
O “rei do mundo” ignora os reflexos de suas ações
Pedro do Coutto
As novas tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometem provocar um abalo considerável na economia global. A medida central é uma tarifa geral de 10% aplicada sobre todas as importações que entram no país, já em vigor desde a noite da última sexta-feira.
Além disso, diversos parceiros comerciais — apontados pelo governo americano como os principais responsáveis pelo desequilíbrio comercial, entre eles a União Europeia e a China — sofrerão sobretaxas adicionais, sob o argumento de manterem superávits constantes nas trocas com os EUA.
REFLEXO – O efeito desse conjunto de medidas pode ser observado no salto esperado da arrecadação tarifária americana, que deve atingir patamares inéditos em quase um século, superando até mesmo os tempos de maior protecionismo, como os anos 1930. Contudo, o verdadeiro impacto deve ser percebido nas transformações estruturais das rotas tradicionais do comércio internacional.
A Ásia será particularmente afetada, com tarifas elevadas que ameaçam desmontar modelos de negócios consolidados, impactando diretamente milhares de empresas e até economias nacionais inteiras. Grandes cadeias de suprimentos, cuidadosamente construídas por corporações globais, poderão ser interrompidas de maneira abrupta — e muitas delas tenderão a se reorganizar em torno da China.
O governo americano, ao que tudo indica, pretende utilizar a nova receita gerada com tarifas para compensar perdas oriundas de cortes fiscais. Como destacou um assessor da Casa Branca: “Não se trata de uma negociação. Estamos lidando com uma emergência nacional.”
PENALIZAÇÕES – A lógica das chamadas “tarifas recíprocas” se baseia na ideia de penalizar países que exportam mais para os EUA do que importam, ou seja, que mantêm superávits comerciais com os americanos. Mesmo na ausência desse superávit, a tarifa de 10% será aplicada de forma geral.
Essa nova política evidencia dois pontos principais: o primeiro é a tentativa clara de zerar o déficit comercial dos EUA, o que representa uma mudança drástica na dinâmica global de comércio, com foco especial em países asiáticos. O segundo é que, ao que parece, os acordos bilaterais firmados até o momento pouco contribuíram para modificar o cenário.
REALOCAÇÃO – Em um sistema comercial saudável, déficits e superávits são resultados naturais da especialização produtiva de cada país. Essa lógica, no entanto, foi abandonada pelos EUA com essa nova abordagem. A realocação das cadeias de produção não ocorrerá da noite para o dia.
Tarifas elevadas — que podem chegar a 30% ou 40% sobre bens vindos do leste asiático — devem pressionar rapidamente os preços de produtos como roupas, brinquedos e eletrônicos. Resta saber como o restante do mundo responderá a essa ofensiva.
PROTECIONISMO – Consumidores e empresas europeias, por exemplo, podem encontrar novas oportunidades em um cenário no qual os EUA se tornam mais protecionistas, abrindo espaço para a intensificação do comércio entre as demais grandes economias. Além da resposta dos governos, há também uma potencial reação popular. O boicote a marcas americanas, inclusive nas redes sociais, pode se tornar uma forma de protesto.
Caso isso ocorra, até mesmo a hegemonia das gigantes americanas do setor de tecnologia pode ser ameaçada. E, para conter os efeitos inflacionários da alta nas tarifas, os EUA podem se ver forçados a elevar suas taxas de juros. Diante de tudo isso, uma nova e imprevisível guerra comercial global parece estar se desenhando.