Demétrio Magnoli
Folha
O longo voto de Rosa Weber pela descriminalização do aborto apresenta-se, quase inteiramente, como um discurso parlamentar. A agenda definida pela magistrada para o Supremo – drogas, marco temporal, aborto – forma uma pauta de deliberações apropriada ao Poder Legislativo. Por aqui, o STF produz legislação, enquanto o Congresso dedica-se a distribuir verbas de emendas a clientelas eleitorais e a indicar ministros ou diretores de estatais.
A alegação dos juízes supremos de que apenas interpretam a Constituição não resiste nem mesmo a um escrutínio superficial. Interpretar a Constituição é derrubar o que não pode ser feito; legislar é decidir regras positivas sobre o que deve ser feito.
NOVA DOUTRINA – Weber determinou o período de aborto descriminalizado (12 semanas), os magistrados procuram consenso interno sobre o peso exato da maconha de uso pessoal, Fachin elabora regras específicas para atribuição de terras aos indígenas.
Ou seja, o STF embarcou no veleiro do neoconstitucionalismo, doutrina jurídica que, enfraquecendo a separação dos Poderes, atribui aos magistrados a missão de reformar a sociedade a partir de uma interpretação extensiva dos princípios constitucionais. O posto de timoneiro é agora ocupado por Barroso, um expoente da doutrina. Na equipe, Weber funciona como navegadora.
O neoconstitucionalismo equivale a uma declaração de guerra dos juízes contra Parlamentos conservadores ou reacionários que resistem à expansão de direitos sociais.
STF PROGRESSISTA – Na sua fúria legiferante, o STF enxerga-se – e é enxergado – como representação do estrato mais progressista da sociedade. O problema é que, como os juízes não foram eleitos, sua campanha de reforma social tende a gerar consequências contraproducentes.
As regras de origem judicial são leis fracas, sujeitas a bruscos retrocessos. Na Itália, o aborto é um direito forte porque foi decidido pelo Parlamento e confirmado por plebiscito popular.
Nos EUA, foi um direito fraco, estabelecido pela Suprema Corte em 1973 e revogado pelo mesmo tribunal, agora com maioria conservadora, ano passado. Ao celebrar o avanço dos juízes sobre prerrogativas parlamentares, os progressistas sacrificam o futuro no altar do presente.
O CAMINHO CERTO – Ruth Bader Ginsburg, icônica ex-magistrada progressista americana, identificou o equívoco. O crescimento explosivo do Movimento Pró-Vida, explicou, foi uma reação política ao voto da Suprema Corte de 1973.
Concluiu daí que o caminho certo exigiria a articulação da maioria social para consagrar o direito ao aborto em legislação emanada do Congresso. Na prática, os progressistas que confiam suas pautas a juízes reformadores estão renunciando ao dever de persuadir os cidadãos.
No Brasil, os partidos de esquerda insistem nesse tipo de abdicação: Lula e Dilma recusaram-se a defender em campanha eleitoral o direito ao aborto ou a descriminalização da maconha. Na raiz do silêncio encontra-se a tese de que a maioria da sociedade é atavicamente conservadora – e, que, portanto, precisaria ser resgatada do inferno de suas próprias convicções pela mão providencial dos juízes.
DIZEM AS PESQUISAS – Sondagens de opinião indicam maiorias contrárias à descriminalização do aborto e do uso recreativo de maconha. O Congresso espelha, de certo modo, essas inclinações gerais.
Contudo, ideias arraigadas sobre tais temas podem mudar – com a condição de que as lideranças políticas progressistas tenham a coragem de reorganizar os termos do debate público. Impera, porém, o medo, que se traduz pela transferência da responsabilidade ao STF.
Quem ganha são os conservadores e, especialmente, os reacionários. Nos EUA, legislaturas estaduais engajam-se na criminalização irrestrita do aborto. Aqui, tenta-se reverter o direito à união homoafetiva. Nas eleições, ressoará o discurso do voto contra o “governo dos juízes”. Um Congresso de 11 togados não reinventará o Brasil.
Não me parece que os tais “progressistas” sejam a encarnação só de valores gratos a modernidade. Será que seriam apoiadores do atraso clepto-patrimonialismo disfarçados por uma fantasia de contemporaneisade?
Na Realpolitik as abóboras conservadoras e progressistas vão se arranjando na carroça sem freio, morro abaixo.
Há quem aponte pro Chico e acerta o Francisco.
Absolutamente brilhante o texto do Magnoli.
Faltou talvez observar o motivo pelo qual os Progressistas se comportam assim. Basicamente o Progressismo tornou-se uma religião no qual tudo se justifica em nome do pretenso paraíso que estes criarão na Terra.
O Progressismo é autoritário e messiânico numa escala que supera o mais fanático dos crentes religiosos.
Parabéns Petrobrás!
https://twitter.com/brasildefato/status/1709176218975674870?t=5TKTKade0YXPv9qAGu20Mg&s=01
O viciado em maconha, assim com o alcoólatra não são criminosos, apenas precisam de tratamento. Há muitas maneiras de inibir vícios.
O aborto no Brasil, é caso sério de saúde, basta ver as estatísticas.
O feto com 12 semanas, está longe de ser uma criança, assim como um ovo de galinha precisa de 21 dias para formar um pinto, com 7 dias na chocadeira é um feto, mas está longe de ser um pinto.
Seria bom, no caso do aborto a ciência juntamente com a justiça opinar sobre o assunto. De em lado a ciência em relação à saúde e o feto, e de outro lado à justiça com relação ao social.
Tem credibilidade um Congresso conservador e corporativista formado em sua maioria de parlamentares de direita e extrema direita?.
Esse Congresso, é muito eficiente quando se trata de defender seus interesses privados.
Brilhante o texto. Mas, tem algo errado: a esquerda identitária está longe de ser “progressista” – em verdade, são retrógrados ou regressistas
O médico que operou o $talinacio e o piloto do avião dele não usaram maconha recreativa.
Os jornalões não usam mais o termo maconha, usam canabis.
Estou cabreiro, desconfio que querem nos canabizar a todos para mais facilmente seremos levados ao paraíso.
Me lembrei do Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley e o ‘soma’.
O aborto faz parte da redução populacional?
É a Nova Ordem Mundial?