Aprovar projeto de abuso de autoridade é gesto vingativo do Senado contra a Lava Jato

Charge do Amarildo (amarildo.com.br)

Jorge Béja

É imoral. É desonesto. É covarde. É sórdido e é inconstitucional o projeto de lei que o Senado aprovou e que pune juiz e promotor por abuso de autoridade. É baixo, indigno, vil e vingativo. Se for transformado lei e levado à sanção presidencial, Bolsonaro o vetará. E se depois o veto cair, o Supremo Tribunal Federal vai derrubá-lo por suas próprias torpezas. O sentido vingativo e a ignorância jurídica são de tal ordem que até o promotor de justiça foi conceituado como autoridade, quando autoridade não é.

Na ordem jurídica nacional só existem duas autoridades: a judicial (juízes) e a judiciária (delegados de polícia). O que sobra são “autoridades políticas”, ocasionais e transitórias.

INVIOLABILIDADE – As mesmas imunidades que têm deputados e senadores – a inviolabilidade civil e penal por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos – a magistratura também tem. Seria um contra-senso proteger e imunizar parlamentares e não dispensar o mesmo tratamento aos juízes no exercício do seu poder-dever de jurisdição. Isto é, o de julgar e sentenciar, com liberdade e sem nada temer, os processos que lhes são submetidos. Além disso, o abuso de autoridade já consta previsto como crime no Código Penal desde 1940:

“Artigo 350 – Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem a formalidades legais ou com abuso de poder. Pena de detenção, de um mês a um ano“.

IMUNIDADE – Também o Código de Processo Civil, tanto o novo código de 2015 quanto todos os outros anteriores, deixa o juiz imune a responsabilização quanto a suas opiniões, palavras e votos. Somente prevê responsabilização do magistrado quando determina:

“Artigo 143 – I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte”.

LIÇÃO MAGISTRAL – Colhe-se esta belíssima passagem de sua obra “O Juiz e a função jurisdicional“, da autoria do respeitabilíssimo jurista e magistrado brasileiro, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, que foi Mário Guimarães (1889-1976):

Razões mais fortes, porém, aconselham a irresponsabilidade [do juiz]. Primeiramente, uma política social: os juízes pagam tributo inexorável à falibilidade humana. Erram porque são homens. Se obrigados a ressarcir de seu bolso [ou serem apenados criminalmente], ficariam tolhidos, pelo receio do prejuízo próprio, na sua liberdade de apreciação dos fatos e da aplicação do Direito. Não se coadunaria com a dignidade do magistrado coagi-lo a descer à arena, após a sentença, para discutir, como parte, o acerto de suas decisões”

Nesta quarta-feira, a sala da CCJ do Senado foi palco-salão de uma tragédia

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No lugar de Moro, que deveria estar depondo é Glenn Greenwald

Jorge Béja

Nesta quarta-feira, 19 de Junho de 2019, a sala da Comissão de Constituição e Justiça do Senado foi palco-salão de uma tragédia. Uma vítima inocente sentou-se numa espécie de banco dos réus para ser interrogado! Ninguém enxerga isso? Uns dizem que Moro saiu-se muito bem… Que Moro mostrou que não cometeu infração alguma…. Que Moro respondeu, com segurança, a todas as perguntas…Mas calma lá!  Que crime Moro é acusado de ter cometido?

Ele, sim, é que foi vítima de crime covarde, quando teve invadida sua privacidade e o criminoso-invasor apoderou-se das mensagens e as tornou públicas, em capítulo, em pílulas, em etapas! Isso, se o teor das gravações conseguidas criminosamente forem mesmo verdadeiras.

ERRO DE PESSOA – Quem deveria estar sentado atrás daquela mesa e sendo interrogado é esse estrangeiro Glenn Greenwald, um criminoso que nem o nobre ofício de jornalista acoberta seus crimes, por ele cometidos e/ou por ele divulgados.

Quem segura a escada para o ladrão roubar também responde pelo crime de roubo. Quem divulga mensagens de terceiros, conseguidas criminosamente, ainda que não seja o divulgador quem as gravou, é tão bandido quando quem gravou, quem copiou, quem invadiu.

