Tácio Lorran e André Shalders
Estadão
Dois auxiliares do ministro da Justiça, Flávio Dino, que participaram de reuniões com a dirigente de uma ONG ligada ao Comando Vermelho, conforme revelou o Estadão, descumprem a Lei de Conflitos de Interesses e não divulgam publicamente seus compromissos. Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, é apontada como o braço financeiro da facção Comando Vermelho no Amazonas e, mesmo assim, foi recebida por quatro autoridades da Pasta em março e maio deste ano.
O secretário Nacional de Assuntos Legislativos, Elias Vaz, e o Diretor de Inteligência Penitenciária, Sandro Abel Sousa Barradas, não divulgam suas agendas desde o início do ano, apesar de estarem obrigados por lei a publicá-las.
SEM TRANSPARÊNCIA – Já o Secretário Nacional de Políticas Penais (Senappen), Rafael Velasco Brandani, costuma publicar seus compromissos num sistema da Controladoria-Geral da União (CGU), mas o nome de Luciane Farias não está registrado na agenda dele.
Procurado, o Ministério da Justiça afirmou, em relação a Elias Vaz, que a Secretaria de Assuntos Legislativos é uma pasta “nova” e que a não divulgação se deve a um problema operacional que está sendo corrigido. Vaz foi nomeado há quase 11 meses.
Por sua vez, a Senappen, que responde por Velasco e Barradas, alegou que “algumas hipóteses são dispensadas de divulgação, incluindo aquelas cujo sigilo seja imprescindível à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado”. E a ouvidora Nacional de Serviços Penais, Paula Cristina da Silva Godoy, que também se reuniu com Luciane Barbosa em 2 de maio, não está na lista de autoridades que a lei obriga ter a agenda divulgada.
MULHER DO PATINHAS – Luciane Barbosa foi condenada em segunda instância a 10 anos de prisão por organização criminosa, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro. Ela é casada há 11 anos com o traficante Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, um dos líderes da facção no Amazonas que responde também por uma série de homicídios em Manaus. A presença dela no Ministério da Justiça só veio à público após o Estadão noticiar.
Assim como não é possível saber com quem essas autoridades do Ministério da Justiça se reuniram ao longo desse período, tornam-se ocultos os assuntos das reuniões, os locais para onde elas viajam e possíveis presentes recebidos.
A divulgação dessas informações está prevista na Lei 12.813, de 16 de maio 2013, também conhecida como a Lei de Conflito de Interesses. “Os agentes públicos mencionados nos incisos I a IV do art. 2º deverão, ainda, divulgar, diariamente, por meio da rede mundial de computadores – internet, sua agenda de compromissos públicos”, diz o texto.
AGENDAS OCULTAS – Para o advogado Bruno Morassuti, membro do Conselho de Transparência Pública da Controladoria-Geral da União (CGU), a não divulgação dos compromissos desses agentes públicos representa um descumprimento do decreto de regulamentação do E-Agendas, sistema do governo federal que reúne as agendas das autoridades, e também significa um enfraquecimento da política de controle de conflito de interesses.
“É muito importante que essas autoridades façam a devida publicação pois assim fortalece o dever de transparência”, avalia.
Um manual da Controladoria-Geral da União (CGU), publicado neste ano, ressalta também que a divulgação das agendas propicia avanços da prevenção ao conflito de interesses, no controle social e na promoção da ética e dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da publicidade na Administração Pública.
“A ‘Transparência de Agendas’ visa assegurar maior isonomia de tratamento aos diferentes grupos de interesse; garantir o princípio ético nas relações público-privadas, e separar o diálogo legítimo de atividades obscuras e corruptas, possibilitando que essas últimas sejam combatidas com maior efetividade e firmeza”, diz a CGU.
CABE À PRESIDÊNCIA – De acordo com a Lei de Conflito de Interesses, cabe à Comissão de Ética Pública da Presidência da República fiscalizar o descumprimento da Lei de Conflito de Interesses. Em 2018, o órgão colegiado advertiu o então ministro da Saúde, Ricardo Barros, por ter omitido da agenda eventos de campanha eleitoral no Paraná.
Após o Estadão revelar os encontros de Luciane Barbosa com quatro auxiliares de Flávio Dino, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu a abertura de uma investigação sobre as reuniões e a adoção das necessárias para investigar “possíveis condutas atentatórias à moralidade administrativa” e “em eventual desvio de finalidade no uso das dependências do Ministério da Justiça” para a recepção de Luciane.
“Qualquer que fosse o interesse público alegado para justificar o encontro, certamente não se tratava da única via disponível, cabendo ao órgão público selecionar interlocutores que respeitem a moralidade pública exigida das instituições oficiais”, diz o subprocurador Lucas Furtado.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O ministro Dino diz que não pode demitir os assessores que não divulgam as agendas. E quando o Ministério da Justiça descumpre a lei assim tão acintosamente, é sinal de estamos nos últimos dias de Pompéia, como se dizia antigamente. (C.N.)