O acúmulo de dívidas por Wassef é um grande místério
Julia Affonso, Monica Gugliano e Rayanderson Guerra
Estadão
O advogado Frederick Wassef, defensor do presidente Jair Bolsonaro e do senador Flávio Bolsonaro, durante os últimos anos montou seu perfil. Rico, bem-sucedido para uns, devedor contumaz para outros. Senão, como explicar que o mesmo cidadão que recomprou um relógio Rolex do ex-presidente em Miami estimado em US$ 68 mil – o equivalente a R$ 346.983,60 –, deva R$ 3.516,35 de IPTU para a prefeitura do município de Atibaia?
Que justificativa dar para a vida milionária que Wassef ostentou nos últimos anos, ocultando contas atrasadas, processos por falta de pagamento de impostos e até o abandono da obra de sua mansão em Brasília?
AFASTADO DE TODOS – Nas últimas semanas, o Estadão conversou com políticos, empresários, militares e advogados que conviveram com Wassef nos últimos anos. Em comum, a maioria deles passou a dizer que já não tinha mais tanto contato com o advogado, que, após a Polícia Federal capturar seus quatro celulares, parece ter passado de “anjo” – codinome que ganhou durante o governo de Jair Bolsonaro – a “demônio”.
O Estadão tentou contato com Frederick Wassef, mas não o localizou. Depois da apreensão de seus celulares pela PF, ele mudou de número e conhecidos agora dizem não ter mais o contato. O Estadão tentou contato por e-mail, por rede social, mas sem sucesso.
São tantas histórias mal contadas ou mal paradas sobre Wassef que, no fim, pouco se sabe do homem que, segundo alguns de seus interlocutores, grava todas as conversas que mantém e anda sempre armado. Até mesmo seus casamentos e separações são controversos, aconteceram em clima de disputas judiciais.
ALTO PATRIMÔNIO – No ano passado, quando concorreu e perdeu uma vaga de deputado federal, Wassef declarou um patrimônio de R$ 18 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), incluindo um apartamento de três quartos em Miami, cujo valor estimado é de R$ 4,966 milhões. O imóvel foi adquirido por ele há dois anos
Entre 2013 e 2021, as taxas locais do imóvel foram pagas, majoritariamente, pela empresária Maria Cristina Boner, ex-mulher de Wassef. O boleto de 2022, no valor de US$ 12.847,59 (ou R$ 62.621,72), está em aberto.
Durante a campanha, Wassef publicou mensagens de apoio do então candidato ao governo paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho mais velho de Bolsonaro gravou dois vídeos. Em um deles se referiu ao advogado como “meu amigo”. Em outro, afirmou: “Frederick Wassef é o nosso advogado, advogado da família e, como advogado, demonstrou sua competência e sua lealdade”.
FOTOS MONTADAS – O Estadão não localizou nenhum vídeo de Bolsonaro pedindo voto para ele e os santinhos que mostram os dois lado a lado são montagens de fotografias.
O jingle escolhido por Wassef tinha uma mensagem clara sobre a atuação com a família Bolsonaro que o advogado queria passar para os eleitores. “Todo mundo já sabe, o Wassef resolve, resolve”, dizia a música.
O “advogado de Bolsonaro”, como ele se identificou na campanha, recebeu 3.628 votos e não chegou perto de assumir uma cadeira na Câmara. Wassef se tornou o 36º suplente do PL de São Paulo, que emplacou 17 parlamentares na Casa.
PLENA TRANSPARÊNCIA – Mesmo com chances mínimas de chegar à Câmara, Wassef continuou vinculado às eleições de 2022. Em julho, cerca de um ano depois de entregar informações sobre seu patrimônio à Justiça Eleitoral, Wassef fez um gesto inédito: voltou a procurar a Corte sob alegação de que estava “buscando a plena transparência”.
Não se sabe do que, pois o pleito já tinha passado. Assim, apresentou uma lista com três novos bens que disse ter adquirido no ano passado. Uma casa em Brasília, um jet ski e um carro usado, modelo 2020.
A lista de bens apresentada ao TSE inclui um total de três carros velhos que reforçam os indícios de que simula ser milionário. Em São Paulo, Wassef disse ter um veículo Silverado de 1995, estimado em R$ 24 mil, e uma caminhonete Ranger de R$ 112 mil.
DEVENDO IPVA – Em Brasília, o advogado circula com um carro Jetta que comprou de segunda mão, no ano passado. O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) avaliou o veículo em R$ 112 mil. Wassef declarou ao TSE que o carro vale R$ 125 mil. Ele deve R$ 6,7 mil do IPVA do veículo de 2022 e 2023.
Um dos bens mais valiosos do patrimônio de Wassef se tornou um canteiro de obras parado. O Estadão esteve no local na segunda-feira, 21, e encontrou o cadeado de uma das portas da propriedade aberto, sem movimentação de trabalhadores ou de vigias. A casa no Setor de Mansões Dom Bosco – zona nobre de Brasília – foi comprada pelo advogado em março do ano passado por R$ 3,7 milhões, segundo o registro, pagos por meio de uma transferência bancária.
“A obra está parada há bastante tempo e depende dele voltar, não da gente”, afirmou o empresário Almir Pereira Filho, ligado à Uniman Construções, responsável pela obra.
OUTRAS DÍVIDAS – Essa casa de Wassef, de Brasília, também está com os pagamentos em atraso de IPTU. Três parcelas no valor de R$ 3.155,89 já venceram neste ano e há outras três para serem pagas nos próximos meses. Por enquanto, os impostos ainda podem ser pagos em boletos. Outras dívidas de Wassef, contudo, já chegaram ao Judiciário. O advogado foi acionado em dois processos que correm no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Em um deles, o Condomínio Fazenda Vila Nazareth, no município de Tuiuti (SP), cobra R$ 46 mil de Frederick Wassef por despesas de manutenção do local. Entre os vizinhos, o que se diz é que o advogado não pagou o condomínio entre dezembro de 2016 e novembro de 2021 sob a alegação de que o imóvel, na verdade, pertence a seu irmão, Fabio Wassef. Consta do processo um documento de compra e venda de imóvel em nome do advogado de Bolsonaro.
No outro processo, a Prefeitura de Atibaia cobra R$ 3.516,35 em dívidas de IPTU de uma casa de Wassef que fica próxima a outro imóvel do advogado, onde ele deu guarida a Fabrício Queiroz por mais de um ano.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Pela reportagem, fica claro que Wassef é milionário ou laranja. Se realmente for rico, demonstra ser viciado em não pagar dívidas. Nem Freud explica algo assim. Afinal, Bolsonaro lhe devolveu o dinheiro da compra do Rolex? Só o valor do relógio já daria para pagar todas as dívidas. Realmente, é tudo muito estranho em relação a esse esquisitíssimo personagem. (C.N.)