Quem também deveria estar sentado atrás daquela mesa para ser interrogado era a doutora Raquel Dodge que, na chefia do Ministério Público Federal, cruzou os braços e não pediu à Justiça a busca e apreensão do material criminoso em poder do tal Greenwald.

CASO NEYMAR – Enquanto isso, o mesmo Ministério Público (o Ministério Público é uno e indivisível, seja estadual, seja federal), pediu e obteve na Justiça a busca e apreensão do celular da “cândida” jovem Nájila Trindade, que foi a Paris para passear com Neymar e ver como ficou a Catedral de Notre Dame e voltou acusando o jogador de tê-la estuprado e de outros crimes. Tudo gravado, segundo ela, pelo seu celular.

Mesmo assim e apesar da tragédia, nosso presidente Jair Bolsonaro resumiu, acertadamente, tudo numa frase a respeito da covardia que fizeram com Sérgio Moro: “Vão quebrar a cara. Podem procurar outro alvo”.

Não existe juiz neutro para julgar acusados de cometer crimes de lesa-pátria

Charge do Alpino (Arquivo do Google)

Jorge Béja

Nesta Terra de Santa Cruz chamada Brasil, nenhum juiz federal criminal é neutro, rigorosamente neutro, isento e equidistante  para julgar réus denunciados por terem se apropriado, roubado, furtado, desviado, se apoderado do dinheiro da Nação Brasileira, dinheiro que ao povo pertence. Isto porque ele, o juiz, também é povo. Ele, o juiz, também é vitimado. Ele, o juiz, é gente como a gente. Ele, o juiz, também é parte no processo. Ele, o juiz, tem convicções, sentimentos e reações que são perfeitamente humanas.

O magistrado não é um robô. Não é um Super Homem. Não é um ser extraterrestre.  Não é uma máquina. Não é um estranho, um estrangeiro que veio de fora para decidir essas causas horrorosas. Ele tem corpo, alma e sentimentos como todos temos.

TENDÊNCIAS – Da mesma forma que a Justiça do Trabalho é tida e vista como paternalista, porque a parte pedinte é, via de regra,  o empregado, parte mais fraca… Da mesma forma que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor considera todos nós, adquirentes e compradores de produtos e serviços como sendo a parte hipossuficiente (no sentido financeiro, social e literal), a parte sempre mais frágil e fraca, em tudo e por tudo, também no foro federal criminal e nos crimes de lesa-pátria, de assalto aos cofres nacionais, os ladrões dos dinheiros do povo são gatunos de uma população imensa e inteira de hipossuficientes, de coitados, de enganados, de pungados, de sem vez, de sem voz e de sem nada.

Diante deste quadro, verdadeiro e geral, como exigir do magistrado que tape a vista, que venda os olhos e não intervenha, ele próprio, para buscar a verdade e, de acordo com as provas produzidas, condenar ou absolver aquele ou aqueles que foram denunciados por terem roubado o dinheiro do povo?

LIBERDADE DE AGIR – A intervenção pessoal do magistrado é sempre útil e legalíssima. Pode o juiz, de per si, ordenar a intimação de pessoa cujo nome nem aparece no processo, para depor na sua presença e dela colher informações que o magistrado, de ciência própria, sabe que vão contribuir e, quiçá, decidir a questão. E se o próprio juiz da causa não intimar para depor, pode e deve o magistrado fornecer a informação ao Promotor de Justiça para que requeira, uma vez que o Ministério Público em tais processos é sempre o dono da ação (dominus litis).

Ora, ora, que pecado o brasileiro e também vitimado Sérgio Moro cometeu ao repassar ao Promotor Federal o nome de uma testemunha? Que outro pecado o mesmo juiz cometeu ao indagar se estaria por vir “outra operação”?

LADO A LADO – Sim, no processo penal, o promotor de justiça é a parte acusadora e o réu a parte acusada. Mas por que nos juízos de primeira instância e mesmo nos tribunais os promotores sentam-se ao lado direito do juiz (na primeira instância) e também ao lado direito dos presidentes (nos tribunais), enquanto que os advogados ficam distantes, ora em pé ora sentados, sempre num plano inferior ao da autoridade judicial?.

