa como base de dados as informações de diferentes fontes. Por isso, justifica a divergência dos registros do I-94 com a lista usada pela PF. Quando consultado o passaporte diplomático de Filipe Martins, consta a viagem para Orlando em 30 dezembro de 2022.

Os dados continuam mesmo depois de a alfândega da Flórida negar ter registros de entrada do ex-assessor. A defesa de Filipe Martins tentam realizar a alteração no “View Travel History”.

INDÍCIOS FRÁGEIS – O ex-assessor de Bolsonaro foi preso em 8 de fevereiro de 2024 na operação Tempus Veritatis e segue detido. A prisão foi autorizada sob o argumento da PF, aceito por Moraes, de que Martins estaria foragido e havia risco de ele fugir do país.

O “risco de fuga” teria sido embasado pela suposta viagem para a Flórida em 30 de dezembro de 2022, mas essa informação nunca foi comprovada pelas autoridades do Brasil nem dos Estados Unidos.

Segundo a Polícia Federal, a ida de Martins com Bolsonaro para os EUA poderia “indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais”. O relatório está na decisão de Moraes.

TUDO ERRADO – O documento desfaz  a própria afirmação da PF: “O nome de FILIPE MARTINS também consta na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA. Entretanto, não se verificou registros de saída do ex-assessor no controle migratório, o que pode indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais. Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados.”

A informação de que Filipe Martins teria embarcado para os EUA, como se observa, não havia sido confirmada – mas a prisão foi sido requerida mesmo assim.

PARADEIRO CONHECIDO – Sobre “a localização do investigado” ser “incerta”, a PF desconsiderou fotos do ex-assessor de Bolsonaro publicadas em perfil aberto na internet.

Além disso, quando Martins foi preso, a PF soube onde procurá-lo para efetuar a detenção: no apartamento de sua namorada em Ponta Grossa (PR), a 117 km de Curitiba – logo, o seu paradeiro era conhecido.

Ele hoje está no Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), o mesmo onde ficavam os presos na operação Lava Jato.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
A prisão ilegal de Filipe Martins desmoraliza os métodos investigatórios da Polícia Federal e a capacidade judicante do ministro Alexandre de Moraes. É certo que Moraes não tem equilíbrio psicológico e a imparcialidade que devem conduzir a atuação de qualquer magistrado. Ao manter a prisão sob argumentos que já foram derrubados, sua ranhetice envergonha o Supremo e a Justiça brasileira. (C.N.)

Governo caiu na real quanto ao aumento da arrecadação e tem de mostrar serviço

Sob fundo amarelo e azul, como na bandeira do Brasil, homem grisalho de barba inclina a cabeça para ouvir homem que aparenta idade de 60 anos falar como se fosse um segredo, cobrindo a mão com a boca. Ambos usam terno escuro e gravata com camisa clara

Lula e Haddad enfim acordaram do sonho arrecadatório

Elio Gaspari
O Globo/Folha

A alta do dólar, a queda da Bolsa e a confirmação de que o aumento da arrecadação era um sonho levaram o governo a admitir a relevância do controle de gastos e a consequente valorização de uma administração comprometida com o feijão com arroz.

Em dois anos de governo, o ministro Fernando Haddad teve vitórias e derrotas. Brilhou com o projeto de reforma tributária, mas seu déficit zero era lorota. Ele conseguiu restabelecer as boas relações de um governo petista com a banca.

DRENO DOS INCENTIVOS – Na segunda-feira (17), Haddad e Simone Tebet, sua colega do Planejamento, mostraram a Lula o dreno provocado pela distribuição de incentivos. A iniciativa tem mérito, mas não tem valor, o Sol congelará antes que um Congresso resolva podar os benefícios dados à Zona Franca de Manaus. Cada incentivo é um jabuti velho, escolado e bem relacionado.

A discussão da política de incentivos, como a taxação das grandes fortunas, é um tema que lustra a biografia de quem a propõe, mas não vai a lugar algum.

Infelizmente o déficit zero era uma espécie de pau do circo de Haddad: arrecadando mais, o governo poderia induzir o crescimento. Daí viriam as picanhas prometidas durante a campanha. Sem esse salto arrecadador, Lula 3.0 arrisca tornar-se um governo durante o qual a economia andou de lado. É melhor andar de lado do que ir galhardamente na direção errada, como sucedeu com a nova matriz econômica do governo de Dilma Rousseff.

UMA OPORTUNIDADE – Vendo que não pode gastar, Lula terá a oportunidade de se voltar para a boa administração do dia a dia. Apesar do estilo triunfalista do presidente, seu governo vai bem no feijão com arroz. Vai bem mesmo quando é comparado a outros governos, sem levar em conta o caos de Bolsonaro.

Derrapou feio na compra de arroz importado, pretendendo comercializá-lo a preços tabelados. Esse desastre só aconteceu porque no lance estava a mão peluda do interesse político.

Talvez algum petista lembrou-se de que, em 1962, o governador gaúcho Leonel Brizola teve 200 mil votos no Rio porque vendeu arroz barato em caminhões.

OBRAS PARADAS – Terminar obras que estão paradas é uma das boas maneiras de administrar o trivial variado. Infelizmente ela vem sendo instrumentalizada em marquetagens.

Getúlio Vargas foi um presidente de grandes ideias, mas, lendo-se seu diário, percebe-se a atenção quase obsessiva com a rotina da administração.

