Comparando dois casos: o “anjo da morte” (1999) e o “anestesista estuprador” (2022)

Polícia investiga se anestesista estuprou outras duas mulheres no mesmo dia

Caso do “anestesista estuprador” é realmente espantoso

Jorge Béja

Os crimes deste anestesista estuprador do Hospital da Mulher de São João de Meriti a todos causou revolta. E me fez reviver o caso que ficou conhecido como “O anjo da morte”. Foi em maio de 1999. O enfermeiro Edson Izidro, lotado no Hospital Salgado Filho, aplicava uma injeção letal nos pacientes da UPT (Unidade de Pacientes Traumáticos). E tão logo constatada a morte, fornecia nome e endereço das vítimas para os agentes funerários. Era ganho certo.

O Tribunal do Júri da Justiça do Rio impôs-lhe pena de 31 anos e 8 meses de reclusão. Na condição de advogado de familiares dos pacientes que “o anjo da morte” matou, todos sofremos juntos.

NINGUÉM ESQUECE – E cada familiar que me procurava no escritório eram lágrimas e lágrimas derramadas. Não, nunca esqueci de nada. Tudo está latente na minha memória. Pode até ficar um pouco adormecido. Esquecido, nunca. Ninguém esquece.

E eis que surge, pouco mais de vinte e três anos depois, no Hospital da Mulher em São João de Meriti, no mesmo Estado do Rio de Janeiro, o caso do “anestesista estuprador”. O “anjo da morte” de 1999 era enfermeiro. Este estuprador de 2022 é médico.

O “anjo da morte” abreviava a vida dos enfermos da UPT do Salgado Filho e matava para ganhar dinheiro. Já o médico estuprador aplicava alta dosagem de anestesia geral e estuprava mulheres dentro do centro cirúrgico para deleite próprio. Dois monstros.

PENA RIGOROSÍSSIMA– Espera-se que a Justiça não tarde e que a pena, seja por um ou por mais de um estupro, sejam adicionadas todas as agravantes legais. E que também seja de igual medida – ou até superior – à que foi imposta ao “anjo da morte”.

Também que o valor das indenizações por danos morais seja de altíssima expressão financeira, porque punir com o equivalente a 500 ou a 1.000 salários-mínimos não é punição financeira exemplar.

Neste caso do “anestesista estuprador” forma-se o que em Direito chama-se de “responsabilidade civil solidária”. Ou seja, todos são responsáveis: tanto o “anestesista estuprador” quanto a instituição estadual para a qual trabalhava e onde o crime foi praticado.

DIREITO DA FAMÍLIA – E não são apenas as mulheres estupradas que podem e devem cobrar a reparação cível. O dano moral é extensivo a todos os seus familiares mais próximos: a criança que nasceu sofre o dano. Seja porque a lei protege os direitos dos nascituros, seja porque a criança vai crescer, e enquanto viver – e até mesmo após sua morte – a marca do estupro que sua mãe sofreu nunca vai desaparecer da história da sua vida. Pais, irmãos e companheiros das vítimas estupradas também são credores da reparação do dano moral.

Seria oportuno, desde já e independentemente do desfecho da ação penal contra o “anestesista estuprador”, que as mulheres estupradas e seus familiares dessem logo entrada na Justiça com pedido de tutela de urgência, a fim de tornar indisponíveis todos os bens, existentes e que venham existir, pertencentes ao “anestesista estuprador”. É uma garantia acautelatória que se faz necessária para garantir o ressarcimento do dano moral.

DIREITO DE DEFESA – Mas para que tudo aconteça dentro da legalidade é imperioso ressaltar que mesmo em se tratando de um monstro, o “anestesista estuprador” tem todo o direito de defesa, fundamentalmente no inquérito e na ação penal. Sim, defesa.

Vamos lembrar o maior dos advogados brasileiros. Certa vez, quando perguntado se defenderia uma pessoa que invadiu uma casa, estuprou a dona da casa, dela tudo roubou e em seguida a matou, o imortal Sobral Pinto respondeu:

“Sim, vomitando e enojado, defenderia a fim de garantir a legalidade da sentença condenatória. Porque sem defesa, a sentença seria nula”.

PEC é ilegal e tem de ser anulada pelo Supremo, para restaurar a moralidade

paulo-guedes

Charge do Nando Motta (Arquivo Google)

Jorge Béja

O presidente Jair Bolsonaro pensa(?) que esta PEC “Satânica” vai vingar. Que vai dar a ele tudo que precisa para conseguir seu único objetivo. Não vai. É questão de tempo. A PEC “Satânica” está manchada pela falta da “moralidade”.

E legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência são os princípios que timbram os atos de toda a Administração Pública de qualquer dos poderes da União. Repita-se: de qualquer dos poderes da União.  É o que está disposto no artigo 37 da Constituição Federal.

É UMA IMUNDÍCIE – Que “moralidade” é esta? Se, em pleno ano eleitoral e muito perto das eleições gerais, o Poder Legislativo Federal derruba de um só golpe a legislação eleitoral, exclusivamente para permitir ao presidente da república fazer que o que a legislação sempre proibiu?

Que moralidade é esta que empodera, financeiramente, o “candidato-presidente” em detrimento do equilíbrio econômico com os demais candidatos que não são presidentes?

Não, esta PEC “Satânica” não pode vingar. O Supremo Tribunal Federal haverá de conceder liminar para cassar seus efeitos, logo após ter sido promulgada.

ERRADO, PROFESSOR – Ouvi um jurista e professor de Direito Constitucional dizer qu  só os partidos políticos é que são partes legitimadas à propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

E que os partidos não terão coragem para ingressar no STF com a competente ação porque votaram pela aprovação da PEC “Satânica”.

Errado, professor-doutor. Não é somente o partido político que está legitimado a propor a referida ação. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, as confederações sindicais e as entidades de classe de âmbito nacional também são instituições legitimadas (Constituição Federal, artigo 103…VII e IX).

AÇÃO POPULAR – E se nenhuma delas cumprir com o seu dever cívico-jurídico, tem-se, então, a Ação Popular:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio ou entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência“. É o que diz o Artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal.

Para tanto, bastará o cidadão se dirigir por petição ao Juiz Federal de primeira instância da comarca onde reside e apresentar a Ação Popular, pedindo a anulação desta PEC “Satânica”.

MUITAS JUSTIFICATIVAS – E os motivos não são apenas os que estão aqui mencionados. Há muitos outros que não convém – a bem do Direito, da Legalidade, da Democracia e do estratégico sigilo – expô-los neste momento. Seria imprudente.

Ele e “eles todos” precisam sofrer um puxão de orelha do Poder Judiciário. Essa gente não é absoluta. O Brasil não é deles. O Brasil é de todos os brasileiros.

E quem tem moral, altivez e quer o bem deste país somos nós, o povo brasileiro, povo cansado – exausto mesmo – de testemunhar e ser vitimado por tanta vilania, torpeza, xingamentos, desprezo, mentiras e desonestidades. Que nojo!