
Caminhada foi marcada por um sentimento de fraternidade cristã
Pedro do Coutto
Ontem, o Papa Francisco viajou para a eternidade deixando um rastro luminoso na história voltado para a modernização do Vaticano e um avanço consolidado pela realidade dos fatos e da época. No último dia 13 de março, havia completado 12 anos à frente do pontificado. Sua trajetória à frente da Igreja Católica foi marcada por profundas reformas institucionais, significativa atuação diplomática e um firme posicionamento no enfrentamento aos casos de abuso sexual no clero.
Desde o início, o pontífice argentino empenhou-se em promover uma ampla reforma da Cúria Romana — o órgão administrativo central da Santa Sé — com o objetivo de torná-la mais sensível às necessidades das igrejas locais. Francisco defendeu uma estrutura mais descentralizada e plural, que conferisse maior protagonismo aos leigos e às mulheres dentro da hierarquia eclesiástica. Essas iniciativas, nem sempre bem recebidas internamente, foram concretizadas com a promulgação, em 2022, de uma nova constituição apostólica, que reorganizou os departamentos da Cúria e deu prioridade à evangelização como missão central da Igreja.
DESAFIOS – Entre os desafios mais dolorosos enfrentados por Francisco esteve o agravamento das denúncias de abuso sexual por membros do clero, com casos registrados da Irlanda à Alemanha, passando pelos Estados Unidos. Após o insucesso de uma comissão internacional de especialistas criada em 2014 e uma polêmica viagem ao Chile em 2018 — marcada por equívocos e renúncias subsequentes —, o pontífice pediu desculpas públicas por ter defendido incorretamente um bispo acusado. Desde então, intensificou os pedidos de perdão às vítimas.
Em 2019, criou uma comissão consultiva para a proteção de menores, posteriormente incorporada à estrutura da Cúria. No mesmo ano, uma inédita cúpula no Vaticano gerou medidas significativas: eliminação do segredo pontifício para casos de abuso, obrigatoriedade de denúncia interna por parte dos religiosos e criação de canais de escuta nas dioceses. No entanto, o sigilo da confissão foi mantido.
Durante seu pontificado, o Papa Francisco realizou dezenas de viagens internacionais, com enfoque nas “periferias” — optando por visitar nações menos favorecidas do Leste Europeu e da África, em detrimento dos tradicionais centros católicos do Ocidente. Foi um firme defensor do multilateralismo, condenando reiteradamente o comércio internacional de armas. Incentivou o diálogo inter-religioso, com destaque para a histórica visita ao Iraque em 2021, símbolo da aproximação com o Islã.
ACORDO – No campo diplomático, protagonizou um acordo inédito com o governo chinês em 2018, tratando da delicada questão da nomeação de bispos naquele país. A diplomacia vaticana também foi fundamental na reaproximação histórica entre Cuba e os Estados Unidos, em 2014. Contudo, a guerra na Ucrânia impôs limites à sua atuação internacional. Apesar de repetidos apelos pela paz, o conflito não pôde ser evitado, minando as tentativas de aproximação com o patriarca russo Kirill, aliado do Kremlin. Ainda assim, permanece o registro do encontro histórico entre ambos em 2016 — o primeiro desde o Cisma de 1054 entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Em sua encíclica Laudato Si’, publicada em 2015, Francisco convocou a humanidade a uma “revolução verde”, criticando severamente o uso irresponsável dos recursos naturais e reiterando seu apoio ao Acordo de Paris. A noção de “ecologia integral” tornou-se uma marca de seu pontificado.
A caminhada do Papa Francisco foi marcada por um sentimento de fraternidade cristã e com isso um encontro com as correntes progressistas que assinalam o impulso para a própria existência humana. Com Francisco, a história ganhou um novo capítulo escrito por ele próprio, Francisco, e pelo sentimento de liberdade e de respeito a todos os seres humanos.