Lula, ou qualquer político brasileiro, dispõe de um boqueirão, resgatando o agronegócio e colocando-o na galeria do orgulho nacional, como Juscelino Kubitschek colocou a indústria no final dos anos 50. Por diversos motivos, Lula jogou fora essa oportunidade e hoje ela está em cima de um montinho de cal, esperando que alguém bata esse pênalti.

Visitando uma colônia penal kafkiana, acompanhado pelo próprio Franz Kafka

Ilustração reproduzida do Arquivo Google

Flávio Gordon
Gazeta do Povo

Como se sabe, já virou uma espécie de senso comum recorrer a Franz Kafka para descrever a sensação de insignificância experimentada pelo indivíduo perante o monstruoso aparato repressor e burocrático do Estado contemporâneo. Com efeito, Kafka é um daqueles raros autores cuja obra é tão influente e cujo estilo é tão característico que o seu nome foi convertido no adjetivo kafkiano, usado para descrever situações marcadas por aquela sensação terrificante, assim como orwelliano virou um adjetivo quase sinônimo de distópico; proustiano, um adjetivo referente à reminiscência introspectiva; e dantesco, um adjetivo associado a horrores infernais.

Mas, em vez de falar de “O Processo”, a obra mais diretamente associada ao referido adjetivo, gostaria de falar de um livro menos comentado de Kafka, escrito uma década antes da publicação do outro, mas igualmente impactante e profético.

PRÉ-TOTALITARISMO – Refiro-me ao pequeno livro “Na Colônia Penal” (Strafkolonie), redigido em 1914 e publicado em 1919, antecedendo, portanto, o estabelecimento pleno dos sistemas totalitários dos anos seguintes e a própria consolidação do conceito de “totalitarismo”.

Recorrendo a uma técnica literária extremamente sutil e inteligente, Kafka propõe um exercício imaginativo perspicaz sobre a tentação totalitária que começava a pairar sobre a Europa e que, nas próximas décadas, transformaria definitivamente o destino do continente e do mundo.

O livro foi concluído cerca de dois meses após o início da Primeira Guerra, evento que primeiro concedeu às nações europeias um sentimento esmagador de unidade, mergulhando-as, em seguida, em batalhas sangrentas.

VIAJANTE EUROPEU – A trama apresenta um viajante europeu educado, acostumado a raciocinar em termos de direitos universais e humanismo, indo visitar algum lugar no exterior. Especificamente, seu destino é o local de uma execução que, de acordo com as ideias do viajante, se lhe afigurava como desprezível.

O condenado à morte, um soldado, havia falhado em executar uma ordem completamente nonsense. Pego em flagrante, foi sentenciado à morte sem qualquer tipo de julgamento, e sua execução seria consumada com o auxílio de uma complicada máquina, numa sessão de tortura com 12 horas de duração.

Recorrendo a uma técnica literária extremamente sutil e inteligente, Kafka propõe um exercício imaginativo perspicaz sobre a tentação totalitária que começava a pairar sobre a Europa

O DIÁLOGO – “Como o senhor vê, o aparelho é composto de três partes. Com o passar do tempo, foram criadas denominações um tanto populares para cada uma delas. A inferior chama-se cama, a superior chama-se desenhador, e aqui, no meio, a parte suspensa se chama rastelo,

“Rastelo?” – perguntou o viajante. Ele não ouvira com muita atenção, o sol forte demais se emaranhava no vale das sombras, era difícil reunir os pensamentos.”

O oficial responsável pela execução porta-se como uma espécie de sacerdote, tanto do totalitarismo quanto da violência. Do totalitarismo, na medida em que habita um mundo extremamente lógico – o que nos faz recordar a caracterização de Hannah Arendt sobre a logicidade macabra dos Estados totalitários –, no qual vigem normas claras, as quais se devem aplicar e aceitar sem questionamentos. Da violência, na medida em que nela enxerga não apenas um meio de domesticação, mas também de transfigurar o indivíduo e purificar a sociedade.

O NOME COMBINA – “É, rastelo, disse o oficial. – O nome combina. As agulhas estão dispostas como as grades de um rastelo e o conjunto é acionado como um rastelo, embora se limite a um mesmo lugar e exija muito maior perícia. Aliás, o senhor vai compreender logo. Aqui sobre a cama coloca-se o condenado. Quero, no entanto, primeiro descrever o aparelho e só depois fazê-lo funcionar eu mesmo. Aí o senhor poderá acompanhá-lo melhor. No desenhador, há uma engrenagem muito gasta, ela range bastante quando está em movimento, nessa hora mal dá para entender o que se fala; aqui inelizmente é muito difícil obter peças de reposição. Muito bem: como eu disse, esta é a cama. Está totalmente coberta com uma camada de algodão; o senhor ainda vai saber qual é o objetivo dela: O condenado é posto de bruços sobre o algodão, naturalmente nu; aqui estão, para as mãos, aqui para os pés e aqui para o pescoço, as correias para segurá-lo firme. Aqui na cabeceira da cama, onde, como eu disse, o homem apoia primeiro a cabeça, existe este pequeno tampão de feltro, que pode ser regulado com a maior facilidade, a ponto de entrar bem na boca da pessoa. Seu objetivo é impedir que ela grite ou morda a língua. Evidentemente, o homem é obrigado a admitir o feltro na boca, pois caso contrário as correias do pescoço quebram sua nuca.

“Isso é algodão?” – perguntou o explorador, inclinando-se para frente.

“Sem dúvida”, respondeu sorrindo o oficial. “Sinta o senhor mesmo”. Pegou a mão do explorador e passou-a sobre a cama.

