Marina Dantas
Correio Braziliense
O ministro Gilmar Mendes, Supremo Tribunal Federal (STF), enfatiza a necessidade de regulação das redes sociais e menciona os ataques desferidos contra a Corte pelo bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter). A ofensiva do empresário foi pauta, inclusive, do jantar de segunda-feira, na casa do decano, do qual participaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros magistrados da Corte.
“O tribunal, a toda hora, está no centro desses ataques de grupos políticos brasileiros e, agora, essa projeção internacional”, frisou Mendes, em entrevista aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Denise Rothenburg, no programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília.
Sobre o jantar com Lula, vem algum projeto de lei ou decisão do STF em relação à postura de Elon Musk de não cumprir determinações da Corte?
Fizemos uma avaliação dos cenários, tendo em vista que o tribunal, a toda hora, está no centro desses ataques de grupos políticos brasileiros e, agora, essa projeção internacional. Talvez em razão até da bem-sucedida atuação do STF, que, inequivocamente, evitou que tivéssemos uma debacle no sistema democrático. Parece-me que esses consórcios são inevitáveis de grupos internacionais. Hoje temos toda essa confusão: eleição de Trump — possível —. E aí, veio esse ataque. Temos que ter, pelo menos, informações para como procedermos nesse quadro. Não é uma quadra fácil para todos os incumbentes, aqueles que exercem o poder. Obviamente, temos clamado, já há algum tempo — o STF, a Justiça Eleitoral —, pela necessidade de regulação das redes. Mas esse também não é um tema tão fácil de transitar. Nós tivemos a aprovação de um projeto no Senado, e ele, de alguma forma, teve um bloqueio na Câmara.
Na sua avaliação, qual é o modelo mais apropriado em relação às redes sociais?
Hoje temos esse chamado modelo alemão que, de alguma forma, avançou na Alemanha em 2017 e, depois, já em 2022, se tornou direito positivo na União Europeia. O grande nó, talvez, desse tema para o nosso sistema é que, normalmente, eles preveem uma agência reguladora. E aqui, dentro deste quadro de desconfiança múltipla, recíproca, quem vai designar os agentes, os conselheiros, quem vai fiscalizar os fiscais? Há muitas discussões. É claro que já temos boas experiências com agências reguladoras, e o Congresso — o Senado, sobretudo — participa da escolha, mas o momento é, às vezes, tenso, turbulento, e isso tudo, talvez, acaba por inviabilizar a votação, além da desconfiança. Logo dizem: “Ah, isso vem para limitar a liberdade de expressão”. Como nós sabemos, a liberdade de expressão tem limites.
A inteligência artificial promete ser o grande drama das eleições deste ano. Como é possível segurar essa guerra nas redes sociais?
Por sorte, temos a Justiça Eleitoral, que já funcionou bem na regulação das eleições presidenciais, com a chamada de retirada sistemática das fake news, dando uma ordem com efeito vinculante geral, porque, do contrário, fica sendo reproduzida. O TSE atuou bem, e hoje tem até uma central de tecnologia, portanto, isso está sendo aprimorado. Mas o grande desafio agora é a inteligência artificial. O TSE, também na resolução, está exigindo que qualquer uso de inteligência artificial para propaganda eleitoral seja advertido, para que haja a verificação.
O senhor acredita que os ataques ao Judiciário são irreversíveis? Qual é o problema de o Judiciário ser trazido para essa arena política?
A impressão que eu tenho é que a gente vive um momento de exposição, e até de vitórias inegáveis, deste movimento chamado populista, e até destes defensores daquilo que chamam de democracia iliberal. Portanto, em princípio, os gritos que nós ouvimos aqui na Praça dos Três Poderes como “Supremo é o povo” ou “Supremo somos nós”, nós quem? Aqueles que somos supostamente a maioria, ainda que não sejamos. Tem muito desse discurso que a gente vê nesses ataques. Eu li uma análise de um especialista dizendo que o crescimento do Trump nos Estados Unidos tem um pouco a ver com os indiciamentos. Ele está se aproveitando disso para se vitimizar e apresentar-se como um perseguido do aparato judicial. Certamente, qualquer semelhança nos trópicos não é mera coincidência. Então, acho que tem um pouco esse discurso, e, às vezes, levam a considerações inconsequentes.
Quais considerações?
Vocês se lembram, durante o período da pandemia, que fomos acusados de termos sido muito intervencionistas no processo. E, se discutirmos e falarmos com pessoas que eram próximas do governo anterior, elas diriam que Supremo não permitiu que Bolsonaro apresentasse uma política de saúde. Mas qual política de saúde o Bolsonaro tinha para a crise? Sabemos que não tinha, ou era a imunidade de rebanho ou eram os remédios como a cloroquina, a ivermectina.
Militares estão respondendo pelos ataques à democracia. Eles vão ser punidos?
Eu não sei como a Polícia Federal está conduzindo isso, mas eu imagino que, daqui a pouco, começam a surgir relatórios parciais, e que depois são encaminhados à Procuradoria-Geral para eventual oferecimento de denúncia. Daquilo que a gente vê e percebe, há um resultado muito mais efetivo do que a gente poderia ter em relação ao que vamos chamar de participantes supostamente intelectuais desse processo. Porque tivemos os autores materiais, aqueles que foram identificados, mas não se sabia bem quem foi o mentalizador disso. Aquela reunião, que é revelada a partir das investigações feitas no computador do coronel Cid, mostra bem que havia uma combinação. Há muitas passagens impressionantes ali.
Qual foi a que mais chamou a sua atenção?
Impressionou-me, sobretudo, o chefe do Ministério da Defesa, general Paulo Sérgio, dizendo que foi um erro tático e estratégico da Justiça Eleitoral ter chamado os militares. Veja, foi uma atitude de boa fé da Justiça Eleitoral, mas ele diz que foi um erro. Toda a discussão era sobre como boicotar as eleições ou ter elementos. Eu tenho até dito que, na organização da fuga para frente que a gente precisa fazer, entre outras coisas, não podemos mais repetir um ministro militar no Ministério da Defesa. A concepção lá atrás do governo Fernando Henrique Cardoso, quando se criou o Ministério da Defesa, era dar esse poder aos civis, para que houvesse essa integração. Teve até uma carreira civil dentro do Ministério da Defesa, e assim, de alguma forma, caminhou até certo um ponto. No governo Temer, por conta das crises, nós tínhamos como substituto do Jungmann o Luna, ele ficou e, aí com Bolsonaro, passaram a ser ministros militares. O resultado está aí.
Já é possível saber se o ex-presidente Jair Bolsonaro vai ter denúncia?
Não é possível. O que é possível saber é que havia um conciliábulo, uma tentativa de articular algo mais do que é essa festa da Selma.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – A entrevista é muito longa, mas vamos ficar por aqui, com esse resumo. O mais importante é saber o que foi conversado no jantar que Gilmar Mendes ofereceu a Lula, nesta segunda-feira, com a presença dos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino. Será republicano o presidente se reunir com sua “bancada” no Supremo, tomando uísque, para discutir temas políticos e de governo. Será democrático? Claro que não é. Apenas faz parte da esculhambação institucional reinante. Uma cena desse tipo non ecziste em país civilizado, diria padre Quevedo. (C.N.)