João Pereira Coutinho
Folha
A fúria que o conflito israelense-palestino desperta é inversamente proporcional ao conhecimento sobre o tema. Direi mais: quanto menos se sabe, mais fanático se é —e isso vale para os dois lados. Haverá solução?
Sempre há: lendo. E, na vasta bibliografia sobre a tragédia, há um livro de Ian Black que tem se destacado nos últimos anos: “Enemies and Neighbors: Arabs and Jews in Palestine and Israel, 1917 – 2017″ (inimigos e vizinhos: árabes e judeus na Palestina e Israel, 1917-2017).
COMPLEXIDADE – Li a obra a conselho de amigos e pasmei com a erudição de Black: o historiador leu tudo —textos canônicos, obras de referência, jornais, diários, cartas privadas— e apresenta o conflito em toda sua complexidade histórica.
Onde outros veem apenas imperialistas ou terroristas, consoante o gosto, Black vai revelando seres humanos de carne e osso que a história contemporânea foi empurrando para a Palestina otomana: judeus que fogem dos pogroms russos; trabalhadores palestinos que se sentem ameaçados, e depois economicamente excluídos, pela imigração judaica.
Mas também nacionalistas judeus contra nacionalistas árabes, ambos brutais e irreconciliáveis, disputando a totalidade do território entre o famoso rio e o famoso mar.
CRÍTICAS AOS DOIS LADOS – A juntar a isso, Black é primoroso na reconstituição da duplicidade das grandes potências, sobretudo a Inglaterra, que nos anos da Primeira Guerra Mundial foram fazendo promessas contraditórias aos dois lados.
Aos judeus, a promessa de que teriam o seu Estado na Palestina; aos árabes, de que teriam o seu Estado também. Era preciso não alienar apoios na luta crucial contra os otomanos.
Quando as armas se calaram, em 1918, havia um rastro de ilusões que tinham sido semeadas e que agora exigiam a sua colheita. O Plano de Participação das Nações Unidas (1947) tentou, no fundo, resolver o que já era irresolúvel.
DOIS ESTADOS – Ian Black critica, com razão, as lideranças árabes que atraiçoaram as aspirações dos palestinos ao não aceitarem a solução dos dois Estados —a única possível mediante as circunstâncias.
Mas também não perdoa a obsessão judaica, depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, de povoar a Cisjordânia (e, em menor grau, Gaza) com assentamentos israelenses, que inviabilizam qualquer Estado palestino.
Hoje, olhando para o conflito, há quem diga que a destruição do Hamas em Gaza é condição “sine qua non” para que um dia seja possível retomar o caminho dos dois Estados.
REJEIÇÃO MÚTUA – Parcialmente, isso é verdade: o Hamas rejeita a existência de Israel e, desde os Acordos de Oslo, esteve sempre na vanguarda da destruição do “processo de paz”. Mas, lendo Ian Black, não é preciso citar os radicais para explicar o fracasso de Oslo.
Os líderes “moderados” de Israel e da Autoridade Palestina fizeram um bom trabalho nesse capítulo: a incapacidade para fazerem sacrifícios dolorosos na busca da paz —Israel com os assentamentos, por exemplo, e a Autoridade Palestina com a exigência irreal do retorno dos refugiados palestinos a Israel— cavou um fosso provavelmente intransponível.
Ian Black não oferece nenhuma solução para o conflito, talvez por suspeitar que não exista solução. Muito menos agora, com as matanças infernais em Gaza. Mas já é um feito conseguir escrever 600 páginas de história sem desculpar nenhuma das partes em confronto. O realismo sempre foi incômodo para os fanáticos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Há solução. Criar os dois Estados. Mas Israel teria de ceder a Faixa de Gaza e as áreas ocupadas na Cisjordânia. E não fará isso nunca. E os semitas continuarão se matando, per secula seculorum. (C.N.)