“É um algodão especialmente preparado, por isso parece tão irreconhecível; ainda volto a falar sobre a sua finalidade”.

CURIOSIDADE – A essa altura, o viajante começa a se interessar pelo aparelho, demonstrando uma curiosidade meramente técnica, a qual o lado humanista não conseguiu conter. Em seguida, como que voltando a si do transe, lembra de perguntar sobre a sentença.

O oficial executor explica-lhe que, no caso desse condenado, ela consiste em ter gravada no corpo, por meio da máquina, o mandamento por ele infringido: “Honre os seus superiores!”. O viajante quer saber se o condenado conhece a própria sentença, e o diálogo que se segue revela a natureza kafkiana de um outro lugar igualmente distante, e não menos desconhecido:

A SENTENÇA – “Não”, disse o oficial, e logo quis continuar com as suas explicações. Mas o explorador o interrompeu: “Ele não conhece a própria sentença?”

“Não”, repetiu o oficial e estancou um instante, como se exigisse do explorador uma fundamentação mais detalhada da sua pergunta; depois disse: “Seria inútil anunciá-la. Ele vai experimentá-la na própria carne”.

O explorador já estava querendo ficar quieto quanto sentiu que o condenado lhe dirigia o olhar; parecia indagar se ele podia aprovar o procedimento descrito. Por isso o explorador, que já tinha se recostado, inclinou-se de novo para frente e ainda perguntou.

SEM CONDENAÇÃO – “Mas ele certamente sabe que foi condenado, não?”

“Também não”, disse o oficial e sorriu para o explorador, como se ainda esperasse dele algumas manifestações insólitas.

“Não”, disse o explorador, passando a mão pela testa.  “Então até agora o homem ainda não sabe como foi acolhida sua defesa?”

“Ele não teve oportunidade de se defender”, disse o oficial, olhando de lado como se falasse consigo mesmo e não quisesse envergonhar o explorador com o relato de coisas que lhe eram tão óbvias.

“Mas ele deve ter tido oportunidade de se defender”, disse o explorador erguendo-se da cadeira.

POSIÇÃO DE SENTIDO – O oficial se deu conta de que corria o perigo de ser interrompido por longo tempo na explicação do aparelho; por isso caminhou até o explorador, tomou-o pelo braço, indicou com a mão o condenado, que agora se punha em posição de sentido, já que a atenção se dirigia a ele com tanta evidência – o soldado também deu um puxão na corrente – e disse:

“As coisas se passam da seguinte maneira. Fui nomeado juiz aqui na colônia penal. Apesar da minha juventude. Pois em todas as questões penais estive lado a lado com o comandante e sou também o que melhor conhece o aparelho. O princípio segundo o qual tomo decisões é: a culpa é sempre indubitável. A violência não é evitada com escrúpulos, mas é tomada e usada como um instrumento de purificação, salvação e transfiguração”.

Enquanto prepara a máquina, o oficial carrasco relata detalhadamente ao viajante episódios anteriores de execução. Ressalta que os delinquentes são transfigurados ao fim da tortura, o que se vê claramente em seus rostos. Para as pessoas presentes, ademais, todo o processo representaria uma espécie de redenção e elevação espiritual.

UM CERTO FASCÍNIO – O argumento é apresentado de modo a causar um certo fascínio no viajante (e não menos no leitor). Kafka procede a uma modelagem sutil da situação narrativa, alternando o texto entre a perspectiva dos atores envolvidos e a da impessoalidade do próprio relato.

É de especial importância o fato de que a glorificação do regime totalitário e da máquina de tortura primeiro emane do oficial de execução; em seguida, é de certa forma reconstruída ou condescendida pelo viajante e, finalmente, confirmada de maneira a exercer um efeito objetivador altamente sedutor.

Kafka quer que a situação do viajante seja a situação do leitor. No livro, antes é sugerido sobre o viajante o modo como ele agiria diante da execução sádica de alguém condenado sem julgamento: de maneira negativa e a mais desencorajadora possível.

SE DEIXA SEDUZIR – No entanto, ao presenciar o procedimento, o espectador se deixa seduzir pelos arroubos do oficial, claramente animado pela suspeita, talvez até pelo desejo, de que, para além da sua sempre meticulosa ideia humanista e liberal sobre ordem e direito, exista um reino excepcionalíssimo, ou uma possibilidade para a qual a ordem e o direito são sempre “indubitáveis”, como diz o oficial.

 Aqui, a violência não é evitada com escrúpulos, mas é tomada e usada como um instrumento de purificação, salvação e transfiguração.

Por fim, é escusado dizer que qualquer semelhança entre o pequeno romance kafkiano e a realidade próxima terá sido mera coincidência.

(Artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)

Argentina fecha acordo com El Salvador para rigor total no combate ao crime

A ministra da Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, e o ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Gustavo Villatoro, na prisão Centro de Confinamento Terrorista (CECOT), em Tecoluca — Foto: PRESIDÊNCIA DE EL SALVADOR / AFP

Ministra argentina foi conhecer o sistema salvadorenho

Deu em O Globo
Agência FP

Os ministros da Segurança de El Salvador, Gustavo Villatoro, e da Argentina, Patricia Bullrich, assinaram na terça-feira um acordo para “fortalecer” a luta contra o crime organizado. O regime de exceção salvadorenho, que o governo argentino e vários presidentes da região querem copiar, é alvo de críticas de organismos de defesa de direitos humanos nacionais e internacionais.

