Joaquim Ferreira dos Santos, grande mestre da crônica
Washington Olivetto
O Globo
Sou leitor e fã de carteirinha do Joaquim Ferreira dos Santos. Gosto da sua intimidade com a cultura popular e da naturalidade com que ele vai da Vila da Penha, onde nasceu Romário, à Round Table do hotel Algonquin, em Nova York, onde reinava Dorothy Parker. Adoro seu senso de humor. Joaquim escreve para o leitor sorrir; não para o leitor gargalhar.
Todas as segundas-feiras, suas crônicas são minha primeira leitura, e elas normalmente só me dão alegrias. Mas outro dia uma delas me provocou nostalgia. Foi aquela em que Joaquim comentava o fim das rádios AM. Devo a maior parte da minha formação às rádios populares. Foi por meio delas que aprendi muito, do pouco que sei.
EU SOU AM – No dia 2 de fevereiro de 2002, quando — depois de 53 dias trancado dentro de um minúsculo cativeiro — terminou o sequestro que sofri no dia 11 de dezembro de 2001, para não virar eterna pauta da imprensa quando surgisse esse tema, resolvi fazer uma entrevista coletiva, encerrando o assunto.
Nessa coletiva, um jornalista me perguntou se eu imaginava que um dia poderia ser sequestrado, e eu respondi que não. Ele insistiu perguntando por quê, e eu respondi: — Porque eu sou AM.
A verdade é que, apesar de sócio de uma bem-sucedida agência de publicidade, eu sempre me senti alguém mais ligado ao povão que ao mundo empresarial.
NA ERA DO RÁDIO – Fui formado pelas rádios desde menino, decorando as canções das paradas de sucesso do Enzo de Almeida Passos, ouvindo os programas esportivos comandados pelo Braga Jr., acompanhando o enredo das radionovelas da Ivani Ribeiro, aprendendo sobre horóscopos com o Omar Cardoso e seguindo o Correspondente Musical, do Hélio Ribeiro.
Líder de audiência, Hélio traduzia para o português as canções que tocava em inglês, francês, espanhol e italiano e, de vez em quando, com seu vozeirão grave, dava lições de moral nos ouvintes. Fez sucesso durante anos, a ponto de inspirar o personagem Roberval Taylor, criado e interpretado pelo Chico Anysio.
Quando entrei na adolescência, por causa da minha paixão pelo rádio, ganhei do meu pai um Transglobe da Philco, famoso por sua potência, que pegava o mundo inteiro em ondas curtas. Foi quando eu, um garoto tipicamente paulistano, comecei a ouvir as rádios do Rio de Janeiro e a me enturmar com a cultura carioca. Ouvia principalmente os programas de samba do Adelzon Alves na Rádio Globo e os rock and roll do Big Boy na Mundial. Hello, crazy people!!!
PROXIMIDADE – Dessa época em diante, com o passar do tempo e devido à minha profissão, acabei ficando amigo de várias grandes figuras do rádio, como o próprio Hélio Ribeiro, que falava de mim em seu programa diariamente e me visitava com frequência na agência. O Osmar Santos me levava para assistir e comentar os jogos do Corinthians narrados por ele nas suas cabines do Pacaembu e do Morumbi.
E o brilhante Ricardo Boechat, que conheci fazendo bom jornalismo impresso, mas que se consagrou mesmo fazendo rádio. O velho e bom rádio tradicional, que não desapareceu com o aparecimento da televisão, nem perdeu espaço com o surgimento da internet e continua mais atual do que nunca.
Em 2022, na Inglaterra, o rádio foi eleito pela revista Campaign o veículo de comunicação do ano. Por falar em veículo e em comunicação, devo ao rádio boa parte de meus aprendizados como criador de publicidade.
ANÚNCIO DE RÁDIO – Quando comecei a trabalhar, aos 18 anos, a primeira agência onde consegui emprego era pequena e não tinha clientes grandes, os que faziam comerciais de televisão. Nossos clientes faziam alguns folhetos, pequenos anúncios de jornal, algumas páginas de revista e, principalmente, spots e jingles de rádio.
Foi criando para rádio que aprendi que você conta com um patrimônio único, a imaginação do ouvinte. Você entra com o áudio, e o ouvinte com o visual. Como a imaginação de qualquer pessoa é mais rica que o mais espetacular cenário que um Steven Spielberg possa produzir, o trabalho criativo no rádio não tem limites.
Como não tem limites a capacidade do Joaquim Ferreira dos Santos de mexer com a memória de seus leitores.