Legítimo e necessário, o sionismo deu deu lugar ao judaísmo cruel e assassino

Número de mortes na Faixa de Gaza ultrapassa 5 mil de | Internacional

Já foram mortas mais de 14 mil crianças na faixa de Gaza

João Miragaya
Folha

O cientista político Shlomo Avineri (1933-2023) definiu o sionismo como uma revolução ocorrida no seio do judaísmo. O movimento, segundo o autor, não tinha como objetivo somente dar uma resposta às perseguições sofridas pelos judeus enquanto minorias ao redor do mundo, embora desse à questão um lugar de destaque.

Na introdução de “A Ideia Sionista”, Avineri defende que o sionismo rompia com a identidade tradicional e religiosa da diáspora judaica, possibilitando uma resposta caracterizada pela “busca da autodeterminação e libertação sob as condições modernas de secularização e de liberalismo”.

CRISE DE IDENTIDADE – O sionismo, então, seria uma resposta moderna do povo judeu à modernidade. Foi deste processo que nasceu o Estado de Israel que, nesta semana, completou 76 anos de independência, no que talvez seja o momento de maior crise da identidade judaica e sionista dos últimos séculos.

As forças propulsoras para a criação do Estado de Israel eram seculares e modernas. A materialização da ideia sionista se deu por correntes laicas, fossem liberais ou socialistas, o que de mais vanguardista havia no contexto pós-Segunda Guerra Mundial.

Fosse por meio da vibrante Tel-Aviv, a primeira cidade hebraica surgida em mais de 2.000 anos, ou dos fascinantes kibutzim, que inspiravam socialistas das mais diversas correntes, o Estado de Israel parecia destinado, de fato, a revolucionar o sujeito judeu dali em diante.

O NOVO HEBREU – O sionismo promoveu o surgimento do novo hebreu, que desenvolvia uma cultura moderna e nacional e agarrava seu destino com suas próprias mãos. Essa ideia romântica de país encantava expoentes antagônicos, de Churchill a Simone de Beauvoir. Tal entusiasmo, inclusive, eclipsava o cruel destino do povo palestino, cujo direito de autodeterminação não foi —e segue sem ser— respeitado.

Passamos para outro Avineri, o jornalista Uri (1923-2018), apenas dez anos mais novo que Shlomo, com quem não tinha parentesco. Em 2015, Uri Avineri alertava para as transformações em curso no sionismo, que alteravam seu caráter para algo oposto aos valores modernos que impulsionam a sua criação.

Em “O Estado Hebraico em Perigo”, publicado no Haaretz, alegava que, desde 1967, transcorre em Israel uma conversão a passos largos do Estado hebraico para o Estado judaico.

JUDAÍSMO ASSASSINO – Segundo Uri Avineri, forças periféricas nacionalistas religiosas se radicalizaram e se somaram aos grupos ultraortodoxos, em sua maioria não sionistas, em prol de um projeto retrógrado de um judaísmo “fanático, violento, e agora assassino”. E profetizava que tal grupo pode enterrar o Estado, como fizeram os fanáticos com o Segundo Templo.

Uri Avineri morreu em 2018 e não presenciou a formação do governo mais extremista da história de Israel, no início de 2023. Grupos incentivados por políticos e outros expoentes, em meio a uma guerra altamente mortífera, pregam abertamente a recolonização da Faixa de Gaza por civis judeus, cuja proteção seria garantida pela restauração das tropas israelenses na região.

Gradualmente, grupos extremistas religiosos pautam cada vez mais a agenda do dia em Israel e sequestram o sionismo, transformando seu caráter moderno e secular em intolerância e fanatismo. Por fim, Uri Avineri propunha que a Israel secular e nacional reagisse enquanto houvesse tempo.

CONSTANTE MUDANÇA – Retornamos a Shlomo Avineri. No epílogo de sua obra, ele se refere ao sionismo como uma revolução permanente, que teria criado um sujeito judeu normativo, com uma dimensão pública e forte influência sobre os judeus tradicionais e relativamente religiosos da diáspora.

Algo que, por lógica, deve estar constantemente em transformação, a fim de se adequar à modernidade. Passaram-se anos, e é custoso imaginar que Simone de Beauvoir, 76 anos depois, pudesse ser solidária ao Estado de Israel, tomado por essa turba de messiânicos e intolerantes.

O sionismo, enquanto movimento de libertação, é legítimo e necessário. Da mesma maneira que ele provocou uma reinvenção dos judeus no século 19, urge que se reinvente agora. Antes que seja tarde demais.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Artigo definitivo de João Miragaya, mestre em História pela Universidade de Tel Aviv e colaborador do Instituto Brasil-Israel. É bom saber que ainda existem intelectuais israelenses que se opõem a esse tipo de guerra religiosa e genocida. Mas é pena saber que são tão poucos que nem fazem mais diferença. É lamentável. Jamais se imaginou que Israel pudesse cair tanto. (C.N.)

Lula desagrada ao eleitorado da frente ampla, que pode desprezá-lo em 2026

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Lula errou ao nomear Paulo Pimenta para gerir a crise

Dora Kramer
Folha

A realidade afirma, o bom senso reafirma e as pesquisas confirmam: Lula queimou o cartucho da frente ampla e em 2026 não contará com esse recurso para tentar a reeleição, caso seja mesmo o seu plano.

Ao contrário do que dizem, o presidente entende sim que ganhou a eleição por um triz e que deve isso ao pavor provocado pela perspectiva de mais quatro anos do horroroso governo do antecessor. Tanto que está constantemente a relembrar aos brasileiros o que foi aquilo.

ELEITORADO VOLÁTIL – Só parece não compreender que a comparação não basta. Não dá mostra de perceber que o eleitorado fiel da balança em 2022 é volátil e precisa ser fidelizado.

O contingente nada desprezível de votantes antipetistas escolheu evitar o mal maior na expectativa do cumprimento da aquietação de ânimos prometida. No aguardo de um governo que corrigisse os erros do passado e correspondesse ao crédito de confiança dado pelos tradicionais oponentes.

Eles estão aí. E como não são adoradores, mas simpatizantes de ocasião, olham o panorama com senso crítico aguçado. Têm demonstrado desgosto nas pesquisas. Não gostam do que veem e certamente não gostaram nada de ver o sinal da volta do manejo da Petrobras como agência governamental e do uso político da tragédia do Rio Grande do Sul.

HÁ EMPENHO – Lula tem dedicado atenção e recursos ao socorro do estado. Faz visitas constantes e tem sempre dois ou três ministros despachando por lá. Descontados os de má-fé, os demais reconhecem o empenho.

Por isso, não precisava ter nomeado um ministro extraordinário para dar expediente na cena da tragédia e muito menos escolhido alguém do perfil de Paulo Pimenta: sem expertise em infraestrutura, pouquíssimo afeito à diplomacia no trato e um petista postulante ao governo do Rio Grande do Sul.

Dizer que a intenção não foi projetá-lo nem rivalizar com a figura do governador Eduardo Leite (PSDB) equivale a nos chamar a todos de tolos.

Comitê para Proteção de Jornalistas faz novo pedido para libertação de Assange

EUA: Em reviravolta inédita, Biden considera proposta para absolver Julian  Assange

Caso é confuso e há possibilidade de Biden anistiar Assange

Deu no Sputnik

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas está cobrando o Departamento de Justiça dos EUA a retirar as acusações contra o fundador do Wikileaks, Julian Assange, que atualmente corre o risco de ser extraditado para os Estados Unidos.

“A acusação de Assange nos Estados Unidos criaria vias legais ao abrigo da Lei de Espionagem e da Lei de Fraude e Abuso de Computadores que permitiriam a acusação de jornalistas que estão simplesmente a fazer o seu trabalho e a cobrir assuntos de interesse público”, disse o Comité em um ofício ao Departamento de Justiça.

EXTRADIÇÃO – Assange, que está atualmente preso no Reino Unido à espera de um processo de recurso no tribunal britânico, corre o risco de ser extraditado para os Estados Unidos após a sua próxima aparição em 20 de maio, continua a carta.

O Comité argumentou na carta que as promessas do Departamento de Justiça assegurando que Assange seria autorizado a “confiar” nos direitos da Primeira Emenda se fosse extraditado para os EUA não têm em conta a liberdade de expressão ao abrigo do direito internacional dos direitos humanos ou do endereço o fato de que as próprias acusações “desafiam diretamente seus direitos da Primeira Emenda”.

“No entanto, todo este processo legal poderia e deveria ser rapidamente encerrado se o Departamento de Justiça retirasse as acusações, que acreditamos firmemente que prejudicam a liberdade de imprensa tanto a nível nacional como internacional”, continua a carta.

VIOLAÇÃO DA SENTENÇA – Assange, um cidadão australiano, foi transferido para a prisão de segurança máxima de Belmarsh, em Londres, em abril de 2019, sob acusação de violação da fiança.

Nos EUA, enfrenta acusação gravíssima, ao abrigo da Lei da Espionagem, por obter e divulgar informações confidenciais que esclarecem crimes de guerra e violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas dos EUA no Iraque e no Afeganistão.

Se for condenado, o fundador do WikiLeaks poderá pegar até 175 anos de prisão. Um dos últimos meios de impedir a sua transferência para os EUA pode ser um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Assange perdeu o seu recurso anterior no Supremo Tribunal do Reino Unido em junho passado.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
O tribunal agendou a próxima audiência no caso de extradição de Assange para esta segunda-feira, 20 de maio. Em março, o  fundador do WikiLeaks teve sua extradição para os Estados Unidos adiada após o Supremo Tribunal de Londres sinalizar que lhe permitiria recorrer do caso. Na decisão, o tribunal britânico deu ao governo dos EUA um prazo de três semanas para fornecer uma série de garantias em torno dos direitos de Assange. De toda forma, Assange cumpriria prisão perpétua nos EUA. Seu caso significa a desmoralização da Primeira Emenda e da democracia reinante desde a declaração de independência das 13 colônias inglesas. (C.N.)

