Afanasio Jazadji
Passados quatro anos, finalmente, as áreas de renovação e fiscalização de outorgas de concessão de emissoras de TV vão examinar o recurso interposto, em 2019, por herdeiros dos antigos acionistas da Rádio Televisão Paulista S/A, hoje, TV Globo de São Paulo, contra decisão de diretores da Secretaria de Radiodifusão, que se negaram a apreciar supostas irregularidades cometidas por Roberto Marinho ao assumir o canal 5 de São Paulo, entre 1964 e 1977.
Nos documentos apresentados ao governo, Marinho afirmou ter comprado o controle acionário do executivo Victor Costa Júnior, que nem era acionista da TV Paulista.
ERA MENTIRA – Tal afirmação restou totalmente prejudicada, pois decisão do Poder Judiciário, transitada em julgado em 2015, indicou que 52% do capital social da emissora teriam sido vendidos a Marinho pelo empresário Oswaldo Ortiz Monteiro por apenas Cr$ 60.396,00 (sessenta mil, trezentos e noventa e seis cruzeiros), equivalentes a meros US$ 35 (trinta e cinco dólares).
Embora as procurações e documentação utilizadas na suposta negociação tenham sido consideradas falsas e anacrônicas pelo Ministério Público de São Paulo e pelo Instituto Del Picchia de Documentoscopia, a Justiça decidiu que teria havido a negociação entre Marinho e Monteiro.
Essas ações ordinárias (52%) pertenciam a Ortiz Monteiro, falecido em 1984. Os restantes (48%) estavam em nome de outros 600 acionistas dados como mortos pelo próprio sr. Roberto Marinho, que assumiu a titularidade da ações, a custo zero, por meio de cautelas com dados falsos e assinadas por dois funcionários seus em fevereiro de 1977, que não tinham procuração para proceder à transferência dessas cotas.
DONO DA CONCESSÃO ´- A concessão da Rádio Televisão Paulista S/A foi outorgada a Ortiz Monteiro, conforme decreto no. 30.950 assinado pelo presidente Getúlio Vargas em 1952. A TV Globo nem existia, mas em documentos oficiais está anotado que a empresa de Marinho teria recebido autorização para a exploração desse serviço em São Paulo, erro grotesco que foi repetido, de propósito, no decreto de renovação das outorgas de dezembro de 2022, por mais 15 anos, até 2037.
O recurso que tramita no Ministério das Comunicações tem o número 01250.025372/2019-88 e objetiva a revogação dos atos administrativos constantes das Portarias 163/65 e 430/77, baixadas pelo governo militar e que, à revelia do ordenamento jurídico (Lei 4.117/62 e Decreto 52.795/63), garantiram ao sr. Roberto Marinho e aos seus três filhos o controle acionário da Rádio Televisão Paulista S/A, atual Globo Comunicação e Participações S/A.
DECISÃO DESCUMPRIDA – Despacho do diretor do Departamento de Radiodifusão Comercial de outubro de 2019, assinalou que “diante da apresentação de novos documentos e, possivelmente, fatos novos, relativamente ao presente objeto, sugerimos, por bem do interesse público e para o esclarecimento final da questão no âmbito administrativo, que a Secretaria de Radiodifusão (SERAD) encaminhe este processo à Douta Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para nova apreciação do caso”.
No entanto, essa decisão até agora não foi cumprida e não surtiu efeito. Em uma de suas notas técnicas, a assessoria jurídica do Ministério das Comunicações, para surpresa geral, em 2019, já teria registrado que o Poder Público não exerce ingerência direta na operação de transferência de controle de emissoras. Limita-se apenas a autorizar a modificação pretendida pelos sócios, se atendidas as exigências legais.
Assim, eventuais irregularidades praticadas em operações societárias no âmbito da entidade envolvem apenas direitos subjetivos dos sócios que devem se valer de instâncias judiciais adequadas para anular os atos que lhe foram lesivos. E a participação da União se restringiria a verificar a aptidão daqueles que lhe foram apresentados como sócios ou acionistas para executarem serviços de radiodifusão.
DESCULPA ESFARRAPADA – É uma desculpa que depõe contra a moralidade do governo. Se os sócios forem criminosos, com endereços falsos e procurações forjadas? Isso não interessa ao governo. Neste caso, também pouco importa ao poder concedente o cometimento dessas ilicitudes? Como poderia o governo aceitar a má-fé de concessionários que por lei deveriam ter reputação ilibada?
Segundo a administração federal, não têm interesse os fatos denunciados pelos herdeiros dos sócios controladores da Rádio Televisão Paulista S/A, indicando que houve usurpação do controle da emissora durante o regime militar, com a conivência dos governantes?
Ou seja, o governo atual se comporta como se os cidadãos não tivessem direito de questionar irregularidades cometidas pela administração pública durante a ditadura militar. Mas é claro que têm esse direito, que não lhes podem ser subtraídos?
ALEGAÇÕES RIDÍCULAS – As autoridades atuais alegam ridiculamente que não teria sido demonstrado nenhum indício de irregularidade praticada no âmbito da administração pública no regime militar que venha a justificar a adoção de medidas saneadoras.
Como não, se houve atos omissivos e comissivos e até possível prevaricação na validação da transferência do controle acionário de emissora concessionária de serviço público, como apontado por procuradores da República em 2004?
Em síntese, se houve simulação de compra de transferência de ações por intermédio de assembleias ilegais; se o ato societário foi promovido com a presença de um único sócio titular de apenas duas ações, num total de 30.000 ações; se os sócios majoritários mortos há vários anos ressuscitaram, compareceram a assembleias societárias simuladas e até assinaram suas atas, em favor do novo e poderoso controlador Roberto Marinho, nada disto seria falsidade ideológica e nem material, nem fraude contábil-societária?
AINDA HÁ ESPERANÇA – Se exigências feitas pelo Contel e Dentel não foram cumpridas pelos pretensos novos sócios majoritários, isto não demonstra a comprovada “inaptidão” deles para fazer negócios nada republicanos, mas que jamais serão apurados pela fiscalização governamental, muito embora ilícitos?
Como o ato absolutamente nulo é imprescritível e a falsa procuração não assegura direitos, devemos aguardar, com respeito, a nova decisão das autoridades, que deve privilegiar o artigo 37 da Constituição Federal, sobre moralidade e legalidade dos atos públicos.
A concessão é serviço público e a Administração Pública não pode se prestar a coonestar falsidades em documentos públicos, implementadas durante a ditadura militar (1964/1985).
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Ninhgém pode estar acima da lei. Se Roberto Marinho usurpou a TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo), como denuncia a família Ortiz Monteiro, o governo precisa tomar as providências cabíveis, previstas no regime democrático. (C.N.)