Se constata, portanto, que até mesmo pelas disposições das salas de audiência e julgamento nos fóruns e nas turmas, câmaras e plenários dos tribunais, a proximidade e a intimidade entre quem julga e quem acusa existem, e isso não está fora da ética e, sim, dentro da tradição. E não compromete a distribuição de justiça.

E OS HACKERS? – O gângster  (ou gângsteres) que criminosamente invadiu os celulares do então juiz Moro e dos procuradores da República que integram a força-tarefa da Lava Jato  e que estão disseminando e divulgando, por etapas e capítulos, o que é atribuído ao que seriam  mensagens daquelas autoridades, precisam ser identificados e processados e rigorosamente punidos.

A pretensão deles é desmoralizar o então juiz e promotores públicos, esquecendo-se que até 17.3.2017, quando a Lava Jato completou três anos, dos duzentos investigados que foram denunciados pelos promotores federais, o juiz Sérgio Moro condenou noventa e dois e absolveu vinte e nove. Foram decisões calcadas nas provas existentes do processo.

Procuradoria-Geral da República precisa agir contra os crimes que atingem Moro e membros do MPF

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Raquel Dodge se omite diante dos crimes e não toma providências

Jorge Béja

É dever da Procuradoria-Geral da República (PGR) pedir à Justiça Federal que expeça ordem determinando que todo o material, em poder do site “Intercept Brasil” e referente à invasão e captação de mensagens atribuídas ao então juiz Sérgio Moro e a membros do Ministério Público que atuam no combate à corrupção, que todo o material seja imediatamente apreendido e entregue à Polícia Federal.

Para tanto, que a procuradora-geral Raquel Dodge peça Mandado de Busca e Apreensão, com ordem de prisão, se o material não for encontrado ou se houver resistência, ocultamento ou obstaculização ao êxito da diligência. Mas a PGR está de braços cruzados. Nada faz. E a procuradora-geral sonha em ser reconduzida…

PROCURADORIA OMISSA – Diz a PGR que foi aberto inquérito policial. A ser verdade, o que já foi feito de concreto no inquérito? Por que o recolhimento (busca e apreensão) do material não foi solicitado à Justiça Federal?

Enquanto isso, a inércia ministerial permite que partes, pedaços e porções de um corpo de delito inteiro venham sendo expostos, em capítulos, à curiosidade pública, denegrindo a imagem daqueles que atuaram e conseguiram penetrar na engenhosa trama que saqueou o dinheiro do povo brasileiro, identificando-os, submetendo-os ao devido processo legal e levando-os à prisão.

Tudo é gravíssimo. Tudo é inconcebível. Tudo é barbárie e contrário à civilidade, à civilização e à vontade soberana do povo brasileiro que, ao eleger Jair Bolsonaro presidente, externou sua repulsa aos governos passados, mentirosos, impatrióticos e corruptos.

MONSTRUOSIDADES – Tudo é literalmente hediondo. Seja aquele monstro que matou com 7 tiros o jovem ator, com 4 tiros seu pai e com 2 tiros sua mãe, quando a família foi à casa da namorada do filho para se apresentar e conversar com os pais da moça e o pai dela matou todos eles, ou seja o invasor ou invasores dos celulares do juiz e dos promotores e se apoderaram dos conteúdos a eles atribuídos.  Não faz diferença. Tudo é crime.

Mas no caso do monstro, a polícia de São Paulo e do país inteiro está à procura do matador para levá-lo ao cárcere. E os corpos das inocentes vítimas, perfuradas de tiros, não foram exibidos. Já no caso das interceptações ocorridas contra o juiz e os procuradores da República, as autoridades judiciárias e judiciais não estão caçando quem cometeu o crime.

Enquanto isso,  pedaços, porções e partes do corpo de delito veem sendo exibido pela mídia, em etapas ou capítulos.