Um relatório de 2023 apontou sinais de tortura, asfixia, choques elétricos e todo tipo de violações de direitos humanos contra presos durante o regime.

COMPARTILHAMENTO – “Seguindo as orientações dos líderes de El Salvador e da Argentina, nosso presidente Nayib Bukele e o presidente Javier Milei, assinamos, juntamente com a ministra Patricia Bullrich, um acordo de trabalho entre os dois países, com o firme compromisso de fortalecer a luta contra o crime organizado”, afirmou Villatoro, em uma rede social.

Segundo o comunicado conjunto, “serão criados espaços de análise especializados para desenhar estratégias e desenvolver ferramentas inovadoras que permitam combater eficazmente os grupos criminosos”.

A visita de quatro dias de Bullrich a El Salvador começou no domingo, quando a ministra argentina conheceu uma megaprisão inaugurada em 2022 com capacidade para 40 mil presos. Na terça-feira, Bukele a recebeu na sede do governo.

COMPARTILHAMENTO – “Compartilhamos com a delegação do Ministério de Segurança da Argentina as ferramentas e ações que implementamos no desenvolvimento do Plano de Controle Territorial, a estratégia de segurança bem-sucedida que deixou resultados sem precedentes em nosso país”, destacou Villatoro.

“Estamos muito impressionados com todo o processo, obtivemos informações absolutamente completas” — disse Bullrich ao presidente salvadorenho.

Em uma América Latina atormentada pela violência, Bukele é o presidente mais popular, segundo uma pesquisa regional. Outros governantes, como Daniel Noboa (Equador) e Xiomara Castro (Honduras), já tentaram imitar seu modelo — até agora sem sucesso.

REGIME DE EXCEÇÃO – A Human Rights Watch e a Anistia Internacional, por sua vez, denunciaram mortes, tortura e detenções arbitrárias durante o regime de exceção, que é sistematicamente prorrogado. Do total de detidos, quase 8 mil já foram libertados — milhares porque são inocentes.

O custo da segurança é pago pela “população injustamente detida”, resume o coordenador da Comissão dos Direitos Humanos, Miguel Montenegro.

No poder desde 2019, Bukele trava uma “guerra” contra gangues sob um regime de emergência em vigor desde 2022. A medida extraordinária, que permite prisões sem ordem judicial, foi decretada pelo Congresso a pedido de Bukele, em resposta a uma escalada de violência que ceifou a vida de 87 pessoas, entre 25 e 27 de março de 2022.

NAS REDES SOCIAIS – Com um forte apelo nas redes sociais e alto índice de aprovação, Bukele foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos depois de pulverizar a oposição e obter históricos 85% dos votos nas eleições de fevereiro, nas quais seu partido também abocanhou quase todas as cadeiras do Congresso (54 dos 60 assentos).

Antes mesmo da reeleição, o Parlamento dominado por aliados de Bukele, aprovou uma reforma que lhe dará o poder de reformar quantas vezes quiser a Constituição, o que provocou críticas e temores de que o presidente possa prolongar a duração dos períodos de qualquer funcionário no poder, suprimir direitos dos cidadãos e abrir caminho para sua reeleição indefinida.

À época, 11 organizações da sociedade civil se declararam preocupadas com a reforma, pois estimam que ela levará a uma concentração de poder que deixará os salvadorenhos expostos “a abusos por parte do Estado”.

AMEAÇA À DEMOCRACIA – “A reforma constitucional aprovada enfraquece a democracia, enfraquece o Estado de Direito e também enfraquece a institucionalidade democrática do país” — declarou Ramón Villalta, da ONG Iniciativa Social para a Democracia, à AFP.

Mas, depois de derrotar as gangues e tentar concentrar o poder, os especialistas acreditam que a lua de mel com a população salvadorenha pode acabar por questões financeiras. O país enfrenta uma dívida pública de US$ 30 bilhões (R$ 164 bilhões), 29% dos seus 6,5 milhões de habitantes são pobres e muitos continuam emigrando para os Estados Unidos em busca de trabalho. Os 3 milhões de salvadorenhos que vivem no exterior enviam remessas no valor de US$ 8 bilhões por ano (R$ 43,74 bilhões), o equivalente a 24% do PIB do país.

— A segurança está melhor, não temos mais medo de sair (agora), espera-se que haja mais trabalho, melhores condições de vida. Tudo está caro — disse à AFP Sandra Escobar, de 27 anos, caixa de um café na capital.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
Na realidade atual, maior rigor contra o crime dá voto, muito voto. Mas o perigo é a sedução da ditadura, como é o caso de El Salvador. (C.N.)

Método de Lira para atropelar Câmara é aplaudido quando interessa a Lula

Arthur Lira usa métodos que impedem o debate e forçam aprovação de projetos de seu interesse

Lira escapa de processos com uma facilidade impressionante

Carlos Andreazza
Estadão

De repente se descobriu Lira. De novo descoberto. De repente, de novo. De repente de novo. Dilapidador do processo legislativo desde 2021, solapador da democracia representativa, presidente da Câmara cujos métodos para destruir os tempos da atividade parlamentar foram admitidos, muitas vezes aplaudidos, ao operar por agenda de interesse do governo da reconstrução.

O amor e a esperança voltaram; não os mecanismos de obstrução por meio dos quais as oposições-minorias freavam imposições. Obra de Lira. A política voltou, marginalizadas as comissões técnicas e a representação partidária proporcional. A democracia venceu. Com Lira. O sistema de votação remota instrumentalizado para ministrar esvaziamentos episódicos do plenário, com o que controla-cassa os debates.