Leite vê tentativa de criar “governo paralelo” no RS, e o clima fica azedo

Governo Lula vai dar moradia gratuita para quem perdeu casa na tragédia no RS | Revista Fórum

Lula quer se livrar de Pimenta,, mas não está dando certo

Catia Seabra
Folha

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), não chegou a fazer um agradecimento nominal ao presidente Lula (PT) durante o anúncio do pacote de ações federais para enfrentamento da crise no estado. Na solenidade, ocorrida na quarta-feira (15) em São Leopoldo, Leite enfatizou a superação de divergências ideológicas e afirmou que as necessidades urgentes da população gaúcha serão atendidas com “o maior esforço de seu presidente, de seu governador e de prefeitos”.

A ausência de um agradecimento direto a Lula não passou despercebida por integrantes do Palácio do Planalto e foi interpretada como demonstração de contrariedade do tucano com a nomeação de Paulo Pimenta (PT) para a Secretaria Extraordinária para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

SOUBE PELA IMPRENSA – Aliados do governador admitem, sob reserva, que Leite ficou muito incomodado com a designação de um político com pretensões eleitorais no estado. O governador soube pela imprensa da nomeação de Pimenta, como informou a coluna Painel, da Folha.

Segundo esses aliados, o temor de Leite é que Lula queira criar um governo paralelo no estado, em que os ministros passem a discutir medidas diretamente com Pimenta, desviando do Palácio do Piratini.

Um integrante da equipe de Leite afirmou, na condição de anonimato, que o governo do estado não se opunha à constituição de uma autoridade desde que ela se limitasse ao acompanhamento das ações federais no Rio Grande do Sul.

OUTRA PROPOSTA – Segundo relato, o Ministério da Fazenda já havia apresentado uma proposta segundo a qual caberia ao governo Lula a definição do destino dos recursos oriundos da suspensão do pagamento da dívida do estado com a União.

A Fazenda chegou a elaborar o texto em que o governo Leite se comprometeria a submeter à União a aplicação do dinheiro mantido nos cofres do estado graças à suspensão do pagamento da parcela da dívida. Mas Leite não concordou e convenceu Lula de que essa fórmula seria inviável diante da urgência de medidas para reconstrução do RS.

O medo agora é que a secretaria represente nova tentativa de controle dos recursos no estado. O mal-estar poderá se acentuar caso Pimenta indique o ex-prefeito Emanuel Hassen De Jesus, conhecido como Maneco Hassen, para a secretaria-executiva da autoridade federal.

INSATISFAÇÃO – O presidente do PSDB, ex-governador de Goiás Marconi Perillo, foi um dos porta-vozes dessa insatisfação. “Causou muita estranheza o fato de o presidente ter anunciado a autoridade federal sem ter sequer falado disso com o governador, que é a principal autoridade constitucional no estado”, afirmou.

Perillo disse esperar que essa autoridade apoie a reconstrução do Rio Grande do Sul, “com recursos que precisam ser destinados ao estado”.

“A gente espera que a ajuda seja em forma de transferência gratuita, ou seja, em doação, porque o estado não suporta mais operações de crédito. Então a gente espera que realmente essa autoridade possa ajudar e não atrapalhar”, disse.

PRECEDENTE PERIGOSO – Já o ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que questionará, na Câmara dos Deputados, os fundamentos legais para a constituição desse ministério. Na opinião de Aécio, abre-se um precedente perigoso. “É uma intervenção no estado não prevista na Constituição”, disse ele.

Aécio pergunta se o PT consideraria razoável se o governo Jair Bolsonaro (PL) criasse secretarias extraordinárias nos estados brasileiros para combater a pandemia da Covid-19.

Segundo Aécio, o episódio começa com uma indelicadeza de Lula ao instituir a autoridade sem avisar ao governador do Rio Grande do Sul e pode acabar com uma imprudência.

LEITE SAI BEM – O próprio Leite, entretanto, negou incômodos na relação com Pimenta. “Não contem comigo para disputa política, não contem comigo para disputa de vaidades, de egos, é em favor da sociedade. Temos uma população nesse momento que está sofrendo”, afirmou.

“Não temos o direito de permitir que qualquer tipo de diferença ideológica, programática, divisão política ou de aspiração pessoal possa interferir na nossa missão que atender essas pessoas. Vou me reunir em breve, inclusive com o ministro [Pimenta] e vamos atuar para que possamos coordenar essas ações conjuntamente”, concluiu.

Na cerimônia de quarta, Pimenta posou ao lado de Lula e Leite após o presidente assinar medida provisória que institui o vale reconstrução, apoio financeiro destinado a famílias de desabrigados. Os três ergueram o documento para fotos.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
C
omo diz Délcio Lima, é óbvio que esta bagaça não vai dar certo. Lula quer Pimenta longe do Planalto e tentou arranjar um jeitinho… Mas Pimenta já avisou que não deixará o gabinete no palácio. A confusão aumenta, e Lula deveria se envergonhar de querer faturar a tragédia. (C.N.)  

Tortura não é novidade na Terra Santa; o que há de novo é apenas a motivação

Palestinos percorrem os escombros na Faixa de Gaza

Demétrio Magnoli
Folha

Khirbet Khizeh, de S. Yizhar, a história ficcional da expulsão dos palestinos de seu povoado pelas forças do proto-Estado judeu, na guerra de 1948, foi publicado no ano seguinte. “Atirar – e, depois, chorar”: o remorso do narrador, um jovem soldado que cumpre a ordem de remoção dos habitantes, pertence ao mito nacional de Israel. Hoje, porém, sob um governo controlado por extremistas, Israel não chora mais: atira e, depois, tortura.

Tortura não é novidade na Terra Santa. Agentes israelenses torturam prisioneiros palestinos. Policiais da Autoridade Palestina torturam prisioneiros do Hamas e vice-versa, na Cisjordânia e em Gaza. O Hamas cometeu abusos sexuais contra reféns israelenses. A novidade, porém, está na motivação.

TORTURAS TERRÍVEIS – Uma investigação da CNN, baseada em fotos e depoimentos de funcionários israelenses anônimos, lançou luz sobre o centro de detenção estabelecido na base militar de Sde Teiman. É uma Guantánamo no deserto do Neguev.

Os prisioneiros, manietados em ambientes contaminados por fezes e ratos, impedidos de se locomover durante dias inteiros e proibidos de falar, sofrem abusos e sevícias intermitentes. Direito humanitário? Convenção da ONU contra Tortura? Nada disso existe naquele inferno.

A tese da bomba-relógio, um cenário que só aparece no cinema, forma a base lógica da prática estatal da tortura. Contudo, não funciona em Sde Teiman: no cárcere para supostos combatentes de campo, não há dirigentes do Hamas ou da Jihad Islâmica que possam guardar segredos sensíveis. Tortura-se, ali, por vingança.

O SOLDADO CHORA… – O soldado do romance de Yizhar cumpre ordens terríveis. Sua disciplina resignada sintetiza o conceito que fabricou Israel: um país seguro para judeus expulsos de suas pátrias originais por meio século de perseguições que culminaram no Holocausto.

A Nakba palestina emergiu de uma guerra, não de uma deliberação genocida. Se perdessem, os judeus é que seriam expulsos, conforme prometiam os líderes das forças árabes. Mas o soldado chora porque reconhece a humanidade de suas vítimas.

O escritor Amos Oz, autor do ensaio “Como curar um fanático”, inflexível defensor da solução de dois Estados, combateu nas guerras do Sinai, dos Seis Dias e do Yom Kippur. Ele captou o dilema moral inscrito no “atirar – e, depois, chorar”: “Fiz muitas coisas que lamento ter sido obrigado a fazer, mas nenhuma de que me envergonhe”. O antissemita de plantão (disfarçado ou não no manto conveniente do “antissionismo”) dirá que são lágrimas hipócritas – e, como sempre, estará errado.

CURRÍCULO ESCOLAR – Khirbet Khizeh entrou no currículo escolar oficial judeu em 1964, tornou-se best-seller e inspirou uma série de TV. Numa palestra a estudantes, ninguém menos que Moshe Dayan, ministro da Defesa na Guerra dos Seis Dias, recitou cada um dos nomes dos povoados palestinos destruídos e enterrados sob povoados israelenses.

A mais completa descrição da extinção da paisagem material e simbólica palestina e sua substituição pela paisagem israelense deve-se não a um árabe-palestino, mas a um judeu israelense: Sacred Landscape, de Meron Benvenisti, que foi vice-prefeito de Jerusalém.

As lágrimas, porém, secaram. As provas estão em Sde Teiman e na guerra de punição coletiva conduzida em Gaza, duas faces de uma mesma moeda, coisas que envergonhariam Oz, se ele estivesse vivo para contemplá-las.

ATIRAR E TORTURAR – Haverá, sempre, um propagandista disponível para racionalizar os massacres de civis e as torturas de prisioneiros, atribuindo-os ao trauma criado pela barbárie do 7 de outubro.

A tentativa de, por essa via, justificar as ações estatais israelenses, é historicamente falsa. O “atirar – e, depois, torturar” reflete a natureza do governo de Netanyahu e deita raízes na prolongada ocupação, que corrompe a alma do Estado judeu.

Os judeus israelenses precisam da paz em dois Estados tanto quanto os árabes palestinos.

Todas as calamidades aqui no Brasil têm raízes nas desigualdades sociais

Enchentes no Rio Grande do Sul: várias cidades inundam após temporais; fotos

Para os pobres, as calamides sempre significam perda total

Janio de Freitas
Poder360

O chão inundado tem mais prestígio e poder emotivo do que o seu oposto. Do interior baiano para cima, ano a ano, século a século, a seca reprisa a marcha dramática dos retirantes, os cadáveres do gado em pele e osso, a lavoura perdida, as mortes não contadas de crianças ainda no colo ou de pés arrastados no cansaço. A sede, a fome, as dores.  As secas não perdem em nada das inundações. No entanto, nem nos seus ataques mais furiosos emocionaram e moveram solidariedades como fazem as águas do sul.

As causas da diferença são aquelas, sim. As de sempre. As calamidades brasileiras, todas, têm raízes na dimensão absurda das desigualdades entre os níveis socioeconômicos. É prudente não esperar que os poderes públicos extraiam do desastre gaúcho as noções de sua responsabilidade não extraídas de outros acidentes ambientais.

