Patrik Camporez , Jeniffer Gularte e Thiago Bronzatto
O Globo
Chamado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reformular o sistema de informações estratégicas do governo após o 8 de janeiro, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), delegado federal Luiz Fernando Corrêa, diz ter encontrado um ambiente “caótico”.
Segundo ele, o cenário era fruto da falta de atenção à área em governos passados — inclusive os do PT.
O senhor já disse que o sistema de inteligência não foi bem cuidado pelos sucessivos governos pós-redemocratização. Lula e Dilma negligenciaram a Abin?
Não digo que negligenciaram como agência. Falei e repito: todos os governos depois (da redemocratização) não trataram a atividade de inteligência devidamente. No segundo governo Lula, foi feita uma reestruturação das carreiras. O meu problema é a inteligência. A atividade foi malcuidada. Isso ocorreu por razões óbvias: a desconfiança de que o serviço servia só para vigiar pessoas, contrariava interesses do Estado, uma questão cultural.
Qual foi a falha da Abin no 8 de janeiro?
O sistema estava caótico. Não tinha uma lógica, um funcionamento adequado. É o sistema como todo, e nós vamos atribuir total responsabilidade à Abin, porque era órgão central?
Lula disse que nenhuma inteligência serviu para avisá-lo sobre o risco dos atos golpistas. O senhor concorda?
Ele estava lá. Se ele acha que não chegou, é porque tem as razões dele. Sistemicamente, a inteligência não funcionou.
A Abin enviou alertas sobre o risco de atos às vésperas do 8 de janeiro, que foram repassados ao então ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Gonçalves Dias. O presidente não foi avisado?
Eu nem estava no governo. Só fui chamado a partir do dia 17 de janeiro. Isso está sendo apurado. Quero olhar para frente e reconstruir o sistema.
O país não tinha informação de inteligência confiável?
As informações estavam claras, mas o funcionamento era caótico. Não vou tornar público meu diagnóstico. Vou fazer as correções. Desenhamos a solução, foi discutida e houve anuência do presidente. Agora, temos um projeto para botar isso para funcionar.
Como a Abin tem monitorado movimentos extremistas após as invasões aos prédios do três Poderes?
Estamos tentando estudar esse fenômeno em todos os seus aspectos para auxiliar quem conduz políticas públicas. O extremismo não é compatível com a democracia. Ele se manifesta no aspecto ideológico e por outras motivações também, e isso leva a outras coisas como atos violentos nas escolas.
Por que houve redução da participação de militares no comando do Sistema Brasileiro de Inteligência?
O decreto (que reformula o sistema) vai dizer que o órgão central é a Abin, que decide quem entra e quem migra de uma categoria para outra. Eu não abro mão da parceria dentro do sistema da inteligência militar. A gestão do sistema estava com essa disfuncionalidade da Abin, mas isso é uma opção de governo.
O senhor já foi diretor-geral da Polícia Federal. Como vê as apurações envolvendo militares supostamente envolvidos em uma trama golpista após as eleições?
A polícia não escolhe clientes. Os fatos é que diz quem são os investigados. É uma instituição funcionando. Se ela instalou o inquérito, tem os fundamentos. Não é alçada da Abin essa avaliação política.
A Polícia Federal investiga o uso de um programa pela Abin, sob a gestão de Jair Bolsonaro, para monitorar a localização de celulares. Qual o estágio dessa apuração?
A Controladoria-Geral da União avocou os procedimentos de todos os órgãos públicos para dar uniformidade de tratamento.
Concorda com o uso desse programa?
Aquilo, para mim, é brinquedo de criança para o que a inteligência precisa. Pelo pouco que conheço daquela ferramenta, não nos atende. A Abin precisa ter capacidade de buscar dados negados. Isso é típico da atividade de inteligência. Aquilo que não querem me informar e o Brasil precisa saber. Quero primeiro organizar o sistema para mostrar para o meu controlador externo, o Congresso, que nós somos rastreáveis e auditáveis. Está seguro? Então, agora nos deem capacidade e coloquem mais o Poder Judiciário, com uma vara especializada (em inteligência), como qualquer país moderno tem. Temos notícia de um espião (russo) preso, tratado pela Justiça como se fosse um evento qualquer.
Na prática, o senhor visualiza uma Abin mais poderosa em termos de inteligência?
Precisamos de uma Abin compatível com o peso do Brasil na geopolítica. Quero que a agência cumpra o seu papel.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O diretor da Abin ficou em cima do muro. A culpa (omissão) foi da Abin ou não? Ele deixou a pergunta no ar, como uma pluma muito leve cantada por Ney Matogrosso nos Secos & Molhados. (C.N.)