SIGILOS PÉTREOS – Tanto é inviolável o direito à vida, como também são invioláveis o sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas, de dados, de mensagens, por que meio forem. São preceitos que nem precisariam constar (como constam) da Constituição Federal, por serem comezinhos, naturais, primaríssimos. Desrespeitar um ou outro, ou desrespeitar um e outro, é crime.

Vê-se como altamente suspeito, a gerar desconfiança e fundada dúvida, que um grave crime cometido, não apenas contra a privacidade de um juiz e de determinados promotores públicos, mas contra toda a magistratura nacional e contra toda a promotoria pública nacional, não receba a reprimenda pronta e imediata da parte dos próprios poderes da República atingidos: o Judiciário e o Executivo. Perdão, mas democracia não é isso. Nem isso é o denominado Estado Democrático de Direito, a permitir perversões, violências e destruições de vidas e reputações.

Supremo errou feio ao liberar venda de subsidiária de estatal sem lei e licitação

Charge do Ze Dassilkva (nsctotal.com.br)

Jorge Béja

Parece que o “pacto” que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Tóffoli, sem poder e sem amparo legal, em nome do  Judiciário, vai assinar com os presidentes dos dois outros poderes, ainda que impróprio e por todos censurado, parece que o “pacto” já começou a dar certo, mesmo que os termos e as regras do tal acordo ainda não tenham sido divulgadas. A constatação decorre do julgamento, pelo plenário do STF, da questão sobre a possibilidade da venda de subsidiárias de empresas públicas, de economia mista…das chamadas estatais, enfim.

Após três sessões inteiras, demoradas e cansativas, a Corte decidiu que para vender o controle acionário de subsidiárias não é preciso autorização legislativa, nem licitação, mas apenas competitividade. Basta o presidente da República querer, portanto. O STF concedeu uma espécie da outorga ao presidente da República do poder que Luis XIV dava a si próprio: “L’État C’Est Moi” (o Estado sou eu).

EMPRESA-MÃE – Para o STF, somente a venda das ações da chamada empresa-mãe é que precisa autorização legislativa e licitação. Ao final da terceira e última sessão, ocorrida nesta quinta-feira, o ministro Dias Tóffoli, que a presidiu, chegou a alinhavar como ficará a Ementa, que é o resumo do julgamento:

“A alienação do controle acionário de empresa pública e sociedade de economia mista exige autorização legislativa e licitação. A exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica na alienação do controle de suas subsidiárias e controladas”.

Em outras palavras, e focando no caso concreto que estava em causa: para vender a Petrobras é preciso de lei que autorize a venda. Para vender suas subsidiárias e controladas, não. Nem licitação precisa.

TUDO ERRADO – Mas não é isso que se aprende nos bancos das faculdades e nem o que prevalece para a Ciência do Direito, desde os seus primórdios e até os dias atuais e, quiçá, para todo e sempre.

Se é preciso lei que autorize a criação de empresa estatais e de suas subsidiárias — e assim diz a Constituição Federal —, também é preciso existir lei prévia que autorize tanto a venda da empresa quanto a de suas subsidiárias e controladas, visto que em todas elas (empresa-mãe e empresas-filhas) o controle acionário é sempre estatal e o que é estatal só ao povo pertence e só o povo pode autorizar sua venda e até mesmo sua extinção. E quem representa o povo é o Congresso Nacional.

Além disso, todos os senhores ministros, por mais eruditos e eloquentes que sejam, nenhum deles fez referência à máxima que o Direito Brasileiro herdou dos Romanos, sintetizada nesta sábia frase: “Accesio cedit principali”. Ou seja, o acessório sempre segue o destino do principal.

OBRIGATORIEDADE – Ora, ora, se o principal (Petrobras) precisou de lei autorizativa para a sua criação e também precisa de lei para a sua venda ou extinção, suas subsidiárias e controladas, que lhe são acessórias, seguem o mesmo destino: também precisam de lei prévia autorizativa. Não apenas precisam de lei prévia bem como precisam, também, de licitação. Mas os ministros para evitar falar em licitação, falaram e decidiram que precisa haver “competitividade”. E competitividade não se dá por meio de licitação? Ou se dá por meio de “porrada”, para saber quem é o mais forte?