OUTROS DESASTRES – Brumadinho, por exemplo, nem recebeu o socorro de um movimento semelhante ao atual, nem foi seguido de ações governamentais de prevenção pelo país afora. Um bom pedaço de Maceió está afundando, por causa da exploração subterrânea de uma mina de sal-gema.

Há enormes desastres em curso ou em risco no país todo. Se reflexões sobre esse problema nacional são infrutíferas, a inundação gaúcha encaminha olhar consequente para alguns desastres do mundo.

A perda repentina de todos os bens domésticos há de ser um abalo muito forte, emocional e racional. Poucos e pobres bens não mudam a reação: 2 ou 3 pratos de uma casa da pobreza valem tanto quanto um aparelho de jantar para a casa rica.

PERDAS TOTAIS – As vítimas gaúchas de perdas totais têm variadas possibilidades de reposição, ao menos parcial, dos bens perdidos nas águas.

Para a imensa maioria de famílias pobres na Faixa de Gaza, já dependentes de ajuda internacional antes da guerra, a perda causada pelas bombas norte-americanas lançadas por Israel é perda literal. E não há o que esperar.

A própria moradia deixa de existir. Com a cama, vão-se o teto e o chão. Os bens que restam, quando restam, são humanos. Na Ucrânia, os russos atacam mais prédios residenciais do que alvos militares, que nem são muitos. Guerra urbana à distância, por artilharia e drones, também leva as famílias à perda até da própria moradia.

SEM COMPARAÇÃO – Nos primeiros dias do desastre gaúcho, muitos falaram em “guerra contra a inundação”, em “destruições de guerra”.

Não há como comparar os sofrimentos dos vitimados em Gaza e Ucrânia com os do desastre ambiental.

Mas as vítimas daqui, mesmo que por uma semelhança ínfima, chamam a sensibilizar-se com as vítimas de lá. E, também aí, a sair da indiferença.

Ministério da Saúde infla equipes sem concurso e esconde lista de contratados

Ministra gosta de ajudar Cabo Frio, onde o filho foi contratado

Raquel Lopes e Mateus Vargas
Folha

O Ministério da Saúde emprega milhares de funcionários não concursados, contratados principalmente como bolsistas e consultores, para atuar em áreas essenciais da pasta. A lista com nomes e remunerações desses cargos é mantida em sigilo, mesmo após a CGU (Controladoria-Geral da União) mandar a pasta divulgar os dados em processo baseado na Lei de Acesso à Informação aberto pela Folha.

A dependência das bolsas atravessa governos, foi intensificada pela redução dos concursos e mantida na gestão Lula (PT). Com baixa transparência, parte dos cargos abriga nomes ligados a autoridades.

Primo da esposa do secretário-executivo da Saúde, Swedenberger Barbosa, o jornalista José Camapum recebe cerca de R$ 8 mil para atuar na Ouvidoria do ministério. Ele ganha mais do que os colegas, pois tem uma bolsa originalmente destinada a um setor com salário mais alto.

Filho do general Villas Bôas, o dentista Marcelo Haas Villas Bôas atuou de 2020 a janeiro de 2023 no ministério como bolsista, com remuneração de cerca de R$ 7,5 mil. Parte do trabalho neste período era representar a Secretaria de Saúde Indígena, loteada por militares sob Bolsonaro, em reuniões sobre a Covid.

PARTE DA RELAÇÃO – Em 2021, sob Bolsonaro, o ministério chegou a liberar parte da relação de funcionários não concursados. Havia mais de 2,5 mil nomes e cerca de R$ 16,3 milhões em salários mensais. O pagamento mais alto da tabela alcançava R$ 12 mil.

Ainda que parcial, essa lista é maior do que a soma de servidores concursados ou comissionados da administração do Ministério da Saúde, em Brasília. A pasta informou, em novembro de 2023, que havia cerca de 2.130 funcionários nesta categoria.

No governo Lula, o ministério apresentou dados ilegíveis aos pedidos feitos pela Folha sobre a lista de bolsistas e consultores. Questionada novamente, a pasta passou a se recusar a divulgar qualquer tabela.

AÇÕES TRABALHISTAS – O ministério argumenta que as instituições que contratam esses funcionários detêm os dados e devem apresentá-los. Integrantes da equipe de Nísia Trindade dizem, reservadamente, que há temor de a lista mostrar o vínculo de bolsistas com o ministério e se tornar munição em ações trabalhistas.

Em nota, a Saúde disse que está finalizando o levantamento dos dados para divulgar a relação de não concursados, mas não deu prazo para resposta. “É importante esclarecer que o ministério depende de respostas dos parceiros que realizam projetos junto às instituições, que são responsáveis pelas contratações dos bolsistas e consultores que desenvolvem tais tarefas”, afirmou a pasta.

A Fiotec, fundação ligada à Fiocruz, e a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) são as entidades que fornecem maior parte da mão de obra da Saúde por meio de bolsas e consultorias.

DIZ A CGU – “Se existem consultores atuando como agentes públicos, no âmbito desses acordos de cooperação, nas instalações ou com recursos do Ministério da Saúde, tais colaboradores precisam ter seus dados devidamente publicados”, disse a CGU ao mandar a Saúde entregar os dados sobre funcionários não contratados.

A reportagem pediu à Saúde o acesso à lista dos funcionários não concursados em 9 de outubro do ano passado. Após diversos recursos, a Controladoria determinou, em 6 de fevereiro, que a Saúde teria até o dia 7 de março para entregar os dados. Em nota, a CGU afirmou que a Saúde agora apresentou um recurso no processo de Lei de Acesso à Informação, chamado de incidente de correção, que suspendeu este prazo.

Gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France disse que CGU tem competência para julgar recursos e suas decisões devem ser cumpridas no prazo legal por todos os órgãos do governo federal, sob pena de responsabilização dos agentes públicos.

EUROPA E EUA – Em um dos projetos, o coordenador Guilherme Franco Netto recebeu em diárias R$ 310 mil por viagens à Europa e aos Estados Unidos. Como a Folha mostrou, Netto ainda ganha bolsa de R$ 4,7 mil mensais, além de salário de R$ 28,4 mil pago pela Fiocruz.

A Fiocruz afirmou que as viagens de Netto foram para desenvolver atividades relacionadas à cooperação técnica com universidades desses países.

Para dirigente da Transparência Internacional, Guilherme France, o nível de transparência das contratações de não concursados deve ser, no mínimo, equivalente àquele aplicado aos concursados.

TRANSPARÊNCIA – “Conforme a administração pública passa a se valer, cada vez mais de contratos de consultoria e bolsa, é fundamental que as políticas e práticas de transparência desses órgãos se adaptem para conferir a devida publicidade às informações relativas a esses contratos”, disse Guilherme France.

A Fiotec afirmou que diversos projetos desenvolvidos pela Fiocruz são voltados a apoiar ações do Ministério da Saúde. “As atividades desenvolvidas pelos bolsistas possuem prazo determinado, vinculadas ao prazo de execução dos projetos”, disse a fundação ligada à Fiocruz.

A OPAS disse que possui diversos tipos de contrato com empresas ou pessoas físicas que ofertam serviços pontuais, como consultoria técnica, produção de estudos. A instituição afirmou que não repassa as informações para “manter a privacidade de todas as pessoas contratadas”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Como dizia Tom Jobim, é a lama, é a lama, é a lama. (C.N.)

Pesquisa indica desvantagem de Michelle em relação a Tarcísio na disputa com Lula

Michelle e Tarcísio lideram como opções para substituir Bolsonaro em 2026,  diz Quaest

Tarcisio tem menos rejeição e mais chance de ganhar votos

Malu Gaspar
O Globo

Não foi só Jair Bolsonaro que não se animou com o resultado da pesquisa Genial/Quaest que traz Michelle Bolsonaro (PL-DF) com mais intenções de voto do que Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) na disputa contra Lula em 2026. Os estrategistas do PL, o partido do ex-casal presidencial, também têm ressalvas a uma eventual candidatura de Michelle, mas por razões diferentes do ex-presidente.

De acordo com a Genial/Quaest, Michelle tem mais intenções de voto do que o governador de São Paulo em todos os cenários pesquisados. O resultado é semelhante ao que já vinha sendo constatado nos levantamentos que o PL encomendou ao instituto Paraná Pesquisas.

DADO NEGATIVO – Mas enquanto Bolsonaro prefere não discutir e nem estimular nenhum substituto à sua candidatura por ainda ter esperança de derrubar a inelegibilidade e poder disputar a eleição em 2026, marqueteiros e lideranças do partido acreditam que Michelle tem um calcanhar-de-Aquiles que pode colocá-la em desvantagem e impedi-la de vencer o petista quando a briga for para valer.

A própria Genial/Quaest traz o dado que vinha sendo apurado nas internas do PL. Apesar de estar à frente de Tarcísio, Michelle tem bem mais rejeição do que o governador – 50% dos entrevistados dizem que não votariam nela, enquanto 30% dizem que não votariam nele. Para comparação, a rejeição de Lula no mesmo levantamento está em 49%.

“Michelle vem crescendo porque está viajando pelo Brasil e angariando muito apoio entre as mulheres, especialmente as evangélicas. Mas ela não fala tanto com o público mais ao centro como Tarcísio, então ele é um candidato mais fácil de trabalhar na campanha”, comenta um aliado próximo de Valdemar Costa Neto, dirigente nacional do PL.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Além de Tarcísio tem rejeição muito menor, ainda não é conhecido por uma expressiva parcela dos eleitores. Somando as duas perspectivas, a indicação é de que ele disputaria a eleição de 2024 com muita chance contra Lula, se o petista tiver condições físicas e mentais para ser candidato, sem discursar falando das calcinhas das eleitoras, por exemplo. (C.N.)   