DUAS VERSÕES – Se o arreganho formal vai pela causa considerada virtuosa, beleza. (Né, Xandão?) E então o escândalo, oh!, quando a manipulação de urgências vem tratorando por projeto infame.

Tentou blitz pelo PL das Fake News. Ninguém entre os ora ofendidos achou ruim a disfunção estrutural produzida pelo regime de pressas-conveniências de Lira. Era por razão nobre. Sempre é. (Pergunte a Sóstenes.)

A tramitação da PEC da Transição – derrama de R$ 150 bilhões para que o governo de nossos salvadores pudesse nos salvar à larga – atropelou o rito, projeto malocado em outro já avançado. Tudo bem. A reforma tributária aprovada com o texto final desconhecido, contrabandos metidos no conjunto enquanto o plenário já o debatia. Era por bons motivos. Até que deixe de ser.

INSANIDADE – “Insanidade” é que se tenha tratado Lira, autoritário-corporativista, como democrata e interlocutor por programa reformista liberal. O senhor da constituição imperial do orçamento secreto. Que o blinda. Que continua, ministro Dino. Nas barbas do Supremo. O blindado sendo primeiro-ministro dum parlamentarismo orçamentário sem responsabilidades pela conta que pendura.

A Corte contribui para a blindagem. Ou, a respeito das traficâncias com kits de robótica, não teremos uma investigação para a qual o STF declarou, na prática, inexistir foro?

O troço não pode ser investigado, nem embaixo nem em cima, provas ao lixo – e tranca. Estímulo que abre veredas. (Nada a ver com o hospital de Maceió.)

DESDENÚNCIA – Houve também o episódio da “desdenúncia”. Por unanimidade. Lira desdenunciado no caso do assessor interceptado com grana no aeroporto. O tribunal que aceitara a acusação de súbito voltando atrás.

Ex-réu. E presidente onipotente de uma Câmara com lideranças murchas, pervertidas em donatários de emendas.

Um presidente reeleito – isto é perturbador – por uma “frente ampla” que uniu, menos de mês depois do 8 de janeiro de 23, bolsonaristas e petistas. Uma República saudável.

Debate do aborto tem “uso tendencioso” da Bíblia para defender o reacionarismo

Observe a charge e responda o que se pede: (a) Na fala do quadrinho um as decisões estão sendo tomadas a - brainly.com.brFabiano Lana
Estadão

Nas últimas semanas, no Brasil, o Congresso começou a votar e a aprovar leis que agradam certa militância política, no sentido de coibir o aborto, por exemplo, com penas de prisão cada vez mais duras. São muitas vezes ações de políticos histriônicos que querem um país em que os preceitos da Bíblia sejam aplicados de maneira rígida, punindo quem não segue as regras em tese determinadas por Deus.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, por exemplo, em cima de um caminhão, já lamentou que vivemos numa sociedade laica, em que religião e Estado estão separados. Sonha, então, com uma nação em que as normas da Bíblia tenham força da lei. Talvez, de maneira proposital, deixou entender que não se sente confortável em uma democracia.

RETROCESSO ATROZ – E se fosse assim, a seguir os ditos da religião como cláusula inquestionável, que tipo de sociedade teríamos? A Bíblia é um conjunto de livros absolutamente complexos, com amplas possibilidades de interpretação, e mesmo contradições internas, sobretudo se confrontamos o antigo e o novo testamentos. T

raz passagens que defendem igualdade, solidariedade, amor, mas também intolerância e violência – inclusive contra mulheres e crianças.

Mas algo é certo: alguns líderes religiosos brasileiros, nas suas cruzadas contra o aborto, escolheram uma série de diretrizes bíblicas, mais implacáveis, e deixaram outras de lado no momento de fazerem política em Brasília. Aproveitaram a fragilidade do governo, a omissão das forças de centro, e tentaram dar mais uma volta no parafuso do antiliberalismo nos costumes.

MAIORIA É CONTRA – Em tese, a maioria absoluta das pessoas é contra o aborto. O que se deveria discutir com mais racionalidade é se a gestante precisa ser punida criminalmente caso o pratique (querem colocar milhares de adolescentes na cadeia, inclusive vítimas de estupros?).

Sobre a questão específica do aborto não há nenhuma menção direta na Bíblia. Se for invocado o mandato de “não matarás”, além de ser também uma restrição à pena de morte, é possível alegar que o texto sagrado é recheado de assassinatos de pessoas inocentes, alguns ordenados pelo próprio ser Supremo.

Por exemplo, ao contrário do que dizem os filmes hollywoodianos, ninguém que saiu do Egito chegou vivo à terra prometida, nem Moisés. Deus ainda exigiu a aniquilação de todas as aldeias que estivessem pelo caminho, sem poupar vidas. São histórias lancinantes.

TEXTOS AMBÍGUOS – Nesse sentido de ser um texto muitas vezes ambíguo, além de exigir punições severas às práticas homossexuais e, por outro lado, pedir que um irmão sustente o outro em dificuldades, a Bíblia sugere algumas práticas que não são praticadas nem mesmo por quem diz ser representante de Deus na Terra. Na verdade, o que se faz é manipular alguns trechos da Bíblia para obtenção de certos objetivos políticos reacionários.

Porque a gente poderia até escolher outros trechos da Bíblia e perguntar se eles são seguidos também por quem diz ser um ardoroso defensor de Deus. Podemos começar com “nenhuma gordura de boi, nem de carneiro nem de cabra comereis”, (Levítico 7 23), o que nos impede de ir ao churrasco de domingo. “Pelos mortos não farei incisões no vosso corpo nem farei marca sobre vós” (Levítico 20 28), em trecho que impediria tanto as autópsias (assim foi por séculos), quanto as tatuagens.