Não se pode medir “competitividade” a não ser com a abertura de um certame, no mínimo de um leilão, para saber quem paga mais. É, caríssimo colega doutor João Amaury Belem, agora entendo porque o ilustre advogado, o mais notável na defesa dos proprietários de imóveis em matéria de tributação dos IPTUs em todo o país, sempre me diz, de viva voz e por e-mail que está decepcionado com a Justiça brasileira, com a magistratura, com as decisões judiciais. Dou-lhe toda razão, doutor Belem. Eu também estou. E muito.

Uma visão jurídica, social e conjuntural da contenda entre Neymar e a modelo

Modelo diz que Neymar não quis usar camisinha. Será mesmo?

Jorge Béja

O “caso Neymar”, gerado pelas acusações por parte de uma modelo, também brasileira, da prática de crime(s) que o jogador teria cometido contra ela, lá em Paris, cidade para onde a mulher viajou para ter encontros amorosos com o jogador, sugere a abordagem de duas questões que certamente são indagações que passam pela cabeça de muita gente. Seriam a polícia e a justiça brasileiras competentes para investigar e julgar crimes que teriam acontecido em Paris, segundo relata a mulher? Caso positivo, poderá haver condenação?

À primeira vista, não. As autoridades judiciárias e judiciais brasileiras não seriam competentes para agirem no caso. Isso por causa da chamada territorialidade. O Código Penal Brasileiro fixa a regra geral de que a justiça do lugar em que ocorreu o crime é que é a competente para julgar o criminoso que o cometeu.

NO LOCAL – Exemplo: para crimes cometidos na cidade (comarca) pernambucana de Exu, só ao juiz de Exu compete julgar, ainda que as partes envolvidas – vitima(s) e criminoso(s) – lá não residam. Se assim é instituído no âmbito do território nacional, com muito mais razão o mesmo raciocínio se aplica para crimes ocorridos fora do Brasil.

No entanto, o jogador e a modelo são brasileiros e ambos voltaram ao Brasil e hoje se encontram no território nacional. Aí a competência é das autoridades judiciária (polícia) e judicial (justiça) de nosso país. Isto porque o artigo 7º do Código Penal, ao tratar especificamente da “Extraterritorialidade”, determina que ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, entre outras hipóteses, os crimes praticados por brasileiros se o agente (acusado) entrar no território nacional. No “caso Neymar”, ambos, acusadora e acusado são brasileiros e voltaram ao Brasil. Logo, é juridicamente legal e possível que as autoridades brasileiras investiguem e julguem o caso.

DILIGÊNCIAS – Já no tocante às diligências investigativas e à possibilidade ou não de condenação, seja no campo cível da reparação do dano e no criminal, que são campos independentes, tudo será muito difícil. E demorado.

Apenas a título de mero exercício de raciocínio, a modelo não viajou a Paris para passear com o jogador. Mesmo tendo sido com a finalidade de ocasionais encontros amorosos em hotel –  como está sendo contado, publicado e não desmentido –, a consensualidade dos parceiros não dá, principalmente ao homem, o “direito de propriedade” sobre a mulher.

Nem no casamento, o homem passaria a ser detentor de uma carta branca para o marido forçar a esposa ao ato sexual. Raciocinar contrariamente seria um regresso à escravidão.

DELEITE SEXUAL – Ainda que este “programa” internacional tenha sido para o deleite sexual de ambos, do jogador e da modelo, esta não perde a sua dignidade, os seus atributos da personalidade, o seu valor como pessoa humana, dotada de corpo e espírito.

Não será porque ela viajou a Paris só para “transar” que seu parceiro, mesmo que tenha ocorrido a hipótese de ter ele arcado com todos os custos e preço da empreitada, possa ele fazer da mulher o que bem entender.