Agronegócio articula uma dura reação à Lei Antidesmatamento da União Europeia

Agronegócio articula resposta à Lei Antidesmatamento da União Europeia

Europeus tentam bloquear as exportações agrícolas do Brasil

Victor Irajá
CNN Brasil

O setor agropecuário articula uma resposta à União Europeia por barreiras impostas aos produtos brasileiros a partir da nova Lei Antidesmatamento aprovada pelos europeus, que prevê a necessidade de fiscalização de toda a cadeia produtiva de alimentos vendidos no Velho Continente por parte dos próprios membros do bloco.

A medida, segundo membros da UE, visa garantir que os produtos não estejam ligados a ações de desmatamento — o que foi visto como uma retaliação por parte de representantes do agronegócio no Congresso Nacional.

SOBRETAXAÇÃO – A resposta da bancada ruralista envolve ampliar a taxação sobre produtos da Europa, sobretudo as fabricantes de veículos automotivos, e destinar os recursos ao Fundo Amazônia.

Deputados e senadores acreditam que o Código Florestal brasileiro é o mais moderno do mundo, e que a Europa utiliza a agenda verde para utilizar medidas protecionistas contra os produtores do resto do mundo.

Este, tem sido, inclusive, o posicionamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já teceu duras críticas à França, por exemplo.

LEI DE RECIPROCIDADE – Até o momento, a estratégia dos ruralistas é fortalecer a articulação do projeto que cria a Lei de Reciprocidade Ambiental, que é promovida por dois expoentes da bancada no Senado: o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MT).

O Congresso Nacional deve realizar uma audiência pública sobre o tema no próximo dia 22 de maio.

Já na Câmara um projeto similar foi apresentado por outro líder da bancada, o deputado federal Tião Medeiros (PP-PR).

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Nem precisa o governo se mexer, pode deixar que a própria bancada do agronegócio sabe se mexer e vai encontrar as saídas. Essa Lei da Reciprocidade é a forma ideal para enfrentar o protecionismo dos países europeus. Vamos aprovar logo a nova legislação e emparedar a concorrência, que tem baixa produtividade, mas gosta de botar banca. Como dizia o genial Assis Valente, chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor… (C.N.)

Há um país abençoado por verbas e outro país na incerteza dos recursos extraordinários

Área alagada perto do mercado municipal de Porto Alegre, capital gaúcha, após chuvas recordes na região

Quando as águas baixarem, o país carimbado se renovará

Demétrio Magnoli
Folha

As águas do Guaíba submergiram vastas áreas da Grande Porto Alegre. Mas as enchentes trouxeram à tona o contraste entre dois países: um abençoado por verbas carimbadas; outro suspenso na incerteza dos recursos extraordinários. No ápice da tragédia, com águas ainda superando a cota dos 5 metros, o Congresso e o governo concordaram em desviar as emendas de parlamentares do RS para as urgências da catástrofe.

Generoso, à luz dos holofotes, o país carimbado estendia uma mão ao país mendicante. Lá, na trincheira, voluntários empregavam barcos, jet skis e até pranchas de surfe no resgate das vítimas.

LAGOAS DE DINHEIRO – O país carimbado navega em lagoas de dinheiro. O valor total previsto para emendas parlamentares atinge, em 2024, quase R$ 50 bilhões, enquanto o fundo eleitoral consumirá R$ 4,9 bilhões.

Ninguém sabe ao certo o custo da reconstrução das infraestruturas destruídas pelas enchentes no RS, mas as estimativas iniciais giram em torno de R$ 10 bilhões. O governo percorre um labirinto jurídico para excluir o “orçamento da tragédia” dos limites desenhados no arcabouço fiscal.

A captura do Orçamento da União pelo país carimbado, expressa nas despesas obrigatórias, já cruzou a fronteira dos 90%. Na mão oposta, entre 2013 e 2023, os gastos federais com prevenção de desastres reduziram-se, em valores desinflacionados, de R$ 6,8 bilhões para menos de R$ 1,5 bilhão. Regra geral, estados e municípios seguem a mesma rota. “Alguém viu a Defesa Civil?”, indagavam desesperados os voluntários na Cidade Baixa e Menino Deus.

MUDANÇAS CLIMÁTICAS – Marina Silva, ilhada no Meio Ambiente, rabisca planos numa folha de papel. São projetos esperançosos de adaptação às mudanças climáticas de nossas cidades, redes viárias e estruturas produtivas.

A hegemonia do país carimbado, somada à trajetória ascendente da dívida pública, colore cada um deles nos tons cinzentos do devaneio. Como reinventar padrões de urbanização, circulação e produção quando todo o dinheiro destina-se a custear a administração do passado?

Ilhada no ministério do Planejamento, Simone Tebet ensaia uma reconquista parcial da casamata orçamentária capturada. Numa entrevista ao Valor Econômico, a ministra anunciou planos para desvincular alguns benefícios previdenciários da correção do salário mínimo. “Teremos que cortar o gasto público pela convicção ou pela dor”, alertou, numa referência velada à farra fiscal devastadora que inundou os mandatos de Dilma Rousseff.

PERTO DE DESABAR – É um programa mínimo de salvação de um arcabouço fiscal em vias de desabar. Tebet enfatizou que cogita corrigir os benefícios previdenciários pelo IPCA mais 1%, garantindo-lhes ganhos reais. Ninguém falou nas verbas carimbadas da Educação, que crescem acima da inflação sem produzir qualidade ou resultados, nas sacrossantas emendas parlamentares ou nas rendas nababescas dos fidalgos do alto funcionalismo.

Mesmo assim, nada feito. O país carimbado armou seus canhões, deflagrando um bombardeio preventivo que gerou um efeito pretendido: Haddad abandonou Tebet na chuva e outros ministros protestaram.

CRÍTICAS EXAGERADAS – “Sou totalmente contra essa proposta absurda” (Luiz Marinho, Trabalho). “Isso é tirar renda da parte mais pobre da população” (Carlos Lupi, Previdência, que não entendeu a parte do 1%). “Podem cortar despesas de juros. Por que cortar em cima dos mais pobres?” (Gleisi Hoffmann, PT, clamando por um desastroso calote na dívida pública e anunciando que o partido reivindicará “tirar a educação de qualquer limite fiscal”).

Os três artilheiros do país carimbado confiam no amparo presidencial. Tudo indica que têm razão: na hora da entrevista de Tebet, Lula insurgiu-se novamente contra a meta de déficit zero de seu próprio governo difundindo a fake news de que “essa é uma discussão que nenhum país do mundo faz”.

Quando as águas baixarem, a vida volta ao normal: o país carimbado situa-se acima da cota dos 5 metros.

Supremo gastou R$ 100 mil com viagem de um segurança de Toffoli à Europa

Toffoli desiste de evento em Madri após participar de fórum bancado por empresa com ação no STF

Toffoli só viaja acompanhado do chefe da sua segurança

Constança Rezende e Lucas Marchesini
Folha

O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), gastou R$ 99,6 mil de recursos públicos em diárias para o exterior para um segurança que o acompanhou em viagens para Londres, no Reino Unido, e Madri, na Espanha.

A quantia foi paga no mês de abril ao servidor Marcelo Ribeiro Pires, segundo o portal da transparência do tribunal. O funcionário, lotado no gabinete de Toffoli, é responsável pela segurança do ministro.

25 DIÁRIAS – De acordo com o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) do governo, a quantia corresponde ao pagamento de 25 diárias internacionais, de 23 de abril até esta sexta-feira (17).

Os ministros do STF estão sob pressão devido à falta de transparência sobre as viagens para eventos na Europa, sobre as quais não divulgaram informações como custeio e período fora do Brasil.

Toffoli participou de eventos jurídicos no exterior nesse período, entre eles o 1º Fórum Jurídico Brasil de Ideias, que ocorreu em Londres de 24 a 26 de abril.

GRUPO VOTO – O encontro foi organizado pelo Grupo Voto, presidido pela cientista política Karim Miskulin, que em 2022, às vésperas da campanha eleitoral, promoveu almoço de Jair Bolsonaro (PL) com 135 empresárias e executivas no Palácio Tangará, em São Paulo.

Empresas com ações nos tribunais superiores bancaram palestrantes ou patrocinaram o evento. Entre elas, estão a indústria de cigarros BAT Brasil (British American Tobacco) —antiga Souza Cruz— e o Banco Master.

Em seguida, Toffoli esteve em Madri, onde foi convidado a participar de um debate jurídico no dia 3 de maio, mas não compareceu ao evento. No dia 2 de maio, ele participou remotamente da sessão do tribunal.

MAIS UM EVENTO – Depois, ele foi a um terceiro evento jurídico, também na capital espanhola, ocorrido de 6 a 8 de maio. Na ocasião, o ministro palestrou no programa internacional de alta formação Segurança Jurídica e Tributação, realizado pela Escola Superior de Advocacia Nacional, braço educativo do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Um levantamento feito pela Folha no início deste mês constatou que Toffoli foi o recordista em participações de sessões do plenário por videoconferência em 2024, em um total de 10. Desde que foi à Europa, o ministro participa das sessões online, como foi o caso desta semana.

O tribunal aprovou uma resolução regulamentando o uso de videoconferência durante a pandemia da Covid, em 2020. À época, a inovação fez com que a corte não parasse de realizar sessões durante o período de distanciamento social.

DENTRO DA LEI – Segundo a assessoria de imprensa do STF, o pagamento das diárias de servidores segue o previsto na instrução normativa 291, editada em fevereiro deste ano.

De acordo com a norma, terão direito ao benefício os funcionários que, “no interesse do STF e em caráter eventual ou transitório”, desloquem-se para fora do Distrito Federal ou para o exterior.

A quantia deve ser destinada a despesas com hospedagem, alimentação e locomoção urbana. Ela não inclui os gastos com passagens, que entram em outra rubrica pelo tribunal.

AUTORIZAÇÃO PRÉVIA – A resolução ainda estipula que o pagamento de diárias para missão no exterior depende de autorização prévia do afastamento do funcionário. A autorização é feita por ato do diretor-geral do tribunal, “observada a disponibilidade orçamentária e a lei de diretrizes orçamentárias vigente”.