Também há restrições alimentares, como à carne de animais como a de porco entre uma série de delimitações. A Bíblia também prescreve, já em Coríntios, que durante a oração as mulheres ou devem usar o véu ou rasparem os cabelos. Quem segue esse trecho no Brasil? Nem Michelle Bolsonaro.

USO ERRADO DA BÍBLIA – As amostras aqui são anedóticas no sentido de que a política usa a Bíblia de maneira bem conveniente para atingir seus objetivos de fortalecer certos grupos militantes. O conselho que se dá aqui, por outro lado, não é no sentido de desprezar esse livro tido como sagrado para milhões, mas mostrar que a questão pode ser enfrentada utilizando-se o mesmo texto.

Por exemplo, a Bíblia também possui trechos que podem ser interpretados como passagens de tolerância com a homossexualidade, a saber, essas declarações de Davi a Jonatas, entre outras:

“Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres” (Samuel 2 1.26).

PALAVRA DE DEUS – A Bíblia é um conjunto de livros tão extensos, tão díspares, tão sujeitos às interpretações divergentes, que é possível levar a infinitos tipos de vida apenas seguindo a chamada palavra de Deus. De santo ascético a terrorista sanguinário.

Enfim, a Bíblia é um livro aberto. É fruto de uma construção histórica (e do espírito santo, caso o leitor seja religioso), que envolve valores de épocas e sociedades diferentes. Cabe a cada um escolher o que fará com o texto ali escrito. Pode buscar um caminho da paz, da guerra, ou simplesmente seguir sem maiores reflexões o que dizem os guias religiosos – pastores, padres, políticos.

 Mas podem apostar que quase nada do que esses líderes dizem ser “a verdade revelada” é algo sem contestações na Bíblia. Muitas vezes um versículo pode vir a desmentir o outro. Muito cuidado com qualquer pessoa que queira te controlar utilizando passagens bíblicas – são textos que podem ser questionados a partir da autonomia e da capacidade interpretativa de cada um.

Lira desengaveta PEC que anistia dívida dos partidos e coloca na lista de votação

Imagem ilustrativa da imagem Charge 24/01/2024

Charge do Marco Jacobsen (Folha de Londrina)

Victoria Azevedo e Ranier Bragon
Folha

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), incluiu nesta terça-feira (18) na pauta de votações a chamada PEC da Anistia, que visa dar o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos políticos, entre elas o descumprimento das cotas eleitorais para negros e mulheres.

O novo texto da medida engloba também anistia e imunidade tributária a partidos, suas fundações e institutos, além de um programa de refinanciamento das dívidas das legendas.

A decisão de Lira ocorreu após reunião dele com líderes partidários, em sua residência oficial, em Brasília.

VOTAÇÃO RELÂMPAGO – Após a inclusão do tema na pauta, deputados cogitaram votar a PEC ainda nesta terça. A nova intenção é votar os dois turnos da proposta nesta quarta-feira (19). Líderes partidários dizem que isso dependerá ainda de acertos com o Senado.

A Câmara chegou a tentar votar a PEC em outubro do ano passado em comissão especial, mas reação contrária barrou a medida. Como não houve votação na comissão no prazo, o presidente da Câmara pode levar o assunto diretamente para o plenário.

A PEC da Anistia conta com o apoio de praticamente todos os partidos, do PT de Lula ao PL de Jair Bolsonaro, tendo como oposição aberta apenas o esquerdista PSOL e o direitista Novo.

DIVERGÊNCIAS – Ela já foi aprovada pela CCJ da Câmara e estava em uma comissão especial. Houve três tentativas de votação na comissão no ano passado, mas divergências em alguns pontos específicos adiaram o desfecho.

Para que uma emenda à Constituição seja aprovada, é necessário o voto de ao menos 60% dos deputados federais e dos senadores, em dois turnos de votação em cada Casa legislativa.

Apesar do amplo apoio na Câmara, a PEC da Anistia não encontrava no ano passado respaldo tão evidente entre os senadores.

E O SENADO? – Deputados afirmavam que só voltariam a analisar a proposta e assumir o desgaste público decorrente disso caso tivessem segurança de que o Senado não a barraria. Se não houver essa garantia, a PEC poderá voltar para a gaveta.

A proposta visa isentar os partidos políticos de qualquer irregularidade cometida na aplicação das verbas eleitorais em 2022, perdoando em especial o não cumprimento pelos partidos das cotas de estímulo da participação de negros e mulheres na política, além de fragilizar essas políticas.

“O cumprimento dos valores mínimos (tanto para mulheres quanto para pessoas negras) deixa de ser obrigatório, exceto se definidos por lei aprovada pelo Congresso Nacional”, destaca análise do novo texto feito pela Transparência Partidária.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
É a vergonha das vergonhas. O TSE tem milhares de funcionários e não consegue cumprir a obrigação de fiscalizar a contabilidade dos partidos, que se comportam como roedores dos recursos públicos, sem que haja punição por improbidade e outros crimes. É desanimador. (C.N.)

Setores variados da economia já estão rompendo publicamente com o Lula 3

Presidente tem visto setores da economia reclamarem publicamente da interlocução com o governo

Vários setores desistiram e estão tirando a cadeira de Lula…

William Waack
Estadão

Não existe “o” empresariado que fale com uma voz, a não ser quando o governo Lula 3 provoca algum tipo de unanimidade entre setores que têm interesses às vezes antagônicos, vivem fases distintas de expansão e rentabilidade e dependem em diferentes graus do poder público.