Não, não pode. Nesta quarta-feira, o presidente Bolsonaro, referindo-se ao caso, disse mais ou menos assim: “Ela atravessou todo o oceano e agora… hoje à noite, depois do jogo, vou ao vestiário dar um abraço no Neymar…”. A fala presidencial foi bastante descuidada. E machista.

E AS PROVAS? –

Mas tudo dependerá de provas. Prova de que houve o tal “estupro”. Prova de que o jogador agrediu a modelo. E compete à modelo o dever de produzir a(s) prova(s), que podem ser de todas as espécies, testemunhal, documental, pericial, circunstancial…. Mas tudo muito difícil, em razão da distância e do tempo decorrido.

O ônus da prova cabe a quem acusa. E o processo penal não foi instituído para o acusado provar sua inocência, e sim para o acusador provar a autoria e culpa do acusado. Para terminar: é lamentável que neste nosso Brasil, em que tudo, rigorosamente tudo está em crise, tudo está destruído e o país precisando ser refundado, o “caso Neymar” venha sendo a pauta que ocupa o noticiário.

A respeito de duas passagens do discurso de Bolsonaro nesta sexta-feira em Goiânia

Imagem relacionadaJorge Béja

Nesta sexta-feira (dia 31) o presidente Jair Bolsonaro, ao discursar para uma multidão de fiéis que compareceram à Convenção das Assembleias de Deus em Goiânia, acenou com a possibilidade de indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro que seja evangélico. E também externou inconformismo com o julgamento que está ocorrendo na Suprema Corte – suspenso quando seis ministros votaram a favor – a respeito da criminalização da homofobia. Para Bolsonaro, o STF estaria legislando.

Quanto à indicação de candidato evangélico para integrar o STF, a preferência presidencial não encontra amparo na Constituição, que exige tão somente idade mínima de 35 anos, notável saber jurídico e ilibada conduta. Além disso, o Estado é laico.

MAIS MINISTROS – Uma análise mais atenta e cuidadosa da declaração de Bolsonaro leva a crer que o presidente leu e gostou do artigo publicado aqui na Tribuna da Internet, que sugeria a expedição de Projeto de Emenda Constitucional (PEC) para elevar, de 11 para 16 o número de ministros da Corte .

Explica-se: Bolsonaro assumiu o compromisso de indicar Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, para ocupar a primeira vaga a ser preenchida no STF. Moro não é evangélico.  Como o presidente diz agora que seria a hora de indicar um “ministro evangélico”, da fala presidencial deduz-se que Bolsonaro, além de Moro, quer indicar outro (ou outros) ministro para o STF. Neste caso, só uma PEC, desde que aprovada pelo Congresso, poderia alterar a composição do STF, a fim de serem levados à Corte um ministro evangélico e mais Sérgio Moro.

HOMOFOBIA – Já quanto ao inconformismo do presidente, no que tange à questão da homofobia ser considerada crime pelo STF, aí o presidente acertou em cheio. O STF não pode legislar. Para que uma ação ou omissão seja considerada crime é preciso existir, previamente, uma lei que assim defina, ou seja, que aquela ação ou omissão seja, especificamente, considerada criminosa pela lei.

É o chamado “Princípio da Reserva Legal (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal””). Está no artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição. Com a mesma redação, assim também consta no Código Penal (artigo 1º).

E o STF não pode decidir se esta ou aquela ação ou omissão seja considerada criminosa, sem que lei anterior a considere. Só a lei pode dizer o que é e o que não é crime. O STF, não. Há um Projeto de Lei na Câmara do Deputados (PL 122 de 2006) que pretende transformar a homofobia em crime. Mas está parado há 13 anos!

SEM ANALOGIA – O STF também não poderá decidir que homofobia seja considerado crime por analogia, porque o Direito Penal não admite analogia. A Lei 7716, de 5.1.1998, define o preconceito de raça, etnia, religião ou procedência nacional como crime. E homofobia não se enquadra em nenhuma dessas quatro hipóteses.

É verdade que o artigo 5º, inciso XLI da Constituição dispõe que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

É a lei, diz a Constituição – e não a Suprema Corte – , que definirá a homofobia como crime e estabelecerá a pena e tudo mais.