O servidor deve apresentar o motivo do convite ao exterior, “demonstrando a capacidade técnica, jurídica, científica ou cultural que evidencie a importância dos serviços a serem prestados ao STF”. Além do cronograma das atividades a serem desenvolvidas, se for o caso.

Os valores para diárias internacionais são de US$ 959,40 para ministros e US$ 671,58 para demais beneficiários. Os recursos são pagos antecipadamente, de uma só vez, exceto em casos de afastamentos emergenciais; ou quando compreender período superior a 15 dias, quando poderão ser pagos em parcelas, segundo a norma.

FICA MAIS CARO – A assessoria de comunicação do tribunal disse à Folha que “a contratação do serviço de segurança no exterior custa mais caro do que a concessão de diárias a servidores que, inclusive, já conhecem a rotina e a necessidade dos ministros”.

Também disse que “a despesa com segurança no exterior é necessária em razão do aumento de ataques e incidentes envolvendo os magistrados no exterior”.

Toffoli disse, no início deste mês, quando ainda estava em Madri, que as reportagens a respeito das viagens dos magistrados à Europa para participar de eventos jurídicos de outras instituições são “absolutamente inadequadas, incorretas e injustas”.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Enviada por José Guilherme Schossland, a matéria mostra que uma atitude pode ser legal, estar rigorosamente dentro da lei, mas ser amoral e aética. O Brasil de hoje está cheio de coisas assim, que alguns operadores da justiça consideram morais e éticas, simplesmente porque eles são favorecidos por essas excrescências. (C.N.)

Voluntários foram iludidos para resgatar carga de armas Taurus no aeroporto

Voluntários revelam que foram enganados para resgatar carga milionária de armas da Taurus no aeroporto. : r/brasil

Chamados para salvar crianças, acabaram resgatando armas

Silvio Milani
Jornal ABC/RS

Segundo a Polícia Federal, uma carga milionária de fuzis e pistolas armazenada no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, corria risco de roubo. A notícia de 3,5 mil armas da fabricante Taurus ilhadas no terminal de exportação já tinha vazado para uma facção criminosa, que estaria planejando ousado ataque. Era preciso remover com urgência o arsenal das instalações alagadas.

O trabalho foi feito, mas por voluntários na linha de frente, que nunca deram um tiro na vida. Sequer usaram colete à prova de balas durante as oito horas de transporte das 156 caixas de armamento, em dois barcos que eles próprios custearam.

ESCUDO HUMANO – “Nos enganaram, pois fomos chamados para resgatar crianças e acabamos virando escudo humano”, relata o investidor Nicolas Vedovatto, 26 anos. Ele frisa que o grupo de cinco amigos só foi informado em cima da hora que o resgate era de armas.

“Nos sentimos coagidos”, observa uma médica de 31 anos, que pede para não ser identificada. O namorado dela, um empresário de 30 anos, foi junto. Também prefere preservar a identidade.

“É surreal o que passamos. Ainda não caiu a ficha”, comenta o analista de sistemas Igor Garcia de Oliveira, 26, ao lado do empresário do setor metalúrgico Isaac Freire Lopes, 25. Sob liderança de Nicolas, esses voluntários trabalharam na remoção das armas com um caminhoneiro e um barqueiro que eles contrataram.

BASTIDORES DA OPERAÇÃO – Munido de fotos, vídeos e áudios, o grupo relata os bastidores da insólita operação, que margeia as raias do absurdo.

Os amigos Nicolas e Igor, moradores de Capão da Canoa, foram para a região metropolitana na noite do último dia 5. Contam  que foram atraídos ao arriscado trabalho de forma enganosa. Inicialmente, representantes da Taurus teriam se identificado fingindo serem voluntários que clamavam pelo resgate de algumas crianças.

“Dias depois, nos deparamos com uma reportagem no Fantástico, onde aparecemos fazendo o transporte como se fôssemos policiais de elite”, salienta o investidor. Em entrevista ao programa dominical da Rede Globo, o superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, delegado Aldronei Rodrigues, enalteceu o sucesso da operação.

RESGATE E SALVAMENTOS – Paramentados com roupa de borracha, faca e machado, partiram para os socorros de manhã cedo. “Já no início foi muito intenso e gratificante. Conseguimos resgatar várias pessoas e animais em Eldorado do Sul.” A dupla ganhou destaque nos salvamentos e passou a participar de vários grupos nas redes sociais. Foi assim que veio o fatídico convite.

“Recebi mensagem de um desconhecido, com entonação forte, dizendo que tinha uma demanda urgente de resgate de crianças. Era uma missão prioritária. Aquilo me comoveu muito. Logo me coloquei à disposição.”

O homem disse que eram necessários quatro barcos e uma equipe especializada. Sensibilizado, Nicolas publicou um vídeo com pedido de apoio e voltou a Capão com o amigo para reunir os recursos, durante a quarta-feira. Em áudio empolgado, dá retorno ao homem. “Vai ter uma médica com a gente. Pergunta se as crianças estão feridas e se precisam de atendimento de primeiros socorros.”

A profissional da saúde, que é velejadora, logo se engajou. “Já vinha a semana inteira ajudando em abrigos. Consegui uma colega para me substituir no atendimento. Estava determinada a atuar no resgate às crianças’’, disse. E o namorado empresário, que é surfista, auxiliou na logística.

POSTO DE GASOLINA – O ponto de encontro era em um posto de combustíveis em Canoas, às 7 horas, onde seria dito o local de salvamento das crianças. Foi o primeiro contato pessoal com o homem das mensagens, que aguardava o grupo ao lado de uma mulher. Ela se apresentou como coordenadora da ação voluntária.

Em meio às primeiras conversas, ansiosos para irem ao salvamento, os voluntários ouviram um comunicado estarrecedor da mulher. “Trabalho na Taurus. O resgate que vocês vão fazer não é mais de crianças, e sim de armas.”

Ainda assimilando a surpresa, os voluntários se negaram em participar. “Travei. Disse que não iria. Ela argumentou que precisava de civis e que haveria policiais à paisana. Pedimos identificação e ela nos mostrou um crachá da Taurus”, recorda a édica. Apoiada pelos amigos, ela insistiu em não ir. “Daí a mulher disse que era tão importante quanto salvar crianças, pois evitaria que armas fossem parar nas mãos de bandidos.”

EM DOIS BARCOS – O percurso da PRF ao aeroporto foi feito em dois barcos. Os voluntários em um com motor potente, rebocando outro com a coordenadora e outro suposto funcionário da Taurus. “Ela (coordenadora) disse para não usar celular e até para não fazer movimentos bruscos, pois estávamos na linha de tiro de snipers (atiradores de elite) da Polícia Federal no topo dos prédios”, enfatiza a médica. Os voluntários confirmam que avistaram um em prontidão, deitado em um telhado, de roupas camufladas e com arma de grosso calibre apontada para as águas.

O primeiro contato com policiais federais ocorreu na entrada do aeroporto. “Havia muitos. Isso me deixou mais tranquila”, suspira a médica. Um agente e os voluntários precisaram arrombar o portão e quebrar um engate de metal para a passagem dos barcos. “Vocês são funcionários da Taurus?”, perguntou um policial. “Não, sou médica. Vim para resgatar crianças.” Ao ouvir que os voluntários tinham sido “enganados”, o agente teria sorrido. “A Taurus fazendo isso…”

ESTAVAM PERDIDOS – No terminal internacional de cargas, havia cerca de dez funcionários da indústria bélica. Os voluntários chegaram a ver notas fiscais das armas retidas por causa da enchente. “A gente percebeu que o pessoal estava perdido sobre como transportar a carga de barco. Daí organizamos uma logística”, recorda Igor.

Eram caixas pesadas, muitas delas de 60 quilos. Tinham que ser levadas a um caminhão branco, sem identificação, estacionado em área transitável na rua. Por volta das 9 horas, começou o descarregamento. “A primeira embarcação foi a nossa, com nove caixas, sem nenhuma escolta armada até esse caminhão. Isso é gritante na desorganização”, afirma Nicolas.

O Comando de Operações Táticas (COT) da Polícia Federal, encarregado da segurança da remoção bélica, chegou quando a primeira leva já tinha sido transportada. “Foram sem a gente?”, indagou um agente, com as mãos na cabeça. “As coisas foram se organizando aos poucos, mas ainda assim sem muito controle”, acrescenta o investidor. Igor relata que cuidava sozinho de pilhas de caixas no portão do terminal. “

ERA TRABALHO DEMAIS – “Cuidamos da integridade das caixas. Sugerimos forrar o fundo das embarcações para não molhar. Mesmo assim, uma chegou a molhar e se abriu”, expõe Nicolas.

De acordo com Nicolas, mais voluntários foram recrutados durante o dia. “Viram que ia levar noite a dentro se fosse só nós. Então passaram a vir outros civis, só que eles não sabiam o que estavam carregando. Eu preferia não estar sabendo também.” Em meio às embarcações com armas, passavam outras sem nenhuma relação com a operação. O trânsito era livre, sem isolamento.

Ela conta que os voluntários receberam água e comida só à tarde. O resgate foi concluído quando já escurecia, depois das 17 horas. “Foi muito cansativo.” Ela conta que os policiais pensavam que ela e os amigos, pelo grau de envolvimento com a logística, eram funcionários da Taurus.

ESGOTAMENTO – Conforme a médica, os agentes aparentavam esgotamento. “Estavam exaustos, há muitos dias ali, contando as horas para irem embora.” O caminhão que recebeu as armas estava cercado de policiais com uniforme preto e fortemente armados. O destino das armas é sigiloso.

“Como foi o resgate das crianças?”, era o que Nicolas mais ouvia quando retornou ao abrigo. “Eu desconversava e tinha que lidar com gozações, porque as pessoas viram meu vídeo com pedido de ajuda para resgate das crianças e não ouviram mais nada a respeito. Mesmo tendo sido feito de bobo por uma empresa que ignorou os protocolos de segurança e nos expôs a risco extremo, eu não falava sobre as armas. Despistava, mesmo com as piadas.”