Foi o caso com a MP que alterava regras do sistema tributário, parte da qual acabou devolvida pelo Congresso depois de repúdio unânime vindo dos mais variados segmentos da economia (e da política). A questão é saber como Lula e seu círculo político mais próximo entenderam a natureza dessa “unanimidade”.

INTERESSE AFETADO – Provavelmente encararam como uma esperada reação de empresários que tiveram seus interesses afetados – como renúncias fiscais e benefícios de todo tipo. E que se empenham em garantir exclusivamente o “seu”, através da sua influência no Legislativo de centro-direita.

Tudo isso sem dúvida existe, mas a lição do episódio é muito mais grave para o governo. Pior do que não ter capacidade política e nem saber lidar com esses “direitos adquiridos” (como desoneração de folha de pagamentos, por exemplo), Lula 3 inverteu expectativas que já não eram das mais entusiasmadas em relação à condução da política econômica em particular e dos rumos do País em geral.

O pano de fundo para a crise da MP é muito amplo, antigo e desafiador. Trata-se de um processo de décadas de criação de distorções (o famoso país da “meia entrada”, na brilhante definição de Marcos Lisboa) que agravam a situação fiscal, as questões tributárias, a dívida pública e impedem a queda de juros – num ambiente de bagunça institucional e perda relativa de poder do Executivo.

SEM PROGRAMA? – Qual a resposta ou plano que Lula 3 tem para lidar com esse monumental desafio político e econômico? Qual capacidade política demonstrou até aqui de lidar com a compressão das despesas discricionárias, que o impedirá de governar? Qual esforço exibe além de aumentar como puder a receita como forma de bancar a expansão de gastos públicos?

O padrão que se verifica nas ações políticas é o de improvisação subordinada à necessidade de garantir a popularidade do presidente. O círculo dirigente mais próximo confessa sua incompetência quando admite que não soube “averiguar a temperatura” antes de provocar um desastre político como a devolução da referida MP.

A tal “unanimidade” de setores da economia talvez não seja um definitivo “divisor de águas” em termos de apoio/repúdio político ao governo, e consequente busca de alternativas. Mas é preocupante para Lula 3 quando considerado o grau de resistência social que o governo não está sendo capaz de superar. Em política, expectativas frustradas são o mesmo que confiança traída.

Alexandre de Moraes é contrário ao projeto que restringe delações premiadas

Moraes diz que a delação premiada está funcionando bem

Wendal Carmo
Carta Capital

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, disse ver com preocupação o avanço de um projeto de lei da Câmara dos Deputados que proíbe delações premiadas de presos. A manifestação ocorreu durante julgamento do caso Marielle Franco, nesta terça-feira 18.

A proposta tramita em regime de urgência na Casa e “impõe como condição para a homologação judicial da colaboração premiada a circunstância de o acusado ou indiciado estar respondendo em liberdade ao processo ou investigação ou investigação instaurados em seu desfavor”.

ARMA ESSENCIAL – Para Moraes, a delação é essencial para desvendar esquemas que envolvem altos escalões do poder, permitindo que acusados ou indiciados colaborem com a Justiça em troca de benefícios como como redução da pena. “Estamos diante de um ataque direto a um dos principais mecanismos de combate à corrupção em nosso País“, afirmou.

O texto propõe ainda que as pessoas afetadas por uma delação possam impugnar o acordo de colaboração. O requerimento para acelerar a tramitação do projeto foi apresentado pelo deputado Luciano Amaral (PV-AL).

Com isso, a Câmara resgatou o projeto apresentado em 2016 – no auge da Lava Jato – pelo ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ), atualmente Secretário Nacional do Consumidor no Ministério da Justiça.

CASO BOLSONARO – A retomada ganhou força entre parlamentares da oposição depois de o ex-presidente Jair Bolsonaro passar a ser investigado com base na delação do tenente-coronel Mauro Cid, seu ex-ajudante de ordens.

Entre caciques do Centrão, a defesa do texto está relacionada à prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) após o ex-PM Ronnie Lessa acusá-lo, em colaboração premiada, de ter encomendado a morte de Marielle.

O parlamentar e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, se tornaram réus nesta terça. A decisão do STF também atinge o delegado Rivaldo Barbosa e outros dois acusados.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Faz tempo que não concordamos com o ministro Alexandre de Moraes. Mas desta vez ele está certíssimo. Não se pode aceitar as restrições à delação premiada, um sistema moderno que faz sucesso na matriz USA, mas não pode existir na filial Brazil. Por que será? (C.N.) 

Crítica de Haddad a empresários e políticos mostra que governo está bem encrencado

Não precisa ser quintal de ninguém', diz Haddad ao defender potencial do Brasil – CartaExpressa – CartaCapital

Haddad e Simone mostram-se cada vez mais desanimados

Alexandre Garcia
Gazeta do Povo

O desabafo de Fernando Haddad, há poucos dias em São Paulo, deixou a impressão de despedida. Queixou-se de que o Brasil é uma “encrenca” e “um país difícil de administrar”. E aí já parece uma catarse: “Às vezes, quem está em uma posição de poder não está fazendo a coisa certa pelo país. Isso é a coisa mais triste da vida pública: quem pode fazer a diferença nem sempre está pensando no interesse público. E devia estar, né? Porque está em posição de poder; porque é grande empresário ou político com mandato”.

