Malu Gaspar
O Globo
Na manhã seguinte à vitória de Donald Trump, Brasília amanheceu tensa, mas as reações no governo Lula seguiram uma espécie de protocolo. O primeiro a falar em nome do governo foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, batendo na tecla de que, entre o que é dito em campanha e o que se faz no governo, pode haver um largo espaço.
— Após os primeiros resultados, já é um discurso mais moderado que o da campanha — tentou aliviar Haddad.
O assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, foi na mesma toada, evocando a boa relação que Lula mantinha com George W. Bush em seu primeiro mandato e dizendo que o Brasil fará o “possível para ter uma conversa pragmática”. Nas redes sociais, Lula, que na semana passada afirmou torcer por Kamala Harris por ser “muito mais seguro para fortalecer a democracia”, cumprimentou Trump e pediu diálogo.
ESTRAGOS PARA LULA – Nos bastidores, porém, todo mundo sabe que haverá estragos para Lula, tanto na dimensão política como na econômica. Primeiro, porque a agenda de Trump — aumentar tarifas de importação para dificultar a entrada de produtos estrangeiros, cortar impostos e reduzir a entrada de imigrantes ilegais, aumentando o custo da mão de obra — tende a provocar inflação e retardar a queda dos juros por lá.
É uma agenda péssima para o Brasil, que tem pela frente um espinhoso ajuste fiscal para implementar. A tarefa se torna ainda mais complicada quando não se sabe ao certo a extensão do que vem por aí.
No discurso da vitória, Trump fez questão de dizer que as “promessas feitas serão cumpridas”, e o histórico mostra que não convém subestimar sua disposição.
EMPODERADO – Ao longo da campanha, ele deixou bem claro que tiraria de seu caminho todo e qualquer obstáculo, em especial a burocracia que o impediu de fazer estripulias mais drásticas no primeiro mandato.
Sua enorme votação, a conquista do controle da Câmara e do Senado pelos republicanos e a maioria que já tem na Suprema Corte tornaram Trump um presidente superpoderoso. Não há por que supor que ele aliviará logo agora que pode pegar pesado.
Na política brasileira, isso significa injetar um aditivo no estado de ânimo da direita, especialmente no cercadinho de Jair Bolsonaro. No primeiro mandato de Trump, a relação entre os dois foi bem assimétrica. Bolsonaro bancava o fã, e Trump um ídolo distraído — quem não lembra o dia em que ele disse que amava o americano e recebeu de volta um “legal te ver de novo”?
MUSK NA BRIGA – De lá para cá, as derrotas e processos judiciais aproximaram o bolsonarismo do trumpismo. Elon Musk, o dono do X, entrou de sola no cenário político e comprou briga com o Supremo Tribunal Federal, em especial com Alexandre de Moraes, que mandou suprimir postagens de personagens de direita da rede social.
Noutra frente, parlamentares republicanos apresentaram ao Congresso um projeto de lei para barrar a cooperação financeira e jurídica com instituições brasileiras e o financiamento a entidades de combate à desinformação que venham a assessorar a Justiça Eleitoral brasileira, além de um pedido para que o Departamento de Estado cancele o visto americano de Moraes.
O senador que capitaneou essas iniciativas, Rick Scott, se reelegeu com larga vantagem e tem boas chances de ser líder da maioria.
AMEAÇA A MORAES – Na noite da vitória, estavam todos confraternizando com Eduardo Bolsonaro no jantar que Trump ofereceu a poucos convidados durante a apuração, em seu resort na Flórida.
Bolsonaro acredita que a vitória de Trump abrirá uma porta para reverter a inelegibilidade e lhe dar fôlego para retomar o espaço que começava a perder na direita depois das derrotas na eleição municipal. Tudo isso depende de variáveis que nem o poderoso Trump será capaz de controlar, mas não dá para negar que seu próximo mandato alterará o rumo da geopolítica mundial.
O que Lula fará a respeito, talvez nem ele saiba. Bolsonaro e seus aliados, estes estão prontos para surfar essa onda até 2026, provocando ainda mais instabilidade num cenário que já não é de calmaria.