O voluntário frisa que só passou a tocar no assunto quando se viu na televisão. “Lembro que o pessoal da Taurus ficou irritado com a chegada da equipe de reportagem do Fantástico”, comenta.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG –
A matéria, enviada pelo gaúcho Duarte Bertolini, mostra a que ponto chegamos. A matéria não diz quanto a Taurus doou aos flagelados. Soube que a empresa disponibilzou seus armazéns em São Leopoldo para receber doações. Será que doou alguma parte de seus lucros armamentistas? É capaz de não ter doado nada. (C.N.)

Aumento da longevidade causará muitas mudanças no trabalho e na Previdência

580 ideias de Velhices | velhice, casal idoso, fotos de idosos

Viver 100 anos está se tornando cada vez mais comum

Martin Wolf
Financial Times/Folha

Em 1965, a idade mais comum de morte no Reino Unido era no primeiro ano de vida. Hoje, a idade mais comum para morrer é de 87 anos. Essa estatística surpreendente vem de um novo e notável livro, “The Longevity Imperative” [O Imperativo da Longevidade, em tradução livre], de Andrew Scott, da London Business School.

Ele observa também que uma menina recém-nascida no Japão tem 96% de chance de chegar aos 60 anos, enquanto as mulheres japonesas têm uma expectativa de vida de quase 88 anos. O Japão é excepcional. Mas estamos vivendo mais em todos os lugares: a expectativa de vida global é agora de 76 anos para mulheres e 71 para homens (claramente, o sexo mais fraco).

VIVENDO MAIS – Esse novo mundo foi criado pelo colapso nas taxas de morte dos mais jovens. Em 1841, 35% dos meninos morriam antes de completar 20 anos no Reino Unido e 77% não sobreviviam até os 70 anos.

Em 2020, esses números haviam caído para 0,7% e 21%, respectivamente. Nós praticamente derrotamos as causas de morte precoce, por meio de alimentos e água mais limpos, vacinação e antibióticos. Lembro-me quando a poliomielite era uma grande ameaça. Ela está quase totalmente erradicada, assim como o outrora muito maior perigo da varíola.

Essa é a maior conquista da humanidade. No entanto, nossa principal reação é nos preocuparmos com os custos de uma sociedade “envelhecida”.

DESAFIOS E OPORTUNIDADES – Sim, o novo mundo em que vivemos cria desafios. Mas o principal argumento de Scott é que esse mundo também cria oportunidades.

Precisamos repensar a velhice, tanto individualmente quanto socialmente. Não devemos empurrar uma grande parte de nossa sociedade para uma “velhice” improdutiva e insalubre.

Podemos e devemos fazer muito melhor, tanto individualmente quanto socialmente. Este é o “imperativo” dele. Exceto por um desastre, haverá muito mais pessoas muito idosas: em 1990, havia apenas 95.000 pessoas com mais de 100 anos no mundo. Hoje, há mais de meio milhão, e esse número está aumentando.

SEM OLHOS NEM DENTES – Uma grande questão é como as pessoas vão envelhecer. Elas vão desfrutar de uma velhice vigorosa e depois morrer subitamente, ou viveremos “sem olhos, sem dentes, sem nada” por muitos anos impotentes e sem esperança?

A maioria de nós não deseja terminar nossas vidas na decrepitude, impondo inevitavelmente também um grande fardo aos membros mais jovens da sociedade.

De forma igualmente clara, um mundo em que a maioria provavelmente viverá até os 90 anos, muitos até mais, precisa ser completamente repensado.

VELHICE VAZIA – A ideia de 25 anos ou mais de educação, 35 anos de trabalho e depois, digamos, 35 anos de aposentadoria é impossível, tanto para indivíduos quanto para a sociedade. Certamente é insustentável. Também é provável que produza uma velhice vazia para vastas proporções da população.

Para fazer com que um mundo assim funcione, teremos que reorganizar a educação, o trabalho, as pensões, os estados de bem-estar social e os sistemas de saúde.

As pessoas não mais, por exemplo, irão para a universidade ou receber treinamento apenas quando jovens adultos. Isso será uma atividade ao longo da vida. Novamente, idades obrigatórias ou padrão de aposentadoria serão sem sentido. As pessoas devem ter opções de trabalhar e não trabalhar em várias fases de suas vidas.

HAVERÁ MUDANÇAS – Apenas aumentar as idades de aposentadoria de forma geral é ineficiente e injusto, uma vez que a expectativa de vida é distribuída de forma tão desigual. As taxas de contribuição para aposentadoria também precisarão ser alteradas. Hoje, geralmente são muito baixas.

Os sistemas de saúde também devem incorporar totalmente a saúde pública, que se tornará cada vez mais importante à medida que a sociedade envelhece.

Estamos entrando em um novo, velho mundo. Isso é fruto de um enorme sucesso. No entanto, há também um perigo realista de uma velhice longa demais, vegetativa e indesejável para indivíduos e para a sociedade. Se assim for, devemos repensar nossa visão sobre a prioridade de preservar a vida.

Sob Lula, Petrobras virou campo de batalha entre facções com interesses particulares

Lula demitiu presidente da Petrobras após pressão de ministros de seu governo

Lula tenta usar a Petrobras como se fosse uma repartição

J.R. Guzzo
Estadão

O presidente Lula e os seus governos têm uma relação obviamente tóxica com a Petrobras. Em suas duas primeiras passagens pela Presidência, agravadas em seguida pela calamidade contínua de Dilma Rousseff, a maior empresa brasileira transformou-se num símbolo universal de corrupção.

Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, onde foi desaguar uma parte das ações judiciais provocadas pela roubalheira monumental contra a companhia, o sistema lulista criou ali, muito simplesmente, o pior episódio de corrupção já registrado na História.

BRIGA DE FOICE – De volta ao governo pela terceira vez, Lula está também de volta à cena do crime, como diria o vice-presidente Alckmin. Desde que entrou de novo no Palácio do Planalto, a Petrobras virou um campo de batalha entre facções que defendem seus interesses particulares. Mataram agora o chefe de uma delas – o atual presidente, que já estava há meses diante do pelotão de fuzilamento montado por seus inimigos. Aguarda-se agora a próxima briga de foice.

Quem realmente perde com isso não é a Petrobras. A conta, como acontece desde a fundação da empresa 70 anos atrás, vai direto para o bolso dos seus únicos proprietários legais – o povo brasileiro, que tem a maioria as ações.

Naturalmente, o povo nunca é consultado a respeito de nada pelos gatos gordos que dirigem a companhia em seu nome e, na prática, para os interesses deles mesmos, os gatos gordos.

ENTREGOU NA BANDEJA – Desta vez, dois ministros estavam atrás da cabeça do presidente  da Petrobras – e, depois de muito tiroteio entre eles, nos quais o valor da empresa foi amputado em R$ 50 bilhões, Lula acabou entregando. Ficou exposta ao mundo, mais uma vez, a importância real que ele dá ao conceito básico de lealdade.

O presidente está sempre pronto para atirar nos feridos – e a jogar para cima do público os novos prejuízos que serão trazidos pelo seu projeto de anarquia na Petrobras. Só no dia da demissão, foram R$ 40 bilhões a mais a virar fumaça.

Lula, por tudo o que já fez e está fazendo na empresa, tem uma conduta abertamente irresponsável na sua condução. Ele usa a Petrobras, que é de todos os brasileiros, para fins políticos pessoais – como seu perene empenho em fazer demagogia com os preços dos combustíveis.

EXIGÊNCIAS DESCABIDAS – Lula quer que a companhia faça “investimentos”, crie “empregos”, ajude a “indústria nacional”, combata a “pobreza”, sirva à “política econômica” do governo. Tudo, enfim, menos permitir que a Petrobras cumpra as obrigações fundamentais que tem como empresa – dar lucro aos acionistas, o maior dos quais é o Tesouro Nacional, pagar impostos e trabalhar com competência empresarial.

Os investimentos que tem feito são os desastres que se sabe. E a Refinaria Abreu e Lima, que deveria ter custado US$ 2 bilhões, já custou mais de US$ 20 bilhões e ainda não está pronta. É a compra do ferro-velho de Pasadena. São as sondas de exploração pagas e não entregues por uma empresa que foi à falência.

É óbvio que as responsabilidades pelo suicídio permanente da Petrobras não cabem só a Lula. Considere-se, por um instante, que a empresa está no seu oitavo presidente em oito anos – quatro de Bolsonaro, dois de Temer e dois do próprio Lula.

SEM ESTABILIDADE – Não é preciso dizer mais nada: que estabilidade se pode esperar de uma companhia onde a presidência é um assento ejetável de piloto de caça?

Há também a ideologia que predomina no quadro funcional, e que prega o monopólio de mercado como a única estratégia aceitável para a Petrobras. Há o saque permanente por parte da politicalha nacional.

Mas é certo, apesar de tudo isso, que Lula é um veneno permanente no organismo da empresa, com sua ideia fixa de que ela tem de servir aos interesses do governo, e não aos dos acionistas – a quem chama de “dinossauro voraz”. Se é assim, por que não compra as suas ações e transforma a empresa em repartição pública logo de uma vez?

ARMAÇÃO FLAGRANTE – A demissão do presidente Jean-Paul Prates, na verdade, é a continuação do que Lula começou 20 anos atrás -mais uma armação flagrante em favor de interesses que não têm nada a ver com o bem da Petrobras. O que se quer, mais uma vez, são contratos na altura dos bilhões para enterrar o dinheiro da empresa na construção de navios, gasodutos, refinarias e todo o tipo de mico que os amigos dos amigos conseguirem socar no meio.

Ao que tudo indica, há muita impaciência para abrir de novo as torneiras – sabe-se lá quanto tempo ainda sobra para fazerem o que estão querendo. A nova presidente não deixa grandes esperanças. É funcionária de carreira da companhia, sem dúvida uma vantagem em relação ao submundo da política. É também uma devota do caráter sagrado da Petrobras e da crença segundo a qual o Brasil e os brasileiros têm de servir à empresa, e não o contrário.

Acha, como Lula, que o complexo CIA-FBI armou as denúncias apuradas e julgadas pela Lava Jato. Na verdade, por esta visão das coisas, não teria havido corrupção na empresa – apesar das confissões oficiais de culpa e da devolução de dinheiro roubado. Foi tudo uma manobra do imperialismo contra a Petrobras. É isso, e mais disso, que vem pela frente.