A quem estaria o ministro se referindo? Foi num evento do Instituto Conhecimento Liberta. Significativo, não?

LAVANDO AS MÃOS – Enquanto isso, Lula, mais uma vez, aplicava o mau exemplo de Pilatos. Referindo-se à “MP do fim do mundo”, que lhe foi devolvida, lavou as mãos: “A bola está nas mãos do Senado, e na mão (sic) dos empresários. O Haddad tentou, não aceitaram. Agora encontrem uma solução”.

O presidente não pode esquecer que ele é o chefe do Executivo, responsável, portanto, pelo equilíbrio fiscal. Aliás, quem deu o chute inicial nessa bola foi ele mesmo, ao quase dobrar o número de ministérios, aumentando a despesa, e não demonstrando vontade em cortar o Estado gordo, pesado e lento. A solução que aparece é tributar.

Com isso, recebeu críticas de um pesado contribuinte de campanha, Rubens Ometto. O presidente da Confederação Nacional da Agricultura nem quer mais falar com Lula. E o presidente da Federação das Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul), Rodrigo Souza Costa, anunciou que agora vai elevar o tom porque um presidente sindicalista não está preocupado com o emprego atingido no estado.

MUITAS QUEIXAS – O líder empresarial queixou-se da morosidade, inércia e pouca efetividade do governo federal, que recebe mais impostos do estado em relação ao que retribui em serviços e apoio – e ainda tem um ministro lá só para cuidar dos assuntos do Rio Grande.

O investimento estrangeiro em bolsa também demonstra desaprovação. Neste ano, foram retirados da B3 R$ 45 bilhões em investimento estrangeiro. Segundo fonte do J.P. Morgan, isso acontece porque o governo demonstra dificuldade em cumprir as metas fiscais.

Sucessivas medidas provisórias têm fracassado e ainda assim o presidente insiste. Agora uma delas beneficia os irmãos Batista, Joesley e Wesley, e foi anunciada poucos dias depois que eles estiveram no Planalto. A da desastrosa importação de 1 milhão de toneladas de arroz ainda está vigente; o fiasco não surtiu arrependimento.

ENFRAQUECIMENTO – Assim, chega-se à conclusão de que não é a oposição que mais enfraquece o governo; é o próprio chefe de governo.

Lula é política pura, não liga pra o governo, e a administração pública precisa de técnicos, especialistas em cada assunto, e não apenas intuição. Mas a intuição parece cansada, ou desatualizada, passada no tempo.

As lideranças do governo e seus seguidores notam isso. O problema é que prejudica o país inteiro. Não é o país que é encrenca; é o governo que está encrencado.

(Artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)

Governos de coalizão sempre provocam problemas fiscais e ingovernabilidade?

Marcus André Melo
Folha

Há certa confusão conceitual no debate sobre as consequências de nossos governos de coalizão para a economia e a governabilidade. Entre os cientistas políticos, a ênfase é posta na relação Executivo-Legislativo e a governabilidade. A questão de interesse é a capacidade do Executivo em aprovar sua agenda. Para os economistas, é a de promover o crescimento.

Crises canônicas de governabilidade envolvem presidentes impondo unilateralmente suas agendas a um Legislativo recalcitrante, e deflagrando crises institucionais e intervenções militares.

GANHOS DE TROCA – Os poderes constitucionais do Poder Executivo — reativos (ex. vetos) e proativos (ex. MPs, iniciativas exclusivas) — influenciam a relação Executivo-Legislativo. Idem para a distribuição de pastas ministeriais e execução de emendas.

O manejo destes instrumentos permite ganhos de troca entre Legislativo e Executivo e pode assegurar governabilidade: ele determinará o grau de prevalência da agenda presidencial. Sim, a agenda é endógena: o Executivo escolhe o que submeter ao Congresso; pode inclusive garantir governabilidade renunciando a sua agenda. Mas governabilidade não é garantia de eficiência das politicas.

A visão estereotipada é de Legislativo perdulário e Executivo racionalizador. É certo que o Executivo tem incentivos eleitorais mais potentes para se assegurar bens públicos nacionais (ex. crescimento, inflação baixa), enquanto os parlamentares da base têm incentivos para garantir bens públicos locais. Estes podem ou não internalizar os incentivos nacionais e locais; a variável central aqui serão os partidos.

CRENÇAS INFUNDADAS – A agenda do Executivo, no entanto, pode estar ancorada em crenças tecnicamente infundadas (ex. que estatais e gasto público garantem crescimento).

E muito pior: ser abertamente oportunista e curto prazista em anos eleitorais. O enorme potencial de abuso político da política econômica tem implicações sobre o crescimento.

Canes-Wrone e colegas em estudo recente, com painel de 57 países durante 40 anos, mostra que a existência de restrições ao Executivo na forma de instituições independentes (Judiciário, agências reguladoras, bancos centrais) mitigam o impacto da alternância de poder, em virtude da competição eleitoral, com impactos positivos sobre o fluxo de investimentos.

MINIMIZAM ABUSOS – Ademais, como mostrou Noorudin em “Coalition Politics and Economic Development” (2011), governos de coalizão têm maior capacidade de fazer compromissos críveis quanto às políticas a serem adotadas pois minimizam a volatilidade e abusos que podem decorrer de concentração de Poder no Executivo.

Assim, as evidências sugerem que nossas patologias fiscais não derivam de haver governos de coalizão. As patologias podem até ter sido minimizadas por elas.