Tragédia gaúcha se agrava com a atuação desumana e perversa dos negacionistas

Governo Federal intensifica ações no Rio Grande do Sul com força-tarefa  liderada pelo presidente Lula — Ministério do Desenvolvimento e Assistência  Social, Família e Combate à Fome

negacionistas estão atrapalhando as atuações humanitáricas

Conrado Hübner Mendes
Folha

Negacionistas não somente rejeitam a verdade. Sequer participam de disputa sincera pela verdade. Não estão interessados. Todo negacionismo é, antes, negação da responsabilidade que a verdade imputa. Estratégia diversionista, esconde causalidades entre ações e consequências. E rejeita a norma jurídica ou moral que sanciona o comportamento danoso.

Não se equiparam aos sofistas ou aos céticos, nem aos ateus ou agnósticos. Estão mais próximos ao que Harry Frankfurt chamou de “bullshiters”. Diferente do mentiroso e do hipócrita, que conhecem a verdade e sabem que mentem, o “bullshiter” tem indiferença à verdade e joga outro jogo. Sua empreitada não é intelectual, mas política e sectária.

DE DIVERSOS TIPOS – Muitos negacionismos contaminam a conjuntura brasileira: negacionismo do golpe, da ditadura, do racismo, da homofobia, dos conflitos de interesses da magistocracia, da corrupção e do autoritarismo; dos efeitos da desigualdade e da boçalidade pública; da correlação entre liberação de armas e aumento de homicídios, parecido com o da causalidade entre cigarro e câncer; do dever constitucional de manter o meio ambiente equilibrado e do direito de gerações presentes e futuras.

Não interessa ao negacionista cultivar o hábito intelectual da dúvida nem a atitude política da desconfiança. Quer apenas destruir inimigos com a melhor arma em mãos.

É uma técnica sintonizada ao extremismo político, hoje armado de canhões desregulados de desinformação com alta precisão algorítmica. Financiar a fabricação de negacionismo com cara de ciência é comum a indústrias que impactam a saúde e o meio ambiente.

EXEMPLO GAÚCHO – O Rio Grande do Sul sedia nesse momento o encontro do extremismo político com a desigualdade extrema e o evento climático extremo. Ainda não conhecemos todos os danos que uma reunião explosiva desse calibre produz, mas já somos capazes de perceber a multiplicação desnecessária e discriminatória de mortes, sofrimento e empobrecimento material.

Negacionistas têm tentado corroer o esforço da sociedade e do Estado brasileiro em enfrentar as consequências da tragédia. Sua produção torrencial de notícia falsa se dirige a bloquear e deslegitimar iniciativas estatais de ajuda aos atingidos.

Em paralelo, a solidariedade social, traduzida na dedicação voluntária de indivíduos e organizações, em colaboração com esforços públicos, é tumultuada por oportunistas que, mais do que participar, tentam individualizar os méritos do heroísmo coletivo em redes sociais.

DOIS COMBATES – Nesse momento, o negacionista luta dois combates: um contra o Estado, cujas instituições precisam continuar a ser evisceradas de capacidade de compreender a estrutura do desastre, de preveni-lo e de responder a ele; outra contra o conhecimento que demonstra, justamente, a relação de causalidade entre o que o negacionista faz e a consequência para a coletividade.

A tragédia precisa ser desvinculada da ação negacionista. O negacionista precisa ser exonerado de sua responsabilidade.

Há exemplos recentes da responsabilidade negacionista. O governo do RS ignorou plano de prevenção a desastres desde 2017; flexibilizou regras sobre barragens em áreas de preservação permanente; enfraqueceu o código florestal.

RESPONSABILIZAÇÃO – O Congresso Nacional vem desmontando a proteção ambiental nos últimos anos e tenta aprovar o “pacote da destruição” com mais de 20 projetos contra o meio ambiente. O governo federal não dá sinais de ter a causa da proteção ambiental como prioridade.

Ainda não conseguimos construir ferramentas de responsabilização de organizações, empresas e atores políticos que, desinteressados nas consequências humanas e econômicas do que fazem, e ansiosos por ganhos de curto prazo, contribuem para o desastre.

Nem conseguimos construir instituições que traduzam o compromisso constitucional da precaução em prática real. Enquanto isso, os negacionistas estão matando e vão continuar a matar.

Lula quer superar novas crises com velhas ideias na tragédia gaúcha e na Petrobras

À beira do abismo. Análise da conjuntura mundial e nacional (parte 1) – GOI  – Palavra Operária

Charge do Bruno (Arquivo Google)

William Waack
Estadão

Lula não quer saber de experimentar. Suas decisões são baseadas sempre nas velhas convicções – ou cacoetes, como se preferir – e isso vale tanto para uma Petrobras como para o enfrentamento da catástrofe que destruiu boa parte do Rio Grande do Sul.

A resposta ao que é uma inédita crise múltipla dentro de uma grande crise exigiria um notável esforço político para criar algum tipo de instância central de coordenação e controle. A maior dificuldade está no pacto federativo e a autoridade por ele conferida ao governador do Estado, que não manda em todas as instâncias (federais, por exemplo) das quais precisa.

SALVADOR DA PÁTRIA – O que Lula “criou” para lidar com o desastre no Sul foi um ministro extraordinário sem poderes plenipotenciários, que é declarado rival das forças políticas no comando do Estado e candidato a substituí-las nas próximas eleições para governador.

Mas é uma oportunidade relevante para que Lula assuma seu lugar favorito, o de Salvador da Pátria.

“Precisamos funcionar como uma orquestra”, disse Lula em relação aos Poderes e sua atuação na crise. Como se sabe, não há orquestra que funcione sem um maestro. No caso da resposta à tragédia, quem vai empunhar a batuta? E, também tão importante, de quem é a partitura?

RANÇO SINDICALISTA – No caso da Petrobras, compõe o pano de fundo para a troca do presidente da estatal o velho ranço sindicalista tão essencial na formação de Lula. Sua principal característica é a aliança nacional desenvolvimentista com empresários interessados em pouca competição e muitos incentivos estatais, que perdura há décadas.

Além dos grupos políticos que transformam pedaços da máquina pública em ferramentas na defesa de seus interesses.

Passa longe do radar de Lula a ideia de que a natureza de desafios enfrentados pela Petrobras e pelo Rio Grande do Sul estão ligados também a amplos fatores externos entre os quais a transição energética (leia-se também fenômenos climáticos extremos) ocupa o centro das estratégias das grandes economias. Não é tentando fabricar navios que o País ficará mais forte.

GRANDE FRACASSO – Os resultados do que se tentou com o nacional desenvolvimentismo indicam um grande fracasso. Assim como uma série de especialistas não se cansa de dizer que boa parte do sofrimento trazido pela tragédia climática tem a ver com a proverbial falta de capacidade de planejamento e políticas públicas, nos vários níveis.

Lula declarou que vai trilhar mais uma vez o único caminho que conhece. Contará com as forças de sempre, em notável descompasso com as transformações domésticas e internacionais.

Mas a voz interior, a única que Lula realmente ouve, garante que agora vai dar certo.

Aumento do poder do chefe da Casa Civil virou marca no governo Lula 3

Rui Costa

Mau-humorado e ríspido, Rui Costa está em alta no Planalto

Bruno Boghossian
Folha

Poucos integrantes do governo Lula acumularam tanta antipatia de colegas no primeiro ano de mandato como Rui Costa. O chefe da Casa Civil era descrito por parlamentares e ministros como um político centralizador, ambicioso e ríspido.

Os adjetivos talvez permaneçam lá, mas a marca agora é outra. A consolidação do poder de Costa é um dos fenômenos deste segundo ano de governo. O ministro não só assumiu a confiança plena do presidente como expandiu sua influência.

DOBRADINHA – A mudança no comando da Petrobras é o exemplo mais recente. Lula demitiu um presidente que exibia certa rebeldia em relação aos planos da Casa Civil, para instalar na estatal uma gestora disposta a fazer uma dobradinha com Costa.

O ministro vai participar da escolha dos novos diretores da empresa e apitará com mais frequência na carteira de investimentos da Petrobras. Fernando Haddad, tradicionalmente considerado um protegido de Lula, não foi ouvido na troca.

As ações de socorro ao Rio Grande do Sul reforçaram o aval do presidente a uma concentração de decisões no gabinete de Costa. Lula reclamou de ministros que anunciaram medidas para o estado sem consultar a Casa Civil. Paulo Pimenta ganhou um ministério extraordinário, mas a palavra final das ações do governo sairá de outro gabinete.

JUNTO COM LIRA – O chefe da Casa Civil ainda ampliou o alcance de sua atuação política ao se tornar o interlocutor único do presidente da Câmara, Arthur Lira, que rompeu com o ministro da articulação política, Alexandre Padilha.

Costa ainda se aproximou do antigo adversário Elmar Nascimento, um dos preferidos de Lira para sua sucessão no comando da Casa.

A transferência dessa autoridade é uma escolha clara do presidente. “Tudo que vai para mim passa pelo Rui primeiro”, anunciou, ainda no ano passado. Costa, aliás, é um dos nomes citados para uma futura sucessão de Lula. O petista, porém, voltou a interditar essa discussão nesta semana ao dizer que ainda pretende “disputar umas dez eleições”.

Recriar a confiança é mais importante que autoritarismo contra as fake news

Cozinhas solidárias de movimentos populares | Direitos Humanos

A solidariedade é fundamental para recuperar a confiança

Joel Pinheiro da Fonseca
Folha

O Estado não faz nada, é incompetente no pouco que faz e até mesmo sabota os esforços da iniciativa privada. Segundo levantamento do professor Pablo Ortellado, da USP, 31% dos conteúdos compartilhados sobre as enchentes no RS na rede social X tentam descredibilizar o poder público.

Em muitos, há informações falsas, como a de que toda a tragédia foi planejada. Em outros, são informações exageradas, como a de que o governo teria negado ajuda do Uruguai e que caminhões com donativos estão sendo barrados por falta de nota fiscal.

COMO REAGIR? – Num momento de crise, com nervos à flor da pele, sociedade polarizada e smartphones nas mãos de todos, é quase inevitável que muito conteúdo falso e/ou com forte teor político venha à tona. Misturam-se aí várias motivações: busca por fama ou dinheiro, oportunismo político e até mesmo equívoco sincero na intenção de ajudar. A questão é como reagir a ele.

A reação da Secom do governo federal até agora tem sido o confronto direto. Em primeiro lugar na Justiça, segundo ofício enviado ao ministro da Justiça para tomar medidas legais contra diversos perfis. É uma peça de indisfarçável autoritarismo. Dentre os conteúdos que levaram a Secom a recorrer à Justiça está a opinião veiculada por uma influenciadora de que “o Estado não estaria fazendo nada, mas apenas a sociedade civil”.

É óbvio que essa opinião é totalmente sem base — e que ela parte de certos interesses políticos —, mas ela é isto: uma opinião, e não a asserção de um fato concreto que não ocorreu e que pode enganar as pessoas.

SERIA IMPOSSÍVEL – Imagine a distopia de milhares de cidadãos sendo processados — multados e quiçá presos— por escrever textos ou gravar áudios com exageros e críticas injustas ao governo. A boa notícia é que, além de ditatorial, isso seria impossível. A não ser que optemos por um controle das redes de nível chinês (que inclui banir aplicativos estrangeiros), o governo não tem como lidar com o volume de conteúdo gerado.

Numa coisa estou de pleno acordo com o ofício da Secom: “É fundamental que ações sejam tomadas para proteger a integridade e a eficácia das nossas instituições frente a tais crises”. Mas essas ações têm que ser pensadas com inteligência, para não tornarem o problema ainda maior.

Olhamos muito para o lado da oferta —quem veicula as tais fake news e conteúdo polarizante—, e pouco para o da demanda: quem consome e compartilha. O post é compartilhado na medida em que entrega o que o público quer, ou seja, confirma seus desejos e vieses. E hoje, parte expressiva da sociedade olha com desconfiança tudo o que venha das instituições estabelecidas, vistas como corruptas e incompetentes.

REAVER A CONFIANÇA – Reconstruir uma confiança básica é muito mais importante do que refutar uma ou outra fake news que circula graças à desconfiança. E isso significa baixar a sensação de que metade da população (no Sul, muito mais) é vista como inimiga pelo governo. Falar com prontidão, simplicidade e transparência pode ser melhor que acusar e processar.

Surgiu a denúncia de que o governo rejeitou a ajuda do Uruguai? Em vez de sair acusando de fake news —que foi o que o governo fez— por que não explicar a realidade toda de maneira aberta? O Uruguai ofereceu um avião, que foi rejeitado pelas dificuldades técnicas de trazê-lo, e um helicóptero, que foi aceito e já estava em operação.

Baixar a temperatura em vez de partir para o combate. E, claro, estar sempre comunicando e contando sua história de “união e reconstrução”. Imagens de funcionários públicos e voluntários trabalhando lado a lado fazem um bem maior do que ficar discutindo qual lado é melhor.

Barroso cria fake news que liga Musk a ”movimento perigoso de extrema direita’’

Judiciário vem mudando seu papel em matéria climática, diz Barroso |  Política: Diario de Pernambuco

Para defender Moraes, Barroso inventou uma fake news

Deu na BBC Brasil

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso fez críticas a Elon Musk e associou o bilionário dono da rede social X (o antigo Twitter) ao que chamou de movimento internacional “destrutivo” de extrema direita que busca desestabilizar democracias, em uma entrevista ao jornal britânico Financial Times.

No mês passado, o empresário fez fortes críticas ao Judiciário brasileiro, em especial ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, e ameaçou reativar perfis apagados por decisão da Justiça.

POPULISMO AUTORITÁRIO – Na entrevista, Barroso, atual presidente do Supremo, alertou para a crescente onda de “populismo autoritário” e disse: “Há claramente uma articulação de extrema direita no mundo. [Musk] pode ser uma parte disso.”

“Estamos lutando contra poderosos inimigos da democracia”, afirmou o magistrado ao Financial Times. “E algumas pessoas invocam a liberdade de expressão quando, na verdade, defendem um modelo de negócio baseado no engajamento e, infelizmente, no ódio, no sensacionalismo [e] em teorias da conspiração.”

O Financial Times disse ter procurado a assessoria de imprensa de Musk para responder aos comentários de Barroso, mas os representantes do empresário não responderam de forma específica.

A entrevista foi concedida às margens do J20, uma reunião de cúpula que reúne os chefes dos tribunais supremos do G20.

O QUE FEZ MUSK? – O dono do X se manifestou contra decisões proferidas por Moraes, entre as quais o bloqueio de perfis alvos de inquéritos que apuram práticas como o compartilhamento de notícias falsas e ataques coordenados a adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Musk também compartilhou publicações do jornalista americano Michael Shellenberger que mostravam e-mails da equipe jurídica do Twitter sobre pedidos da Justiça brasileira referentes a perfis de investigados nos inquéritos. Shellenberger classificou tais solicitações como violações de liberdade de expressão no país.

Alexandre de Moraes reagiu às declarações de Musk e determinou que o bilionário seja investigado. O ministro incluiu o dono do X no inquérito que investiga as milícias digitais e também abriu um novo inquérito para apurar se o empresário cometeu crimes de obstrução à Justiça, organização criminosa e incitação ao crime com suas publicações.

MULTA DIÁRIA – Além disso, Moraes estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil para cada perfil da rede social que venha a ser desbloqueado, em descumprimento da decisão judicial. E frisou a possível punição aos responsáveis legais pela empresa no Brasil caso isso ocorra. Apesar das declarações iniciais de Musk, o X posteriormente concordou em cumprir as ordens, mas afirmou que recorreria das decisões judiciais.

Para Barroso, o movimento de extrema direita está “tentando criar um problema que não existe” com alegações de censura.

Segundo o magistrado brasileiro afirmou ao FT, a recente investigação da Polícia Federal sobre uma suposta tentativa de golpe planejada por Bolsonaro e outros membros do alto escalão após as eleições de 2022 prova que a democracia brasileira está sob ataque.

DEMOCRACIA AMEAÇADA – Barroso também destacou os tumultos em Brasília em janeiro do ano passado, quando milhares de apoiadores de Bolsonaro invadiram e vandalizaram o Congresso, o Supremo Tribunal e o Palácio do Planalto.

“As pessoas que pensam que exageramos devem saber que tipo de forças tivemos que combater. Estamos falando de pessoas que prepararam um golpe de Estado. Estamos falando de pessoas que invadiram [as instituições do Brasil] com fúria”, disse, segundo o jornal britânico.

Barroso admitiu que é difícil traçar a linha entre a liberdade de expressão e os ataques à democracia, dizendo que “dependerá sempre dos riscos que corremos”. Mas afirmou que o incitamento à violência contra o Estado é inaceitável. “Você pode criticar o Supremo e dizer que não gosta. Ou você pode até dizer [pior]. Mas não se pode dizer ‘vamos invadir estes edifícios e retirar estas pessoas’. Há um limite claro entre essas duas coisas”, disse.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
Barroso comprou a briga de Moraes e vai se dar mal. Melhor faria se ficasse calado. Essa estória de ligar Musk a ‘’movimento perigoso de extrema direita’’ é uma tremenda fake news, que Barroso deveria ter vergonha de passar adiante. O fato concreto é que Musk pegou Moraes em flagrante delito de censura, não existe a menor condição de defender esses atos do ministro brasileiro. Barroso perde seu tempo e deve achar (?) que engana alguém com essa conversa de democracia. Ninguém pode defender censura, sob alegação de que foi exercida para defender a democracia. Isso é papo de maluco, como se dizia antigamente. (C.N.)

Crianças infratoras precisam receber tratamento mais brando, para adaptação

A atriz Samara Felippo durante entrevista ao Fantástico sobre caso de racismo sofrido pela filha em escola

A atriz Samara Felippo conta o problema vivido pela filha

Hélio Schwartsman
Folha

Sempre um gentleman, Pierpaolo Cruz Bottini escreveu uma réplica à minha coluna “Vontade de punir” (3/5), sobre o caso de racismo numa escola de elite paulistana. O artigo é muito bom. Quase me convenceu a mudar de opinião. Quase.

Pier traça uma distinção forte entre o direito penal, campo em que ele concordaria com a ideia de que as sanções precisam ser mais moderadas quando aplicadas a menores, e a vida escolar, esfera em que a expulsão das garotas que perpetraram o ato de racismo estaria justificada. Tenho dificuldades com essa separação.

SOCIABILIDADE – O direito penal não é algo que nos foi um dia dado por Deus no alto do monte Sinai, mas um desenvolvimento —esperemos que para melhor— de mecanismos biológicos e culturais de promoção da sociabilidade que sempre existiram entre humanos. E não só humanos.

O princípio segundo o qual jovens devem ser tratados com maior tolerância transcende nossa espécie. Frans de Waal, que nos deixou há poucos dias, conta que até entre os ultra-hierárquicos babuínos —a extrema direita dos primatas—, macacos pequenos podem quase tudo, inclusive saltar na barriga de machos alfa sem ser incomodados.

É possível que a própria assimilação de regras sociais tenha como pressuposto um período de aprendizado no qual elas não são impostas de modo draconiano.

SEM EXPULSÃO – Mesmo tendo cometido um abjeto ato de racismo, as garotas são crianças e como tal deveriam ser tratadas, no direito e na vida. Uma sanção escolar precisa ser aplicada, mas não creio que devamos logo de cara usar a mais drástica delas, que é a expulsão.

A escola que opta por isso nega seu próprio DNA de instituição dedicada a ensinar, mais do que a punir.

Quanto à vítima, ela deve ser acolhida e receber solidariedade, mas não há como desfazer a agressão que sofreu. Ela terá de conviver com isso e com o racismo da sociedade, que, apesar de progressos recentes, não desaparecerá da noite para o dia.